Efeito Contágio: o papel da mídia na repetição de assassinatos em massa
Ampla divulgação de massacres pode contribuir para a ocorrência de casos semelhantes. Jornalistas devem evitar citar o nome dos perpetradores e não publicar suas fotos
Caroline Back*
Mais um caso de assassinato em massa chocou o país no dia 04/05: um rapaz de 18 anos invadiu uma creche no interior de Santa Catarina e matou a golpes de facão três crianças e duas professoras, tentando em seguida cometer suicídio. A ocorrência de mais essa tragédia evidencia uma preocupação: há algo que se possa fazer para tentar evitar casos como esses?
Nesse sentido, este artigo busca trazer reflexões acerca da cobertura midiática dessas ocorrências e a possível influência em novos casos, o chamado “efeito contágio”. Além disso, oferece orientações para direcionar a cobertura de tais eventos de forma a minimizar esse efeito.
Cobertura midiática e o efeito contágio
Há muito tempo, teóricos da psicologia e sociologia sabem que comportamentos tendem a ser imitados com base nas suas consequências e esse efeito pode ser particularmente devastador no caso de comportamentos violentos.
Exemplo disso é o chamado “efeito Werther”, termo proposto pelo sociólogo David Phillips, em 1974, para descrever a influência da divulgação de atos suicidas na ocorrência de outros casos. O fenômeno foi observado na Alemanha, no final do século XVIII, após uma onda de suicídios ter sido relacionada ao trágico desfecho do personagem Werther – da célebre obra de Johann Von Goethe, publicada em 1774.
Acredita-se que o mesmo fenômeno esteja relacionado aos casos de assassinatos em massa, o chamado “efeito contágio”, indicando que a ampla divulgação dos massacres possui o efeito de gerar outros casos semelhantes, de indivíduos que buscam imitar os ataques e receber a mesma atenção.
Esse fenômeno pode ser explicado, em parte, pela ampla publicidade que se dá a tais eventos. Por exemplo, um levantamento mostrou que os autores de sete assassinatos em massa entre 2013 e 2017 receberam aproximadamente US$ 75 milhões em menções de mídia gratuitas. Esse tipo de publicidade gratuita pode ter o mesmo efeito de publicidades pagas, aumentando o número de interessados no assunto e inspirando a prática de novos casos.
Além disso, já foi demonstrada correlação positiva entre o número de vítimas e a publicidade obtida pelo agressor. Um estudo que analisou assassinos em massa entre os anos de 1976 e 1999 descobriu que aqueles que mataram e feriram mais vítimas tinham uma probabilidade significativamente maior de aparecer no jornal The New York Times em comparação aos casos em que houve menos derramamento de sangue. Ou seja, a maior atenção recebida pode ser um incentivo a mais para o criminoso matar o maior número de vítimas possível.
Tal fato tem uma explicação psicológica: acredita-se que uma das características frequentes em assassinos em massa é a presença de um traço narcísico, que os leva a querer chamar a atenção da sociedade para seus atos “grandiosos” e até mesmo uma espécie de “competição” com outros ofensores para fazerem o maior número de vítimas.
Nesse sentido, Lankford documentou 24 exemplos de perpetradores que admitiram abertamente buscar fama e citou casos adicionais em que há fortes evidências comportamentais que indicam essa intenção. Alguns desses indivíduos estavam inclusive competindo com outros para se tornar o assassino em massa mais famoso da história.
Cobertura midiática e a influência em novos casos: dados assustadores
Para compreender melhor esse fenômeno, estudos buscaram identificar a influência da divulgação midiática na ocorrência de novos ataques. A maior parte deles foi feita com base em tiroteios em massa, que é reconhecidamente a forma mais comum desses ataques. Os dados são assustadores: um estudo realizado em 2015 estimou que cada evento possa incitar pelo menos 0,30 novos casos.
Outro propôs uma metodologia para estabelecer uma relação de causa e efeito entre os eventos. Ao analisar casos entre 2013 e 2016, nos EUA, concluiu que nada menos do que 58% de todos os tiroteios em massa podiam ser explicados pela cobertura de notícias. Os estudos ainda apontam um período de quatro dias a duas semanas em que essa influência estaria presente.
Recomendações
Assim, as principais recomendações para a cobertura desses eventos na mídia são simples e práticas, mas podem ser muito efetivas:
1. Não citar o nome do perpetrador nem sua foto;
2. Em vez disso, usar o ano, local do ataque e uma palavra como “perpetrador” ou “suspeito”;
3. Não usar nomes, fotos ou imagens de perpetradores anteriores;
4. Evitar retratar o indivíduo como “competente” no seu intuito homicida;
5. Evitar retratá-lo como “agressivo” ou “perigoso”, pois pode ser uma espécie de recompensa ou atributo a ser imitado;
6. Relatar todo o restante sobre o caso, com a quantidade de detalhes desejada.
Quando o assunto for a cobertura dos assassinatos em massa: “não os nomeie, não os mostre, mas relate todo o resto”.
*Psicóloga na Secretaria de Segurança Pública (GMSJP – PR); Especialização em Segurança Pública; Cursando Pós-Graduação em Neurociência Criminal e Comunicação não-verbal; Graduação em Psicologia (PUCPR); Cursando Graduação em Direito (FESPPR); Membro do Conselho Comunitário de Execuções Penais de São José dos Pinhais (CCEP-SJP).
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Na edição desta semana, leia também “Rio de Janeiro e o desgoverno da segurança” e “Ministério Público e o controle da atividade policial“.