Os efeitos da aliança Bolsonaro e Moro na segurança pública em 2019

Carolina Antunes/PR
Renato Sérgio de Lima

Desde a redemocratização, todas as gestões anteriores à de Jair Bolsonaro lidaram com o tema da segurança pública na chave da emergência e do gerenciamento de uma grande crise, quando o problema caiu literalmente no colo da União, a exemplo do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, que só foi viabilizado após o fim trágico do sequestro do ônibus 174, em 2000, ou o da Intervenção Federal, em 2018, após cenas abertas de violência urbana e o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, que teve presidente vampiro em destaque, ambos no Rio de Janeiro.

De lá para cá, ministros, policiais, secretários, governadores, universidades, institutos de pesquisa e entidades da sociedade civil se mobilizaram e produziram evidências e novas práticas. Todavia, o fato é que todos os presidentes anteriores, de José Sarney a Michel Temer, não assumiram e/ou foram lenientes com a pauta da segurança pública e em várias ocasiões tentaram dizer que a questão era dos estados e não do governo.

Ou seja, mesmo sem a prioridade presidencial, muito foi feito, importante frisar, mas sem nenhum tipo de coordenação ou fio político e simbólico condutor que traduzisse o emaranhado de ações, programas, políticas e planos em resultados palpáveis para quem precisa utilizar transporte coletivo e está sujeito a ser vítima de violência física, sexual e patrimonial a cada segundo do seu dia. E, como agravante, os índices criminais refletiam esse descontrole e só cresciam. O medo tomou conta da política.

Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente que colocou o tema como central em sua campanha e chamou para si, a seu modo tosco e autoritário, a responsabilidade por resolvê-lo abertamente. E, não só, em um lance que ainda deve lhe cobrar um preço alto no médio prazo, trouxe para o seu ministério, Sergio Moro e seu enorme poder de agenda e mobilização, o que lhe permite tentar a todo momento sequestrar a agenda dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público e pautar a agenda bolsonarista na segurança.

Como analisa Arthur Trindade Maranhão Costa, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da UNB, Bolsonaro assumiu a presidência com as melhores condições político-institucionais na segurança pública em décadas, pois ele se beneficia de não precisar atuar sob pressão da emergência já que a maior parte dos números da criminalidade teve a sua queda nacionalizada no começo de 2018 (sim, vários estados já estavam reduzindo seus índices criminais desde 2014).

Ao mesmo tempo, o Governo Bolsonaro beneficia-se de legados de policiais que atuam no Ministério da Justiça e Segurança Pública faz anos e, sobretudo, de iniciativas de integração que foram desenhadas na breve mas fundamental existência do Ministério da Segurança Pública, em 2018, e em ações locais de governos estaduais no âmbito policial e prisional, que investiram pesado no controle de facções e, sem entrar no mérito/defeitos de cada uma delas, revela que há um enorme esforço acumulado em termos de tecnologia, informação, inteligência, contratação de novos policiais, construção de novas unidades, entre outros.

Só o Ceará, por exemplo, conseguiu reduzir em mais de 50% seus índices criminais entre 2018 e 2019. A Paraíba, por sua vez, tem conseguido reduzir seus índices faz quase uma década. O Espírito Santo, mesmo sem ter praticamente criado nenhuma vaga nova em presídios desde 2015, está conseguindo equilibrar novas prisões e alternativas penais e, com isso, não pressionar o sistema ao ponto de incentivar uma crise que se avizinhava.

Todos esses estados são governados por partidos de oposição ao Presidente Bolsonaro. Mesmo assim, o Governo Bolsonaro, em especial o Ministro Moro, tem insistentemente tentando assumir a paternidade pela queda nacional da criminalidade. A União tem responsabilidade e méritos, mas ao tentar assumir nas redes sociais  protagonismo exagerado não há escusas que escondam a vontade de poder e a pouca disposição para o diálogo e para aceitar a diferença democrática de visões de mundo.

É fato que as tentações são grandes, pois a cadeira presidencial tem um enorme magnetismo político e por isso mesmo a prioridade dada por ela a um tema é tão importante. Já em 2014 eu, Julita Lemgruber e Rodrigo Azevedo falávamos sobre esse efeito do cargo de Presidente (ver artigo aqui).

E, se junto com tal prioridade, há a adesão ideológica como ocorre com parcelas significativas das Polícias Militares, Civis e Federais, pode ficar a sensação de que o projeto defendido é hegemônico e que falar de AI5 é banal ou eticamente aceitável. Não é; e não é independente da quantidade de pessoas diretamente atingidas pois é um ato contra a liberdade e a dignidade do povo brasileiro.

Mas, voltando, os benefícios que Bolsonaro tem com medidas de outros não se restringem ao Poder Executivo. Após fugir do debate sobre segurança e sistema prisional nos últimos anos, o Judiciário, por intermédio do Conselho Nacional de Justiça criou, em 2018, um amplo Programa de ação, o Justiça Presente, que acaba de completar 1 ano de implantação, que, entre outros objetivos, esta usando de tecnologia para reduzir o número de presos provisórios no país, que alguns estados chega a mais de 55%.

Outro exemplo é que o Conselho Nacional do Ministério Público, em parceria com CNJ, incluiu o monitoramento dos homicídios como um dos temas do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, projeto que ambos mantêm.

Em resumo, para além dos gestos visíveis, que fazem com que muitos analistas foquem apenas no vai e vem da pauta normativa e legislativa para entender o primeiro ano do atual governo, que é importante mas é parcial (a leitura só desta faceta vai revelar um esforço de desconstrução dos marcos legais que regulamentam a Constituição de 1988 mas não vai revelar o cenário político institucional mais amplo), a queda da violência e a falta de articulação do trabalho acumulado dos outros garantem que Bolsonaro e Moro não sejam pressionados por crises e possam dar o ritmo da agenda política de acordo com seu projeto autoritário de poder. 

Em 2019, na linha façam o que eu digo mas não façam o que eu faço, Bolsonaro fez o que as evidências sempre disseram que era urgente ser feito, que é dar prioridade ao tema. Agora, Jair Bolsonaro e Sergio Moro deveriam basear efetivamente suas ações em evidências e deixarem a retórica da violência de lado e tratarem segurança pública como política de Estado e não trata-la como bandeira autoritária de poder (mas daí já é querer demais, infelizmente).