A política está entrando nos quartéis

Pedro Ladeira /Folhapress
Renato Sérgio de Lima

Texto de autoria de Arthur Trindade Maranhão Costa*

Desde 1985, na Nova República, a política esteve afastada dos quartéis. No entanto, este cenário tem mudado radicalmente e são cada vez mais frequentes manifestações políticas dentro das unidades militares. As vivandeiras estão de volta.

 

Certa vez o Marechal Humberto Castelo Branco disse que “vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar”. Castelo Branco se referia aos frequentes movimentos políticos que tentavam cooptar os militares e instrumentalizar o Exército. Como disse o antigo chefe militar, isso não era novidade, acontecia desde 1930. O fato é que as vivandeiras estão de volta, e elas não se resumem ao presidente Jair Bolsonaro, cuja coluna de Élio Gaspari de hoje (22) já analisou.

Se é verdade que o apoio de Bolsonaro aos manifestantes que foram às ruas neste domingo (19) pedir intervenções no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional não é por meio de discursos abertos e que, posteriormente, ele tenha declarado para os jornais que é favorável a democracia e respeita as instituições, a simples presença do presidente àquela manifestação tem significados muito mais profundos.

O simbolismo militar nos protestos é evidente. Muitos manifestantes usavam boinas e brevês das tropas Paraquedistas, além de insígnias e lemas militares. Para os familiarizados com o mundo da caserna, a conexão simbólica que Bolsonaro busca é nítida. Vale que lembrar que o ex-capitão se apropriou de um dos lemas da Brigada Paraquedista na sua campanha eleitoral: Brasil Acima de Tudo.

Protestar contra medidas adotas pelos governantes é um dos direitos políticos fundamentais numa democracia. Mesmo que estes protestos sejam contra as vacinas. Nesse caso, só podemos lamentar e nos perguntar como chegamos a este nível de negação da ciência.

Entretanto, a exemplo das semanas anteriores, os protestos de domingo têm um aspecto diferenciador. Além de pedirem o fechamento do Congresso e do STF, os protestos têm contado com o apoio do Presidente da República. Obviamente isto é perigoso. Presidentes não podem atentar contra às instituições fundamentais da democracia, mesmo que só em gestos e não diretamente em palavras.

O último presidente que subiu num palanque para apoiar manifestações políticas foi João Goulart. No dia 13 de março de 1964, Jango participou de um comício na Central do Brasil para pressionar o Congresso a aprovar as reformas de base. O comício não era contra as instituições. Naquele tempo, as vivandeiras estavam alvoraçadas.

Havia grupos de direita e de esquerda que pretendiam cooptar os militares e levar a política para dentro dos quartéis. Alguns buscavam uma cooptação por cima, tentando se aproximar dos comandantes militares. Outros tentavam cooptar por baixo, doutrinando as praças dentro dos quartéis. A ideia era dar uma formação política aos sargentos. A história nos mostrou que isso não acabou bem.

Além da participação do presidente, as manifestações de domingo tiveram outro componente explosivo: elas ocorram nas portas dos quartéis. Nada é mais simbólico do que Bolsonaro ter participado de um protesto no Setor Militar Urbano. Bolsonaro, literalmente, foi participar de uma manifestação na porta do Quartel General do Exército.

Desde 1985, na Nova República, a política esteve afastada dos quartéis. A vivandeiras embora existissem, não estavam alvoroçadas. No entanto, este cenário tem mudado radicalmente. Nos últimos anos, a política entrou nos quartéis. Hoje são cada vez mais frequentes manifestações políticas dentro das unidades militares.

O Exército parece que estar assistindo hoje o que as Polícias Militares têm vivenciado nas últimas décadas. As tentativas de instrumentalização política das polícias não são novidade. Lideranças políticas têm buscado promover greves e protestos de policiais militares para desestabilizar os governadores. O irônico é que ao invés de desmilitarizar as Polícias, como muitos insistem, podemos estar assistindo um processo inverso: a politização do Exército como já ocorre nas polícias militares.

Por certo, isto ainda está longe de ocorrer. Menos por vontade de Bolsonaro e seus aliados e mais pelos esforços dos comandantes militares. O que se assiste hoje é uma grande confusão entre os militares e o governo. Há os militares enquanto instituição. São os militares da ativa que buscam seguir com cumprimento das missões. Há também os militares enquanto governo: além dos generais que fazem parte do ministério, existem centenas de oficiais ocupando cargos na alta burocracia de Brasília. E há o presidente e as vivandeiras alvoroçadas.

O resultado das interações entre esses três grupos irá impactar diretamente o cenário político nacional. Bolsonaro vem tentando levar a política para dentro dos quartéis, numa espécie de cooptação por baixo. Por ora, este movimento não tem recebido apoio dos militares enquanto governo. Embora tenham sido convidados para participar das manifestações de domingo, os Generais Fernando Azevedo e Luiz Eduardo Ramos decidiram não comparecer. Mas vale lembrar, que em outra ocasião, o General Augusto Heleno subiu no carro de som e discursou para os manifestantes na Esplanada dos Ministérios em Brasília e já atacou diretamente o Congresso em evento público com outros ministros e o presidente.

Torço para que os comandantes militares consigam conter as tentativas de instrumentalização do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Não seria nada bom para as Forças Armadas, que levaram mais de 20 anos para reconquistar a confiança da população, e seria o caos para o país se isso acontecesse. O exemplo mais recente de cooptação politica dos militares é o regime bolivariano implantado pelo Tenente Coronel Hugo Chaves e atualmente liderado por Nicolas Maduro.

Professor da UNB e integrante do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública