Amadores e profissionais no roubo a bancos

Júlia Tanaka/Jornal Voz de Ibiúna/Folhapress
Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Assaltos recentes a bancos revelam a criatividade dos criminosos para levantar grandes quantias de dinheiro. Em ambos os casos, porém, a polícia demonstrou preparo para investigar e enfrentar membros das grandes quadrilhas.

 

Guaracy Mingardi*

 

Os roubos ocorridos semana passada em Criciúma (SC) e Cametá (PA) chamaram a atenção não apenas pela semelhança, mas também pelo curto espaço de tempo entre os dois. São crimes de vulto, com grandes efetivos e armamento pesado. Mas a semelhança fica por aí. Ao que tudo indica, o crime ocorrido na cidade catarinense foi mais profissional que o do Pará. Inclusive por um fato bem instigante. Apesar de aterrorizarem uma cidade, atacar a polícia, provocar uma morte e movimentar o noticiário de todo o país, os ladrões não levaram nada do banco em Cametá. Ou pelo menos foi isso que afirmou o governador do estado. Teriam errado o cofre a ser explodido.

Essa quase simultaneidade de casos mostra como esse crime está se popularizando. Só esse ano ocorreram dois em cidades médias de São Paulo. O tipo criminal, portanto, está se tornando rotina, apesar dos alvos já não serem tão rentáveis como no início. Sucessor direto do crime conhecido como Novo Cangaço, os roubos cinematográficos de transportadoras de valores tiveram início há cerca de cinco anos. Desde os primeiros, já havia um modus operandi estruturado, pronto para ser utilizado nas cidades médias e grandes, em áreas muito urbanizadas, onde as rotas de fuga são complicadas. Santos e Campinas, as duas primeiras cidades onde o novo modelo foi testado, são cidades grandes, parte de manchas urbanas de mais de um milhão de habitantes. O caso mais rumoroso foi em 2017, quando uma quadrilha brasileira subtraiu mais de R$ 11 milhões de uma transportadora de valores no Paraguai.

Nos primeiros casos, as quantias roubadas foram milionárias e pegaram a polícia e as transportadoras de valores de surpresa. Ocorreram num momento de inflexão dos roubos a banco comuns, quando as medidas de segurança teriam diminuído as chances de serem bem-sucedidos. Além das portas giratórias, alarmes e câmeras no interior e fora dos bancos, o grande empecilho eram os cofres com temporizadores, que só permitem a abertura num horário determinado de antemão. Com esse sistema, os ladrões não conseguiam obrigar o gerente a abrir o cofre, portanto tinham acesso somente ao dinheiro dos caixas, o que era um espólio pequeno, tendo em vista o risco do assalto. Ou seja, o benefício do roubo a banco tradicional não compensava o risco da prisão.

O mundo do crime é muito criativo. Com os roubos a banco entrando em desuso e as outras modalidades rendendo pouco, os mais criativos dos antigos ladrões de banco arquitetaram os megarroubos. Na verdade, o início não foi simples, exigiu a conjugação de alguns fatores. Talvez o mais importante foi que em 2006 o Primeiro Comando da Capital (PCC) ganhou o controle dos presídios e das ruas em São Paulo. E a partir daí criou uma estrutura que permitiu imiscuir-se no tráfico e aos poucos controlar boa parte dessa atividade no estado. Ao mesmo tempo a organização expandiu-se no país, arregimentando todo tipo de criminoso, ou seja, não apenas traficantes. A estrutura quase empresarial do PCC sempre visou, além do controle dos presídios, facilitar a vida dos “irmãos”, como como são chamados os membros. Inclusive está escrito em vários de seus estatutos que eles são vítimas da opressão, portanto têm direito de cometer qualquer crime para sobreviver. E nem só de tráfico vive a criminalidade.

Com o crescimento da estrutura, passaram a apoiar vários empreendimentos dos membros, em troca de uma fração do lucro. Por conta dessa atividade terceirizada, e não para proteção das “biqueiras”, compraram armamento pesado, principalmente fuzis e algumas metralhadoras .50, que são armas essenciais para os mega-assaltos. Lembrando que em seu principal mercado, São Paulo, não existe qualquer organização criminosa que possa competir com o Primeiro Comando. Portanto, não é (ou não era) necessário o uso de armamento pesado para proteger os locais de venda de drogas, as “biqueiras”. Outro ativo oferecido pela organização são os especialistas em explosivos, imprescindíveis para abrir caminho ou explodir cofres nos grandes roubos.

A junção desses três fatores – dificuldade nos roubos a banco, ladrões profissionais subutilizados e uma forte organização de apoio – resultou na criação do atual modelo. Em vez de quatro ou cinco homens, número habitual, assaltarem um banco, quarenta pessoas, bem organizadas e armadas, roubam cinquenta, cem vezes mais do que nos roubos comuns. E com dois ou três golpes desses o participante, mesmo de baixo escalão, tem dinheiro para se manter por um ano ou mais. Já os líderes ficam com capital suficiente para uma aposentadoria parcial.

A questão é que o adversário, no caso a polícia, não ficou parado nesse tempo. Se adaptou aos poucos ao novo crime e apreendeu a investigá-lo. Tanto que já começou a prender suspeitos do assalto de Criciúma. O caminho para chegar aos autores foram alguns fragmentos de impressões digitais, achados pela polícia catarinense nos carros usados na fuga. Eles foram encaminhados para São Paulo, onde a Polícia Civil conseguiu identificar alguns dos criminosos. Até agora foram presos suspeitos em ao menos três estados: São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, graças ao esforço conjunto das polícias.

O profissionalismo, portanto, não está apenas de um lado da mesa. Essa mesa, que é triangular, tem profissionais dos três lados. De um, estão os criminosos que praticam esses roubos, e de outro alguns policiais especializados o suficiente para enfrentar as grandes quadrilhas. E, no terceiro, estão os bancos, que aprenderam que não é bom deixar tanto dinheiro em um só lugar. E como são dois contra um, daqui um tempo esse crime, que chama muita atenção, passará a minguar, devido ao desbalanceamento do custo/benefício.

Os grandes ladrões, porém, não ficarão de braços cruzados nem optarão por uma vida honesta, afinal são profissionais do crime. Vão inventar uma nova modalidade que causará manchetes indignadas. E terão sucesso até que o estado, representado pelas polícias, aprenda a investigar o novo crime. E então o ciclo reiniciará.

 

* Guaracy Mingardi é analista criminal e associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

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Na edição desta semana, leia também “Criciúma e Cametá: saiba o que mudou nos roubos a bancos nas últimas décadas” e “O policial tem que ter coragem até para não aceitar ordens que violem direitos humanos”, diz Charles Ramsey”.