Violência e desmatamento caminham juntos na Amazônia
Territórios desmatados têm maior taxa de assassinatos rurais por 100 mil habitantes. Mais do que nunca, as áreas de segurança pública e meio ambiente precisam se integrar.
Sofia Reinach*
Isabela Sobral**
A discussão sobre crimes ambientais na Amazônia é urgente e vem se aprofundando nos últimos anos. As evidências apontam que a situação se agrava rapidamente e que a atenção para o assunto deve ser prioridade nacional. Ao mesmo tempo, o país assiste a um cenário alarmante nos índices de violência rural e urbana. As taxas de mortes violentas intencionais, estupros e agressões justificam o medo que a população sente ao sair de casa ou definir seus trajetos cotidianos.
Apesar de ambos os cenários trágicos serem objeto de diferentes esforços e trabalhos analíticos, o olhar para a forma como crimes ambientais e crimes violentos estão relacionados na região amazônica ainda é incipiente no país. O intuito desse texto é, portanto, demonstrar como avançam os crimes violentos nas diferentes regiões amazônicas, considerando o grau de desmatamento das áreas.
Em 2007, Celentano e Veríssimo publicaram o estudo “O Avanço da Fronteira na Amazônia: do Boom ao Colapso”, em que dividem a Amazônia em quatro zonas de cobertura: “não-florestal”, “desmatada”, “sob pressão” e “florestal”. As áreas “não florestais” são regiões cobertas por cerrados e campos, onde as principais atividades são pecuária extensiva e agricultura. As áreas “desmatadas” foram cobertas por florestas, mas já possuem mais de 70% da sua área desflorestada. As regiões “sob pressão” constituem aquelas localizadas nas novas fronteiras de ocupação e, portanto, com maior risco de desmatamento atualmente. Por fim, as áreas “florestais” compreendem regiões mais conservadas, com apenas 5% de desflorestamento. A publicação mostra que, naquele período, havia uma maior incidência de homicídios e maior taxa de assassinatos rurais por 100 mil habitantes nas zonas “sob pressão”.
Recentemente, em conjunto com pesquisadores do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), em um esforço de contribuir com o trabalho da Revista Piauí num artigo sobre a Amazônia, buscamos atualizar essa informação. Para tanto, foram recalculadas as divisões das zonas de cobertura para cada ano analisado. Além disso, outros dados foram utilizados para a análise. Primeiramente, vale observar como se dá a distribuição de crimes na região da Amazônia Legal no momento mais recente. A tabela abaixo apresenta dados relacionados à violência em 2018, provenientes de diferentes fontes de dados.
Conforme é possível verificar na tabela, as zonas “sob pressão” possuem maiores taxas de violências não letais registradas pelo Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação). Tanto violência sexual, como violência física apresentam maior quantidade de notificações por 100 mil habitantes do que as outras áreas. No entanto, ao tratar de violência letal, é a zona “desmatada” que responde pela maior taxa de homicídios, seguida pela zona “sob pressão”. Considerando a conclusão do estudo de Celentano e Veríssimo (2007), houve uma mudança importante no comportamento dos índices de violência letal na zona “desmatada”. O gráfico abaixo apresenta o comportamento das taxas de homicídio nas diferentes categorias nos dois períodos.
O gráfico traz as médias das taxas de homicídio em dois períodos: 2004 a 2007 e 2015 a 2018. Ou seja, entre um conjunto de barras e o outro existe um intervalo de oito anos. É possível verificar que no primeiro período as taxas de homicídio eram significativamente maiores nas zonas “sob pressão”. No entanto, passados oito anos, a violência subiu nas áreas “não florestal”, “desmatada” e “florestal”, praticamente se igualando à taxa das zonas “sob pressão”. As áreas desmatadas apresentaram até uma média superior à taxa da zona “sob pressão”. Ou seja, é possível verificar que a violência se tornou um fenômeno mais frequente em todas as áreas amazônicas.
Apesar de todas as áreas terem visto um crescimento significativo das taxas de violência, também é digno de nota que as maiores taxas de homicídios estão em áreas que tem algum grau de desmatamento. Ou seja, apesar de essa não ser uma constatação de causalidade, pode-se afirmar que violência e desmatamento são fenômenos que caminham juntos.
O que se debate aqui, portanto, é a urgência de aprofundar os estudos e análises que relacionam crimes violentos e crimes ambientais. Existem fortes indícios de que os fenômenos possuem convergências, como apontam os dados acima. A compreensão de como a área de segurança pública pode se relacionar com a área ambiental e estas, juntas, contribuírem para a compreensão desse contexto é um desafio a ser enfrentado no país.
*Mestre em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas – SP. Graduada em Administração Pública na mesma escola. Pesquisadora do Centro de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas e pesquisadora associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
**Graduada em Ciências Sociais pela USP, mestranda em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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Na edição desta semana, leia também “A atuação da PRF nas operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública” e “Acidentes aeronáuticos: aspectos periciais”.