O papel da perícia no caso Henry Borel

AM PRESS & IMAGES/FOLHAPRESS
Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Discussão que envolve o estabelecimento a estimativa do momento da morte de Henry será um ponto crucial na investigação. O caso aponta para um provável indiciamento dos dois envolvidos e certamente ainda vai ocupar o noticiário

Cássio Thyone Almeida de Rosa*

 

No último dia 09 de abril, a mãe de Henry Borel Medeiros e o seu então namorado, o vereador da cidade do Rio de Janeiro conhecido como Dr. Jairinho, foram presos e o caso da morte do garoto, que já vinha movimentando a mídia, ganhou ainda mais repercussão. Novos detalhes surgiram e laudos foram divulgados. Agora pretendemos avançar nas análises de alguns aspectos desse quebra-cabeças, em especial no que se refere a questões de ordem pericial.

Entre as novas informações divulgadas, consta a perícia das câmeras do circuito interno do condomínio onde o fato aconteceu. A imagem obtida junto à câmera do interior do elevador que mostra o casal deixando o apartamento para levar Henry ao hospital foi importante em diversas análises. Na imagem, a mãe carrega a criança no colo, tendo o seu namorado ao lado. O laudo indica o horário de 4h09min do dia 08 de março. O documento, segundo revelaram os veículos de comunicação, afirma que as lesões foram cometidas entre as 23h30min do dia 7 e as 3h30min do dia 8, momento em que o casal diz ter encontrado o menino morto. O casal teria, portanto, aguardado 39 minutos antes de tomar a atitude de transportar o menino até um hospital.

Com o resultado dos exames de reprodução simulada – que em verdade tecnicamente acabaram não ocorrendo, já que a mãe e o padrasto simplesmente decidiram não colaborar, e, consequentemente, não apresentaram versões a serem confrontadas, princípio básico de uma reprodução simulada de fatos – a polícia optou por realizar diversos exames complementares (simulações). Ao confrontar dados dos depoimentos apresentados e checá-los in loco, os elementos passíveis de serem analisados, como por exemplo a busca por detalhes, acabaram por demonstrar o quanto é remota a possibilidade de que a criança tenha sofrido qualquer queda no interior do quarto onde estivera nos momentos que antecederam a sua morte. Dentre outros, segundo divulgado, havia no quarto móveis que incluíam uma cama, uma poltrona e uma estante, esta última aquela com a maior altura, da ordem de 1,20m.

O novo laudo apresentou ainda uma discussão que foi referenciada como “Evolução da Cronotanatognose”. Para esclarecer esse ponto, começamos pela própria definição da palavra Cronotanatognose, cuja etimologia nos remete a radicais gregos: crono (kronos) = tempo, tanato (thanatos) = morte e gnose (gnosis) = conhecimento.

Desta forma a Cronotanatognose nada mais é que o estudo (conhecimento) do tempo de morte. Fundamenta-se nos chamados fenômenos cadavéricos, os quais implantam-se após o evento morte. A análise serve para conhecermos todos os fenômenos (divididos entre imediatos, consecutivos e tardios). Constituem exemplos de fenômenos cadavéricos imediatos: a perda da consciência, a imobilidade, o relaxamento muscular, o relaxamento dos esfíncteres, a parada cardíaca, a ausência de pulso, a parada respiratória e a insensibilidade. Como exemplos de fenômenos cadavéricos consecutivos, podemos citar o resfriamento do corpo (Algidez Cadavérica); a rigidez cadavérica (Rigor Mortis); livores hipostáticos e desidratação cadavérica. Já como fenômenos cadavéricos tardios, podemos relacionar a mancha verde abdominal, a circulação póstuma de Brouardel e os demais processos que se instalam na putrefação em seus diversos estágios (fase gasosa ou colorimétrica, fase enfisematosa, fase coliquativa e fase de esqueletização).

No caso do menino Henry, a análise das imagens dele sendo carregado dentro do elevador permitiu observar indícios pela cor da pele, cor dos lábios, rigidez do corpo, detalhes nos olhos, dentre outros, que sugerem que a criança poderia já estar morta quando a imagem foi captada.

Conforme se noticiou na mídia, a certa altura, no laudo, assim teriam os perito se expressado sobre a questão das lesões encontradas na criança e a possibilidade de que elas estivessem relacionadas a uma queda: “A quantidade de lesões externas não pode ser proveniente de uma queda livre”.

Em termos periciais, a discussão que envolve o estabelecimento ou mesmo a estimativa do momento da morte de Henry será um ponto crucial. Certamente ainda surgirão novos elementos investigativos e também relativos a exames periciais. O caso aponta para um provável indiciamento dos dois envolvidos e certamente ainda vai ocupar o noticiário. Resta-nos acompanhar, com uma sensação que mescla incredulidade e indignação.

*Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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Na edição desta semana, leia também “Indicador de eficiência para avaliação e monitoramento de operações policiais no RJ” e “Patriotismo e direitos nas denúncias internacionais da violência no Brasil”.