O Brasil diante de um dos mais difíceis testes de caráter da história
A pandemia do Coranavírus está testando a capacidade da humanidade em lidar com um risco de escala global mas que, para ser mitigado, não depende apenas de ações de governos e nações. Depende do caráter dos governantes e dos indivíduos para que a ordem, a segurança e a saúde públicas sejam mantidas e preservadas.
E, no patriotismo de botequim, que vocifera contra as instituições mas que coloca todos em risco em nome do hedonismo egoísta que lota bares e manifestações goumert de tiozões em suas possantes motos e/ou jetskis (emblemático que as duas primeiras fotos compartilhadas pelo Twitter do Presidente Jair Bolsonaro sejam de motoqueiros de meia idade e pilotos de jetskis), a violência simbólica que toma conta do Brasil é de tal ordem que acaba por desconstruir por completo noções mínimos de cidadania e ética pública.
No mau caratismo de alguns, que se acham patriotas sem saberem ao certo o significado histórico deste conceito, o Congresso é atacado como inimigo do povo. O problema é que, por mais sujeito a criticas que esteja, poucos se deram conta que, neste momento de pandemia, Rodrigo Maia e David Alcolumbre têm agido exatamente como aliados da área econômica do governo e resistido a jogar por terra o projeto reformista de boa parcela do mercado financeiro e do setor privado que dá sustentação ao governo Bolsonaro. E por quê?
Como lembra o professor Arthur Trindade, da UNB, caso o Congresso determine o fechamento da Câmara e do Senado por mais de duas semanas em função do Coronavírus, já que mais de 20 mil pessoas circulam diariamente por lá, dificilmente alguma medida que exija alteração Constitucional deve ser aprovada este ano. Uma PEC, para ser aprovada, precisa passar por 40 sessões, independentemente do quórum. E, considerando que este ano é ano de eleições municipais, que deve suspender sessões em outubro, as reformas tributária e administrativa não teriam tempo hábil para serem aprovadas em 2020.
Mas, ao invés de buscar consensos e administrar os conflitos sociais, o governo aposta na capitulação e na submissão dos demais poderes. Adota uma postura tóxica de destruir tudo o que toca e se aproxima, na ideia de imputar aos outros o erro e o pecado, mas esquece-se que, no Estado de Direito Democrático, a fonte sagrada é a Constituição e não a lei do mais forte.
Bolsonaro investe contra um Congresso que tem sido bastante simpático às suas propostas de reformas econômicas. Parece querer o caos para poder justificar uma ruptura institucional que lhe permita governar sem os limites das leis.
Mas ele não está sozinho. Quase como que em uma crise de abstinência de protagonismo causada pela má condução do episódio do motim da polícia militar no Ceará e pelo Coronavírus, que trouxe destaque para o Ministro da Saúde, o Ministro Sergio Moro tentou ressurgir no noticiário divulgando que pretende autorizar nos próximos dias a internação compulsória de pessoas suspeitas de contaminação pelo Coronavírus.
Enquanto Bolsonaro passeia sem máscara no meio da manifestação em Brasília e não assume a coordenação do enfrentamento dos efeitos do Coronavírus, que não são só de saúde pública, vamos acumulando riscos e dilemas. O que era para ser uma discussão sobre ações coordenadas virou ação isolada e fragmentada de cada pasta e na linha da força, sem diálogo ou debate prévio.
Várias Unidades da Federação estão tendo que pensar estratégias para conter a transmissão do vírus no sistema prisional e evitar mortes e rebeliões – considerando a taxa de letalidade anunciada de 3,74%, temos que mais de 26,5 mil presos podem morrer nos presídios nos próximos meses casos a pandemia tomasse todo o sistema (o mais factível é que Cadeias Públicas, superlotadas, sejam as mais afetadas e atinjam, só em São Paulo, cerca de 500 mortes).
Mas não só, a PMERJ contraria recomendação do Governo estadual e não dispersa manifestação de apoio ao Governo Bolsonaro, Gustavo Bebianno morre e, ao invés de afastar qualquer dúvida em relação ao motivo da morte, o corpo é enterrado sem nenhuma informação sobre autópsia, a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes completa dois anos sem avanços sobre a identificação do mandante e da razão dos assassinatos, entre vários outros exemplos.
O mais angustiante é que, ao fim e ao cabo, a sociedade civil também tem dado exemplos de que Jair Bolsonaro e seu projeto populista não chegou de Marte e nos dominou.
Enquanto lotamos bares, praias, shoppings e, no máximo, estocamos papel higiênico, vemos Itália e Espanha, que adotaram duras medidas de contenção, reconhecendo e aplaudindo os profissionais de saúde pelos esforços em salvar vidas. O Brasil está diante de um dos mais difíceis testes de caráter aplicados pela história e temo que sejamos reprovados de forma avassaladora.
Afinal, Bolsonaro é só a tradução mais acabada do caráter de parcela significativa da população.