Moro vira o jogo e agora é Bolsonaro que joga pelo empate

Em setembro do ano passado, antes da disputa Moro x Bolsonaro ganhar os atuais ares dramáticos, o Faces da Violência publicou o texto “No xadrez de Bolsonaro, Sergio Moro adota a tática do ‘Rei Afogado’” (ver aqui).

Partindo da premissa de que o Presidente Bolsonaro detinha as peças brancas do tabuleiro e beneficiava-se de poder calcular e fazer os primeiros movimentos da relação entre ele e o ex juiz da operação Lava-Jato, o texto vai identificar todas as tentativas do Presidente da República em manter seu Ministro da Justiça e da Segurança Pública sob controle e sob pressão.

O cálculo de Bolsonaro era que, ao prometer terrenos na Lua, seja na forma de uma futura vaga no STF e/ou a vaga de Vice na sua chapa para a eleições de 2022, Sergio Moro optaria por entrar de cabeça em seu projeto de poder e não fizesse sombra para a sua liderança política. Em troca, Bolsonaro se apropriaria do prestígio acumulado por Moro junto àqueles que acreditam que ele é o paladino do combate contra à corrupção.

Só faltou combinar com o próprio ministro, ou melhor, só faltou aplacar a vontade de poder de Sergio Moro, que muito antes de liderar a operação Lava-Jato já mostrava-se disposto a impor sua visão de mundo ao país como aquela mais correta. Passados alguns meses, diante desta desvantagem inicial, Sergio Moro adotou a tática do ‘Rei Afogado’, que no xadrez consiste em jogar na defensiva e tentar forçar o adversário ao erro, para se reposicionar na tabuleiro e esperar o momento da virada.

Em um cenário normal, essa tática não funcionaria, pois seria um mero recurso protelatório e o jogo terminaria em empate. Mas, Moro soube até aqui planejar seus passos com antecedência e, com isso, sabia que o ritmo vida loka de Bolsonaro e sua família lhe exigiria ter planos de contingência para que o lustro de sua imagem de baluarte da moralidade não saísse chamuscado – Queiroz, Laranjas, Ataque Terrorista à sede do Porta dos Fundos, surto nazista de Roberto Alvim, foram tratados a partir da blindagem da formalidade do cargo de Ministro.

A aparente equidistância mantida por Moro da narrativa bolsonarista irritou ainda mais setores próximos ao Presidente na medida em que não parece haver discordância ideológica, mas de forma e estratégia, reforçando a desconfiança de que há em curso a construção acelerada de uma via alternativa de poder.

E, o principal plano de contingência adotado pelos defensores desta via alternativa pegou os setores mais próximos da agenda bolsonarista raiz da segurança de calças curtas. Por se tratar de um tema presidencial, no qual Jair Bolsonaro construiu boa parte de sua carreira de impropérios ideológicos, ninguém esperava que Moro conseguisse roubar todo o protagonismo pela queda dos homicídios e roubos que está em curso no país dos governadores, dos secretários, do Congresso e do próprio presidente (e neste contexto que precisamos compreender a entrevista do Coronel Alberto Fraga quando este diz que Moro não entende de segurança pública).

Ainda mais quando a blindagem de imagem tem funcionado e pautas delicadas, como a diminuição das operações da Força Nacional de Segurança Pública em áreas ambientais e indígenas, a baixa execução do Fundo Nacional Antidrogas, a Execução abaixo das regras legais do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional Penitenciário, as denúncias de tortura feitas contra a Força Tarefa Penitenciária, entre outras, foram transformados em temas burocráticos e menores.

Até agora temas da gestão da pasta não colaram e Moro jogou todas as derrotas que teve no colo do governo Bolsonaro. Em sentido inverso, ele chamou para si os bônus de imagem pelos méritos da redução da violência, já que teve que recuar na pauta de combate à corrupção e, para não parecer derrota, transformou-se muito mais em um ministro da segurança do que em ministro da justiça.

Somado a esse movimento, no universo bolsonarista em constante ebulição, o reconhecimento de que o adversário tem mais capacidade de mobilização e mais voz ativa nas hostes conservadoras do que o Presidente fez implodir os arranjos populistas que tinham em Jair Bolsonaro o eixo de gravitação do Poder.

Se a eleição fosse hoje, Jair Bolsonaro provavelmente não só perderia para Moro como seria deixado na cova das hienas do vídeo postado no perfil do próprio presidente, no ano passado. Há uma nova correlação de forças sendo construída, com vínculos mais estruturais e históricos com setores de Judiciário, Ministério Público, Órgãos de Cooperação Internacional e do Mercado.

Há uma inversão de papéis que agora dispensa intermediários e a popularidade de uma personalidade como a de Bolsonaro, que serviu para tirar o PT do governo, mas que, como o episódio da crise na Amazônia demonstrou, aumenta riscos e ameaça afastar fluxos de capitais estratégicos para o Brasil.

Moro virou o jogo, está com as peças brancas e determina o ritmo do jogo. Agora é Bolsonaro que joga pelo empate.

E, diante dessa mudança, no debate sobre segurança pública, a postura de muitas polícias que tinham se afastado do diálogo com outros setores da sociedade, precisará mudar. Na atual disputa Moro x Bolsonaro, segurança é a primeira das vítimas e seus operadores foram enfraquecidos (não concentram o poder que imaginavam concentrar).