O risco da militância política de policiais sem controle

Carolina Antunes/PR
Renato Sérgio de Lima

A revelação feita pelo empresário Paulo Marinho em entrevista para a jornalista Mônica Bergamo publicada pela Folha de S.Paulo neste domingo (17) de que um Delegado de Polícia Federal antecipou a Flávio Bolsonaro que seu braço direito, Fabrício Queiroz, seria alvo da operação Furna da Onça da PF, e, ainda segundo a versão de Marinho, a deflagração da operação foi adiada para não prejudicar o então candidato Jair Bolsonaro é mais um capítulo da excessiva politização das polícias, excessivamente nocivo para elas próprias e para a sociedade brasileira.

Este não é um fenômeno recente. O episódio narrado por Paulo Marinho lembra bastante o do Delegado Agílio Monteiro Filho, que era filiado ao PSDB durante a sua gestão à frente da Direção Geral da PF, entre 2001 e 2003, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e depois foi trabalhar como gestor da área prisional de Minas Gerais, sob o comando do então governador Aécio Neves.

Monteiro Filho foi militante partidário ao mesmo tempo que ocupava o principal cargo da Polícia Federal e continuou prestando seus serviços ao PSDB após sua saída do cargo. Era um homem de confiança do partido do então presidente. Em tempos mais recentes, o filho do atual presidente, Eduardo Bolsonaro, é escrivão licenciado da Polícia Federal e dois vices-líderes do governo na Câmara dos Deputados são policiais: os deputados Ubiratan Antunes Sanderson (policial federal eleito pelo PSL/RS) e Fabiana Silva de Souza Poubel (Major da PMERJ eleita pelo PSL/RJ).

E é neste ambiente que temos que analisar as tentativas de aparelhamento da Polícia Federal pelo governo de Jair Bolsonaro, que não tiveram início apenas a partir do pedido de demissão do ex-ministro Sergio Moro do cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública, no dia 24 de abril. Mas, ao sair atirando, o ex-ministro explicitou que a instrumentalização da Polícia Federal é um risco que há muito tem preocupado os operadores da área.

É verdade que, desde 2003, quando o delegado Paulo Lacerda deu início a um amplo projeto de modernização da PF, com a contratação de novos quadros e investimento em tecnologia e inovação, a corporação reforçou seu projeto institucional de independência e autonomia. Porém, também é fato que é sabido pelos políticos o caráter estratégico de ter um aliado na direção geral da corporação.

Isso porque, mesmo arredia a influências diretas, a PF tem uma estrutura organizacional que dá grande poder ao diretor-geral e aos superintendentes, que podem, no limite, nomear delegados para investigações específicas e/ou fixar os recursos logísticos que cada inquérito poderá contar, bem como definir quando uma operação será deflagrada. Isso mostra que nenhuma instituição é imune ao uso político, ainda mais quando seus próprios integrantes militam e fazem parte de um projeto político de poder.

Ao mesmo tempo, se a proximidade da polícia com a política é um fato normal da vida republicana, quando ela não é regulada e regrada, abre espaço para potenciais conflitos de interesse, dúvidas e indicações políticas. Não há indicadores transparentes e métricas de sucesso que sejam tecnicamente robustas e que poderiam fortalecer mecanismos independentes de controle e supervisão que viabilizariam a ideia dos mandatos para os cargos de direção das polícias sem, no entanto, a delegação de poderes absolutos para uma instituição de força.

Quando a política entra nas polícias, carreiras podem ser comprometidas e tudo vira uma enorme zona de sombras e desconfianças, como nos filmes de conspiração e espionagem de Hollywood. Muitos são os policiais que conectam suas carreiras nas corporações com a defesa de projetos políticos e eleitorais específicos.

O número de policiais que se candidataram a cargos eletivos e não foram eleitos, por exemplo, chega à casa de milhares no país e é um dilema organizacional gigantesco para o bom planejamento e supervisão da atividade policial cotidiana. Uma vez não eleitos, a maioria desses mesmos profissionais, que não estão sujeitos a regras de quarentena, voltam para as suas corporações, que têm, por sua vez, que gerir demandas de segurança pública e pressões internas sobre os rumos das políticas públicas.

E esse movimento revela um quadro de politização extrema e de falta de foco nas políticas efetivas de prevenção e enfrentamento da violência e da criminalidade, mas também reforça que é imperioso destacar que o Brasil conta com diversos policiais amplamente qualificados e que merecem respeito e valorização.

O drama é que, somado à incerteza político-institucional que toma conta do país, essa valorização fica relegada ao plano dos discursos e há um reforço de um modelo que funciona como um sistema de vetos perfeito, que impossibilita mudanças estruturais e estimula conflitos. Questões técnicas transformam-se em arenas de disputas ideológicas e políticas.

Uma saída que poderia ser articulada seria a costura de um amplo e único projeto de lei orgânica das polícias brasileiras, que regulamentasse, enfim, o parágrafo sétimo do Artigo 144 da CF. Só assim poderíamos focar em reduzir a violência e o crime no país. Um projeto que contemple pontos comuns da gestão das polícias e, ao mesmo tempo, garanta as especificidades de cada corporação.

É fundamental e urgente deixarmos mais claros os mandatos, as competências, o grau de autonomia, as regras de quarentena e transição entre as carreiras policiais e a política, bem como os mecanismos de supervisão de cada uma delas. Ou seja, sem antes pactuarmos regras claras e transparentes de accountability e blindarmos as decisões operacionais de policiais engajados em projetos político-eleitorais, falar de autonomia da PF agora é um risco ainda maior para o país; um risco de jogarmos fora anos de investimentos na profissionalização da corporação e  incentivarmos a militância partidária de policiais sem controle.

 

*Este artigo aproveita, em parte, reflexão feita na edição 37 do Boletim Fonte Segura, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (www.fontesegura.org.br)