No ES, violência cresce mais em cidade com projeto-piloto de Sergio Moro
Análise inédita do economista Daniel Cerqueira* mostra que nos quatro meses após o início do “Programa Em Frente Brasil”, de Sergio Moro, o número de homicídios em Cariacica (ES) não apenas não diminuiu, como aumentou mais do que no resto do estado.
O projeto-piloto “Em Frente, Brasil” (PEFB), de enfrentamento à criminalidade violenta foi lançado em 29 de agosto do ano passado pelo Governo Federal. Naquele momento, cinco municípios foram escolhidos para a sua implantação inicial, sendo eles: Ananindeua (PA); Paulista (PE); Cariacica (ES); São José dos Pinhais (PR); e Goiânia (GO).
Desde então várias autoridades e veículos de comunicação alinhados ao governo têm louvado e feito panegíricos à tão esperada política pública de segurança, finalmente implementada e que teria sido responsável por fazer diminuir o número de homicídios nas cidades escolhidas. Naturalmente, um total exagero, mesmo porque não há como avaliar o sucesso ou o fracasso de qualquer programa em lapso de tempo tão curto.
No entanto, podemos apontar aqui alguns aspectos positivos e limitações do programa, bem como analisar alguns poucos dados.
O PEFB possui algumas virtudes, que precisam ser exaltadas. Em primeiro lugar, ele abandona a retórica do enfrentamento, da ênfase no aparato repressivo e no endurecimento penal (que nunca funcionou), para uma abordagem de prevenção ao crime, por aliar um trabalho de repressão policial qualificada com inteligência e ações intersetoriais, que envolve educação, esportes, saúde, entre outras dimensões.
Em segundo lugar, o programa seria focalizado nos territórios mais violentos com ações voltadas para a juventude. Em terceiro lugar, a implementação do PEFB seria precedida por um planejamento baseado em um diagnóstico prévio das dinâmicas criminais e sociais locais. Ou seja, a abordagem do programa segue em linha ao que vários estudiosos no campo da segurança pública têm preceituado há vários anos, inclusive ao que o Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública recomendaram explicitamente no “Atlas da Violência 2018 – Políticas Públicas e Retratos dos Municípios Brasileiros.
No entanto, além de boas cartas náuticas, para se alcançar um porto seguro é necessário construir navios que permitam superar um mar revolto. Em outras palavras, além de estabelecer a direção da política é fundamental fazer um planejamento que contemple a construção de uma arquitetura institucional que alinhe incentivos dos atores e proveja os mecanismos de governança da política. Nesse ponto reside a maior fragilidade do PEFB.
A condução de políticas intersetoriais e o alinhamento de interesses e objetivos dentro de um governo é sempre uma tarefa árdua e difícil, que exige planejamento acurado, mecanismos de incentivos e a coordenação e envolvimento da principal autoridade política local. A condução de políticas intersetoriais que envolva diferentes níveis de governos federativos é mais complexa ainda.
No caso, da implementação do PEFB em Cariacica, por exemplo, enquanto um breve diagnóstico foi entregue pelo Instituto Federal do Espírito Santo em finais de setembro e início de outubro (ou seja, dois meses depois de iniciado o programa), não consta que tenha havido nenhum planejamento, com o estabelecimento de metas intermediárias por ação, responsabilidades, objetivos e meios institucionais, conforme o jornalista Vitor Vogas, da Gazeta, depreendeu da entrevista com o ministro Sérgio Moro em 31/10/2019, quando resumiu: “Tudo em aberto: Nada muito determinado”.
Uma segunda limitação do projeto diz respeito à questão orçamentária que, segundo consta, seria de R$ 4 milhões para cada município. Para se ter uma ideia, o Programa Estado Presente do Espírito Santo, um dos mais exitosos programas de segurança pública do país, implementado em 30 aglomerados territoriais no estado, consumiu R$ 523 milhões em quatro anos.
Sem uma definição de prazos e de metas intermediárias por ação fica inviável calcular qual seria o orçamento mínimo necessário, mas R$ 4 milhões é claramente um orçamento insuficiente para a consecução de um programa de prevenção ao crime, mesmo se considerar que, na base do voluntarismo, outras pastas ministeriais aloquem um orçamento para o projeto, a despeito de qualquer planejamento prévio.
Ainda a respeito dos recursos, 100 homens da Força Nacional foram enviados a Cariacica, para ajudar no patrulhamento da cidade. Isso significa que, por turno de trabalho, o Governo Federal enviou um contingente de 25 policiais para patrulhar 28 bairros, o que, obviamente, é um quantitativo residual, ainda mais que tais profissionais desconhecem o território e suas dinâmicas criminais [1] .
Um último ponto, levado a cabo pelo Governo Federal, diz respeito ao liberou geral das armas de fogo, um gol contra qualquer aspiração de um programa efetivo de prevenção ao crime.
Para finalizar, no gráfico do início deste texto analisamos os registros oficiais de homicídios dolosos em Cariacica nos quatro meses após a implementação do PEFB e nos quatro meses antes. Olhamos também a evolução dos mesmos indicadores para a Região Metropolitana de Vitória e para o estado do Espírito Santo, excluindo Cariacica.
Como resultado, constatamos que, ao contrário do que diz a propaganda oficial, enquanto as trajetórias dos índices de homicídio são parecidas, verificamos que o número de homicídio em Cariacica aumentou 22,2% após a implementação do PEFB, ao passo que na Região Metropolitana e no Estado, o número cresceu 17,2%. Ou seja, nos quatro meses após o início do PEFB não apenas o número de homicídios em Cariacica não diminuiu, como aumentou 5% mais do que no resto do estado.
* Doutor em economia, autor de “Causas e Consequências do Crime no Brasil” e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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[1] Nota do Blog: em texto publicado aqui em 5 de janeiro, destacamos que esse dado destacado por Daniel Cerqueira é ainda mais emblemático na medida em que o Programa Em Frente Brasil demandou, sozinho, o uso de 15% do efetivo da Força Nacional de Segurança Pública, revelando as dificuldades que o Governo teria para ampliá-lo.
Nota 2 do Blog: A discussão de modelos de monitoramento e avaliação de projetos proposta no texto de Daniel Cerqueira, acima, é ainda mais importante quando vemos que, quando foram publicados os números que dão conta da redução de cerca de 19% nos homicídios dolosos no Brasil (Ceará representando 20% desta queda), o Ministro mostrou-se bastante ativo nas redes para assumir protagonismo e paternidade pela realidade. Agora, com crise nas polícias e vários governadores tendo dificuldades em gerir as demandas das polícias civis e militares, o Governo Federal mudou o tom e fica ausente, não assumindo suas responsabilidades estruturais.