Bolsonaro e o risco de um golpe policial

Pedro Ladeira/Folhapress
Renato Sérgio de Lima

Texto de autoria de Rafael Alcadipani*

Todas as vezes em que emerge um arroubo golpista de Jair Bolsonaro, há questionamentos se as Forças Armadas brasileiras bancariam uma aventura autoritária do Presidente. Porém, pouco se tem falado das polícias que, na prática, possuem um efetivo na ativa bem maior do que as próprias Forças Armadas e que, em larga medida, votaram e apoiaram com entusiasmo Bolsonaro nas últimas eleições. O que, em outras palavras, coloca-nos a questão se, a depender das condições políticas, os policiais se rebelariam contra a democracia e ajudariam o presidente a fechar o Congresso e o STF?

Vale relembrar que Bolsonaro utilizou quartéis da PM, unidades da Polícia Civil e da Polícia Federal como verdadeiros palanques. Inúmeros policiais utilizaram e utilizam as redes sociais para defender Bolsonaro e suas ideias. Diante de todo este explícito apoio, com a conivência dos comandos das polícias, a pergunta faz todo sentido. Porém, é preciso perguntar por que policiais apoiam em peso Bolsonaro. Tal apoio se deve a dois fatores principais. Primeiro, policiais se sentem incompreendidos e desconsiderados pela imprensa e pela sociedade em geral. Isso se alia a condições de trabalho extremamente desafiadoras e questões ligadas a baixa remuneração. Segundo, Bolsonaro tem um claro discurso de “bandido bom é bandido morto” algo que é implícita e explicitamente aceito por parte da sociedade brasileira e por policiais. Diante disso, será que este apoio se reverteria em uma sublevação policial pró golpe Bolsonarista?

Para responder a estas perguntas precisamos lembrar que temos várias polícias no Brasil com características próprias e especificidades tanto institucionais-operacionais quanto regionais. Da ditadura para os dias de hoje, todas as forças policiais se profissionalizaram e ficaram mais técnicas. Mas, a Polícia Federal é a polícia mais estruturada, organizada e técnica do país e o seu profissionalismo extremo tende a deixá-la mais longe de aventuras. Porém, o número de policiais federais é muito menor do que de policiais civis e de PMs e teria, sozinha, dificuldades para impedir um movimento golpista das demais instituições policiais.

Nos Estados, temos as Polícias Civis e Militares. As Polícias Civis possuem características culturais muito diferente das PMs. Além disso, elas foram sucateadas ao longo dos anos e hoje estão debilitadas tanto em termos de efetivo quanto de materiais. As Polícias Civis são comandadas por bacharéis em direito, o que lhes gera uma tendência de apoio a institucionalidade jurídica. Além disso, policiais civis tendem a ter uma mentalidade mais flexível e realizaram uma transição mais forte da ditadura para a democracia em suas práticas cotidianas. Na realidade, isso significa que tais instituições estariam menos propensas a seguir uma radicalização política na prática. Porém, o efetivo da Polícia Civil é quase 1/3 do efetivo das PMs.

O grande fiel da balança para um golpe pró-Bolsonaro está nas PMs, pois são as maiores forças policiais do país. Policiais em geral e as PMs em particular tendem a serem vistos de forma única pelas pessoas. A noção de PMs como pessoas pouco estudadas não se sustenta na realidade. Em muitos Estados do Brasil, PMs exigem um diploma universitário para o ingresso na carreira. Há inúmeros PMs graduados em direito, tanto nas praças quanto entre os oficiais. Há uma longa formação nas academias e a progressão na carreira depende de cursos. Os oficiais, em especial, tendem a ser muito bem preparados e capacitados.

Embora Bolsonaro personifique todos os estereótipos que os militares buscam evitar, a defesa do militarismo por Bolsonaro é muito bem-visto dentro das PMs. Mas, seus arroubos cada vez mais frequentes têm reduzido sua aceitação. A despeito dos inúmeros casos de abusos de PMs que surgem na mídia, as instituições possuem em seu curriculum disciplinas de Direitos Humanos. Além disso, a maioria dos milhões de atendimentos das PMs no Brasil não geram não conformidades. As PMs enfrentam um problema importante: a imagem dos PMs políticos eleitos que tendem a ser explícita ou implicitamente pró-Bolsonaro e contra os governadores estaduais colou nas instituições.

Além disso, a boa maioria dos parlamentares das PMs que são eleitos possuem um discurso em prol da violência e dos abusos policiais. Além disso, muitos PMs da reserva radicalizaram o discurso pró-Bolsonaro. A voz dos PMs radicais ecoa muito mais do que a voz dos moderados, principalmente nas mídias sociais. Os comandos das polícias são extremamente lenientes com as postagens radicais de seus policiais e isso afeta a imagem da instituição. Tudo isso gera a sensação de que as PMs fariam qualquer coisa para defender o “mito”. Mas, será?

Muitos oficiais da PM dizem que a “hierarquia e a disciplina são nossa maior virtude e nosso maior defeito”. Diante disso, PMs estariam dispostos a romper a hierarquia e a disciplina, pilares centrais da instituição, para uma aventura Bolsonarista? O rompimento da hierarquia e disciplina pode esfacelar uma organização militar e teria um efeito direto nos comandantes. Além disso, uma tentativa de golpe frustrado teria efeitos devastadores na reputação institucional das PMs e há poucas coisas que um PM respeita mais do que a própria instituição.

Outro ponto a se destacar é que PMs se percebem como pessoas que seguem as leis à risca e respeitam as instituições. Diante disso, é muito pouco provável que instituições policiais brasileiras apoiem uma aventura bolsonarista. A atual geração que comanda as polícias brasileiras ainda sofreu o rechaço social pela atuação de suas instituições na ditadura militar brasileira e sabem que o golpismo gera uma dívida histórica muito difícil de pagar.

Entretanto, nas polícias de nosso país há uma prevalência de questões psicológicas e psiquiátricas que muitas vezes são ignoradas ou negligenciadas. Por isso, há a possibilidade real de que “lobos solitários” extremamente radicalizados atuem em defesa de Bolsonaro de duas formas.

A primeira caso Bolsonaro proponha um golpe, estes elementos radicalizados podem tentar sublevar unidades policiais específicas a favor do Presidente. Muito possivelmente as próprias polícias resolveriam o problema. Mas, haveria uma grande repercussão. A segunda forma seria que algum indivíduo radicalizado e totalmente desequilibrado atentasse contra a vida de um governador, por exemplo. O próprio atentado contra Bolsonaro mostra o risco de um lobo solitário.

Anos de questões salariais e de negligência dos governos estaduais para com as polícias tem gerado tensões entre policiais e governantes. Bolsonaro explora isso muito bem. No atual momento, estas tensões podem aflorar e gerar repercussões desastrosas pela ação de um indivíduo. Se por um lado as nossas polícias tendem a ser garantidores de nossa democracia, por outro a facilidade com que as ideologias autoritárias navegam nestas instituições precisa ser combatida. Afinal, não é nada normal cogitar que polícias possam apoiar um Presidente golpista.

*Professor da FGV-EAESP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública