O mercado da Segurança Privada no Brasil
Susana Durão*
Como se caracteriza o setor da segurança privada no Brasil? Qual a evolução em número de empresas e de vigilantes nos últimos anos? Em que regiões há mais segurança privada? Qual o perfil socio-profissional dos vigilantes? Aqui pode ler a resposta a estas e outras perguntas, a partir da análise dos dados publicados no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em julho de 2021. Não podemos ser indiferentes a esta área de atuação. A segurança privada é uma atividade expressiva no país, visível nos espaços urbanos, presente nos mais diversos ambientes industriais, comerciais e residenciais. Para se ter apenas uma ideia da sua importância, em 2020 o setor teve um faturamento estimado de R$ 35,7 bilhões.
Volume de empresas e mercado
Hoje o mercado de segurança privada no Brasil, regulado e fiscalizado pela Polícia Federal, é constituído por 2.471 empresas especializadas — que prestam serviços de vigilância mediante contratação — e 1.154 orgânicas, empresas que contratam diretamente os vigilantes.
A quantidade de vigilantes com vínculos ativos aponta um volume de 502.318 trabalhando em empresas especializada e 23.790 em empresas orgânicas. Se compararmos o número de empresas com o número de vigilantes ao serviço, verificamos que, apesar da extrema variação e pluralidade interna, as empresas especializadas são maiores e contratam mais e as orgânicas são mais pequenas e restritas. Se uma empresa especializada pode ter em média 203 vigilantes, uma orgânica não terá mais de 20.
A vigilância patrimonial constitui o grande volume de atividade da segurança privada no Brasil. Mais de 50% nas empresas especializadas e 99,1% nas empresas orgânicas operam exclusivamente na proteção patrimonial. No caso das empresas especializadas, o restante do mercado se distribui por estabelecimentos que, além de vigilância patrimonial, têm autorização para exercer a atividade de escolta armada, segurança pessoal e transporte de valores. Um outro setor também presente são as empresas de formação.
Mercado de trabalho na vigilância e regiões
A evolução estatística ao longo dos últimos anos aponta uma queda do número de vigilantes contratados. Em 2015 eram 631.028 e em 2021 são 526.108. A queda de mais de 100,000 nesse período é em geral atribuída à crise econômica no país, especialmente aguda em 2020, com encolhimento de -4,5% do PIB em todo o setor de serviços. Mas pode também significar uma reorganização interna da segurança privada e avanço de novas soluções de segurança eletrônica no Brasil.
Só entre 2020 e 2021, também devido à pandemia, houve uma redução de 7.239 vagas para vigilantes. Estima-se que em 2021 apenas 50% dos vigilantes aptos a trabalhar estão atualmente empregados. Ou seja, embora exista mais de um milhão com a carteira nacional de vigilante, o curso de vigilante de 200 horas ou as reciclagens obrigatórias realizadas, metade não tem oportunidade de emprego no setor.
Onde a segurança privada está mais presente no Brasil? Indiscutivelmente, na região Sudeste, com quase metade do efetivo total (48,7%), sendo a segunda maior região o Nordeste (19,8%). Noutras regiões a segurança privada é menos expressiva, como no Sul (14,9%) e Centro-Oeste (9,9%), ou mesmo residual, como no Norte (6,7%). Tudo indica que nas regiões onde existem mais armas nas mãos dos cidadãos, a segurança privada formal é mais incipiente.
É de assinalar que São Paulo representa 36,3% do total do setor. Neste estado se concentra grande volume do mercado de emprego da segurança privada. Este e outros mercados de serviços ajudam a estimular o afluxo tradicional de cidadãos de outros estados à capital paulista em busca de emprego.
Perfil socio-profissional dos vigilantes
A vigilância é um mercado de emprego ainda de reserva masculina. Mesmo se a maior parte da vigilância é de âmbito patrimonial, com menor potencial para uso da força, no setor há uma sobre-representação de homens (91%) e um percentual baixo de mulheres (9%).
A população de vigilantes está distribuída nas várias faixas etárias ativas, mas com incidência entre os 30 e 49 anos (representando 69% do total). Isto aponta um mercado não juvenil e a hipótese de que o emprego na atividade se dê mais por necessidade e esgotamento de outras possibilidades de trabalho do que por opção vocacional. O percentual de vigilantes por faixa etária no primeiro emprego acompanha de perto essa mesma tendência.
É notório que a maioria dos vigilantes tenha o ensino médio completo (73%), qualificação muito superior ao mínimo exigido pela Lei 7.102/1983, que é a 4ª série do ensino fundamental.
Uso potencial da força
É de notar que as empresas de segurança privada no Brasil trabalham preferencialmente com armamento letal e menos com armamento não letal. Para dar um exemplo, no ano de 2020, na Região Sudeste, as empresas adquiram 4.438 armas letais para 563 não letais.
Se compararmos, grosso modo, a distribuição das armas de fogo no Brasil em números absolutos, verificamos que o total de armas nas mãos das polícias militares (quase 511 mil armas) já foi ultrapassado pelo número de armas nas mãos dos cidadãos (quase 527 mil). A segurança privada tem registradas quase 260 mil armas. Em vários estados da federação, o registro de armas de fogo de empresas da segurança privada é muito inferior ao dos cidadãos. Isto permite entender que a distribuição potencial de uso da força armada pela sociedade é maior do que nos setores formalmente delegados ou controlados pelo Estado. O quase “exército privado” entre os cidadãos é um dos fatores que ajuda a entender a profusa informalidade dos mercados de proteção privada e os impasses da regulação e fiscalização do uso da força no Brasil.
A sombra da clandestinidade
Desde os anos 90, a segurança patrimonial privada cresceu galopantemente e é parte da malha que compõe a segurança urbana, facilitando e complementando o trabalho dos operadores da segurança pública. Nas últimas décadas, formas de proteção patrimonial redefiniram estilos de vida. A oferta de serviços e possibilidades de contratação direta cresceu de tal modo que a segurança se tornou uma quase mercadoria. Todavia, sem se substituir a outras formas de proteção, variadas, ilícitas e sem fiscalização, o setor de segurança privada no Brasil enfrenta diariamente a sombra competitiva da clandestinidade. Como evidencia o Anuário, hoje podemos ter dados robustos para analisar o setor formal. Mas continuamos reféns do desconhecimento acerca do que se passa do lado das proteções privadas desreguladas. Sem reformas profundas, esse estado de coisas permanecerá assim por muito tempo.
*Professora de Antropologia na UNICAMP e Coordenadora Executiva da Secretaria de Vivência nos Campi