Os municípios e as prisões

Sistema prisional e segurança pública, temas da mais alta relevância na agenda nacional, são vistas tradicionalmente como responsabilidade dos estados e da união. Mas será que os municípios não incidem nesses temas?

Por Renato De Vitto*

Sistema prisional e segurança pública, temas da mais alta relevância na agenda nacional, são vistas tradicionalmente como responsabilidade dos estados e da união. Mas será que os municípios não incidem nesses temas?

As pessoas vivem na cidade, é ali que se dão as ações de urbanização, moradia, cultura, educação, assistência e saúde. As possibilidades de existir e ser no território permitem uma ambiência mais ou menos conflitiva que alimenta situações que acabam por desembocar no sistema penal.

Da mesma forma, equipamentos de segurança pública e das políticas penais situam-se no território das cidades, como quartéis, delegacias, centrais de monitoração eletrônica, e de alternativas penais, fóruns e estabelecimentos prisionais. Essas estruturas movimentam serviços, geram demanda de emprego, e impactam na economia local.

É também na cidade que as pessoas que passaram pela prisão tentarão se inserir ao retornarem ao convívio social. Seus familiares são munícipes que trabalham e têm demandas que são atendidas nesse espaço.

Apenas por tais aspectos seria possível constatar que os municípios já incidem diretamente nas políticas penais e de segurança pública. Porém, por uma série de razões que vão desde a falta de empatia e baixa visibilidade social da pauta, até as dificuldades de financiamento destas políticas pelos municípios, a sua atuação não têm sido organizada de forma planejada e articulada, o que representa uma grande oportunidade perdida.

A permanente tensão quanto a repartição de recursos públicos no sistema federativo reforça os receios dos dirigentes municipais para abraçarem o tema. No exercício de 2018, enquanto os estados destinaram dotações de 15 bilhões para a política penal e penitenciária, o Fundo Penitenciário Nacional dispensou apenas 570 milhões para o campo, o que representa uma participação de singelos 3,7% no financiamento da política.

Porém, há boas razões para se abordar o assunto de forma diferente. Se o município adotar uma postura ativa na condução das políticas penais, que ocorrem a partir do momento em que alguém é processado ou condenado por um crime, poderá conduzir um processo de construção de uma cidade mais inclusiva e segura, além de fomentar o desenvolvimento local.

Para explicitar como a Câmara Municipal, a Prefeitura, as organizações da sociedade civil e outras instituições podem repensar o assunto o Laboratório de Gestão de Políticas Penais – LabGEPEN/UnB, o Instituto Veredas, e o Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC, com apoio do Instituto Igarapé lançaram uma Agenda Municipal de Políticas Penais (http://bit.ly/AgendaPenalMunicipal ). São dez pontos, que incluem a articulação e facilitação de acesso a serviços de saúde, educação, trabalho, assistência social e cultura; estruturação de serviços especializados como centrais de alternativas penais e serviços de atendimento a pessoas egressas e familiares; abarcando, ainda, caminhos para a capacitação de trabalhadores das redes municipais, o fomento a parcerias,  e a criação de fundos municipais de serviços penais.

O documento aponta que o Município pode sim protagonizar a articulação de ações intersetoriais e de qualificação dos seus serviços para incidir de forma mais efetiva no tema, Também sinaliza as possibilidades de captação recursos, a exemplo do Fundo Penitenciário Nacional e do Fundo Nacional de Saúde, para viabilizar um salto de qualidade. As parcerias com a iniciativa privada que geram oportunidade de qualificação e renda para população presa, também representam um grande potencial de novos negócios para o município, a partir de atividades que venham a produzir uma relação de ganha-ganha entre pessoas privadas de liberdade ou egressos e a comunidade.

Um exemplo trazido na Agenda ilustra isso: no Rio Grande do Sul, o Programa Recomeçar, organizado a partir de um convênio firmado entre a Superintendência dos Serviços Penitenciários e o Município de Canoas, tem contribuído decisivamente para a inclusão social das pessoas presas por meio de serviços prestados à cidade, com remuneração e aprendizagem de novas competências profissionais. Os apenados atuam em reformas e restauração de locais públicos e revitalização de praças e parques do município, além de outras atividades.

Para permitir que as pessoas possam construir suas histórias de maneira digna e contribuir com as cidades, os serviços que atuam com pessoas que cumprem alternativas penais e com pessoas egressas precisam ter forte conexão com o território. Outro exemplo virtuoso é o Presp – Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional que fomenta parcerias com o judiciário, com diversos municípios mineiros e com a sociedade civil promovendo condições mais favoráveis para a retomada da vida em liberdade e minimizando os riscos de reentrada na prisão.

Candidatos que nesta eleição municipal discutem com alguma propriedade as políticas penais revelam conhecimento mais aprofundado das políticas públicas e da relação interfederativa. Em um momento em que a superficialidade e a adoção de soluções imediatistas, simplistas e ineficazes são celebradas no cenário político, eles saem muitos passos à frente no caminho da construção da civilidade.

*Defensor público, ex-diretor geral do Departamento Penitenciário e pesquisador do LabGEPEN/UNB.