Contra a epidemia de homicídios no Brasil

Jarbas Oliveira/Folhapress
Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Ao produzir mais dados sobre a investigação e a elucidação dos crimes, as polícias terão maior entendimento sobre suas próprias vulnerabilidades e necessidades no dia a dia.

 

Fabiano Contarato*

Atingido este ano por uma pandemia que já tirou a vida de mais de 170 mil brasileiros em pouco mais de 9 meses, o Brasil vive, também, uma epidemia silenciosa, geralmente resumida às estatísticas: somos um país com mais de 50 mil homicídios anuais, em média, na última década. Fato também assustador é que a “normalização” desse grande número de mortes veio acompanhada de outra “normalização”: o Brasil não é capaz de esclarecer a maioria dos homicídios, o que permite que os responsáveis por crimes graves sigam livres para reincidir e priva da justiça as famílias de vítimas.

Apresentei projeto de lei no Senado Federal para tentar mudar esta triste realidade. Na proposta, estou elencando quais informações básicas as autoridades de segurança devem recolher, sistematizar e publicar: o número de ocorrências de crimes violentos letais e informações diversas sobre as vítimas; o número de inquéritos policiais em andamento, relatados com autoria e arquivados; os recursos materiais e humanos disponíveis para investigação de homicídios; e a duração média das investigações policiais. Espera-se que uma experiência bem-sucedida na promoção de transparência nas ações de combate aos homicídios seja, posteriormente, expandida para outros crimes.

Ao produzir mais dados sobre a investigação e a elucidação de homicídios, as polícias terão maior entendimento sobre suas próprias vulnerabilidades e necessidades. Poderão, assim, planejar investimentos, alocar recursos, demonstrar publicamente eventuais deficiências e, assim, pleitear mais verbas, além de promover reformas administrativas e institucionais necessárias. Poderão, ainda, acompanhar a efetividade dessas reformas ao longo do tempo e, assim, identificar aquelas medidas que produzem mais ou menos resultados.

A sociedade civil terá um papel fundamental neste processo. Mais informação disponível gerará mais cobranças por parte dos cidadãos em relação aos seus representantes eleitos. A taxa de elucidação de homicídios será a métrica de avaliação dos governantes, e aumentá-la, promessa de campanha.

De acordo com dados do Instituto Sou da Paz, menos de um terço dos homicídios é esclarecido no país – ou seja, em apenas um de cada três homicídios é identificado o autor do crime. Se estes dados são ruins, ainda pior é saber que esse percentual retrata a realidade apenas de 10 estados e do Distrito Federal. Isso porque, em 16 estados brasileiros, não se sabe nem sequer quantos homicídios são elucidados.

Na ausência de dados, é impossível planejar, executar e monitorar políticas públicas de combate à violência letal. Como saber onde investir? Como saber se uma iniciativa está sendo bem-sucedida ou não? Como disseminar boas práticas ou eliminar aquelas que não funcionam?

Este é, afinal, um tema capaz de mobilizar a sociedade e demanda esforços multidisciplinares. A insegurança pública é uma das principais preocupações da população, especialmente em grandes cidades. A existência de informações mais claras, concretas e precisas sobre isso contribuirá para um debate público mais produtivo.

O país não aguenta mais soluções simples e falsas para problemas difíceis. O projeto de lei que apresentamos não transformará a realidade do dia para a noite, mas, caso aprovado e vire lei, promoverá a transparência das informações sobre segurança pública e tem o potencial de desencadear uma profunda transformação na forma como se combate homicídios no Brasil.

 

* Fabiano Contarato é Senador da República (Rede-ES).

 

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Na edição desta semana, leia também: “Como enfrentar as atuais ameaças à segurança: com estratégia ou com pólvora?”.