A saúde mental dos profissionais de segurança pública não faz quarentena

Desde o início da pandemia, profissionais da segurança pública continuam nas ruas trabalhando e sendo expostos ao vírus. Pensar em estratégias e políticas de saúde mental é essencial para esses agentes. 

Dayse Miranda*

Fernanda Cruz**

Desde março de 2020, temos assistido a uma série de descontinuidades nos serviços em detrimento de restrições sanitárias. Praticar o isolamento e o distanciamento social são as principais medidas preventivas para o COVID-19. No entanto, sob essa justificativa, alguns serviços fundamentais de assistência à saúde mental dos profissionais de segurança pública estão ameaçados.

Considerados como trabalhadores essenciais desde o início da pandemia, os profissionais de segurança pública permanecem nas ruas, expostos ao vírus e convivendo com o medo de se contaminar e contaminar aos seus familiares. Neste contexto, o suporte emocional se faz essencial para esses agentes. 

Sabemos que o descaso com a saúde mental dos profissionais de segurança pública não teve início com a pandemia. A Saúde Mental é um tema polêmico e pouco compreendido na Segurança Pública no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, o suicídio é um problema de saúde pública. Entretanto, as organizações de segurança pública brasileiras tendem a considerá-lo como um problema de saúde do sujeito em sofrimento psíquico. 

Um reflexo dessa visão é que as instituições não se preparam para lidar com o problema de uma forma coletiva. Os serviços assistenciais- quando existem- enfrentam uma série de desafios, desde a carência de profissionais até a resistências internas para manter seu funcionamento. A lógica dominante ainda é a de que um bom policial não precisa deste tipo de serviço e de que muitos policiais fingem adoecimento para se esquivarem do trabalho policial. 

O estudo que realizamos em 2014 nas 27 unidades federativas nos ensinou que o cuidado com a saúde mental dos agentes de segurança pública não faz parte do planejamento estratégico das polícias militares. A inexistência de vontade política fica evidente quando recapitulamos a agenda das políticas estaduais de segurança pública desde a institucionalização do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública no país em 2000. 

É evidente que identificamos avanços nos últimos anos. Muitos deles tratam-se de iniciativas de policiais que passaram a buscar diversas fontes de conhecimento para mudarem a realidade de suas próprias instituições. No Distrito Federal, por exemplo, o Programa de Valorização da Vida foi instituído em 2018, por meio de articulação entre a Capelania e o Centro de Atendimento Psicossocial. O objetivo da iniciativa era fornecer uma perspectiva interdisciplinar comprometida com o cuidado integral e preventivo da saúde.

Apesar dos avanços, identificamos que quando não acontece o comprometimento coletivo dos gestores com a promoção da saúde mental dos agentes, as ações de intervenção e prevenção são rapidamente enfraquecidas ou descontinuadas. No entanto, essa escolha tem gerado uma série de revezes. Em primeiro lugar, para os próprios policiais, que não encontram o amparo necessário em suas instituições.

Em segundo lugar, para as famílias desses agentes, que muitas vezes representam o espaço onde policiais extravasam suas tensões e frustrações. Em terceiro lugar, para a própria instituição policial, que passa a conviver com um ambiente de trabalho marcado por perdas, desde casos de afastamento por saúde mental e até casos de suicídio entre os seus agentes. Por fim, para a sociedade, afinal é ela que demandará os serviços deste policial. 

Existe um longo caminho a ser percorrido para melhorar a atenção a saúde dispensada a esses profissionais. A existência de espaços de escuta e atendimento qualificado sem dúvida é um ponto fundamental. Entretanto, há questões organizacionais que precisam ser revisadas, entre elas estão: longas jornadas de trabalho, condições inadequadas de trabalho, punições arbitrárias, o convívio com humilhações verbais, carência de recursos humanos e materiais, entre outros. 

Quaisquer que sejam as ações de promoção da saúde desses profissionais, é preciso que elas tenham capilaridade e perenidade. Em momentos de crise, o cuidado com a saúde emocional do profissional de segurança pública é fundamental, por isso reforçamos que a saúde mental deve fazer parte da agenda de prioridades das políticas de segurança pública desde país. Do contrário, todos sairão perdendo.

*Socióloga, doutora em Ciência Política pela USP e coordenadora da área de ensino e pesquisa do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES).

**  Pesquisadora de pós-doutorado do NEV/USP e pesquisadora associada do IPPES.

 

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Na edição desta semana, leia também “Bolsonaro arma os amigos” e “Os conselhos tutelares na prevenção à violência contra crianças e adolescentes”.