Quanto maior a letalidade policial, maior a taxa de crimes violentos letais intencionais

Alan Marques/Folhapress
Renato Sérgio de Lima

Por Edson Marcos Leal Soares Ramos*

Resumo

Objetivo: Verificar a associação estatística entre a taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais e a taxa de crimes violentos letais intencionais. Metodologia: O estudo é quantitativo, exploratório e descritivo. A fonte dos dados foi o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Foi aplicada a técnica estatística descritiva de dados, teste t e a técnica estatística multivariada análise de correspondência. Resultado: Quanto maior é a taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais, maior é a taxa de crimes violentos letais intencionais. Conclusão: Goiás, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Acre, Pará, Amapá, Sergipe e Roraima são as unidades da federação com altas taxas de crimes violentos letais intencionais e altas taxas de mortes decorrentes de intervenções policiais.

 

O estudo foi desenvolvido de forma quantitativa, exploratória e descritiva que, por sua vez, tem como intuito registrar, analisar e interpretar fenômenos atuais, objetivando o seu funcionamento no presente bem como descrever características de determinado fenômeno, estabelecendo possíveis relações entre as variáveis analisadas (MALHOTRA, 2001; MARCONI; LAKATOS, 2010).

A fonte dos dados foi o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2019). Foram utilizadas as taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais e a taxas de crimes violentos letais Intencionais, das 26 unidades da federação e também do distrito federal referentes ao ano de 2018. A partir da ferramenta estatística quartis amostrais (BUSSAB; MORETIN, 2017), as taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais, foram classificadas em: baixa (0,13 a 1,10); moderada (1,11 a 4,33) e alta (4,34 a 8,94) e a taxa de crimes violentos letais intencionais foram classificadas: baixa (9,48 a 21,54); moderada (21,55 a 46,82) e alta (46,83 a 66,60).

Foi aplicada a técnica estatística descritiva de dados (BUSSAB; MORETIN, 2017), com a utilização de tabelas e medidas de síntese, a fim de tornar mais objetiva a interpretação dos quantitativos, possibilitando uma melhor visualização dos dados. Além disso, utilizou-se testes de hipóteses que constituem uma forma de inferência estatística, neste contexto as hipóteses são afirmações sobre parâmetros populacionais e são testadas para ver se são consideradas verdadeiras ou não. O teste t é o método mais utilizado para se avaliar as diferenças entre as médias entre dois grupos (BUSSAB; MORETTIN; 2017).

Neste estudo as hipóteses testadas: (a) para taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais são: (i) os grupos com baixa e moderada taxas são iguais versus são diferentes; (ii) os grupos com baixa e alta taxas são iguais versus são diferentes; (iii) os grupos com modera e alta taxas são iguais versus são diferentes. (b) para taxa de crimes violentos letais intencionais são: (i) os grupos com baixa e moderada taxas são iguais versus são diferentes; (ii) os grupos com baixa e alta taxas são iguais versus são diferentes; (iii) os grupos com modera e alta taxas são iguais versus são diferentes.

Para verificar se as categorias (baixa, moderada e alta) da taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais e da taxa de crimes violentos letais intencionais estão associadas recorreu-se a técnica estatística multivariada análise de correspondência. A análise de correspondência foi realizada com o auxílio do aplicativo Statistica, versão 6.0. Em todos os testes, fixou-se α = 5% (p ≤ 0,05) para rejeição da hipótese nula.

Assim sendo, na figura 1, podemos observar que quanto maior é a taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais, maior é a taxa de crimes violentos letais Intencionais (r = 064, p = 0,000). Ou seja, os dados mostram que não há suporte às teses que defendem o incremento do uso da força pelas polícias como estratégia de controle do crime e da violência.

Figura 1: Diagrama de Correlação da taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais e da taxa de crimes violentos letais Intencionais, por unidade da federação, em 2018.

Fonte: Construção do autor a partir dos dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2019).

Legenda: (i) Taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais – ■ Baixa (0,13 a 1,10); ♦ Moderada (1,11 a 4,33) e Alta (4,34 a 8,94); (ii) Taxa de crimes violentos letais Intencionais – ■ Baixa (9,48 a 21,54); ♦Moderada (21,55 a 46,82) e Alta (46,83 a 66,60).

Isso porque, nota-se que não há na diferença estatística na taxa média de mortes decorrentes de intervenções policiais entre as unidades da federação com baixa e moderada taxas (Tabela 1). Unidades da federação com alta taxa média de mortes decorrentes de intervenções policiais, diferem estatisticamente (p ≤ 0,05) das unidades com baixa e moderada taxas (Tabela 1). Unidades da Federação com baixa, moderada e alta taxa média de crimes violentos letais intencionais diferem estatisticamente (p ≤ 0,05) entre si (Tabela 1).

Tabela 1: Média, Desvio-Padrão e Nível Descritivo (p-valor), Resultantes do teste de t para comparar a taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais e a taxa de crimes violentos letais Intencionais, por unidade da federação, em 2018.

Variável UF Escala Média ± D. Padrão p -valor
Taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais PI; DF; MG; SC; PR; SP; MS; MA; PB; RO; TO 0,13 a 1,10

Baixa

1,17 ± 0,77 a 0,000
AL; ES; MT; PE; AM; RS 1,11 a 4,33

Moderada

1,90 ± 1,26 a
GO; RJ; BA; CE; RN; AC; PA; AP; SE; RR 4,34 a 8,94

Alta

5,34 ± 2,11 b
Taxa de crimes violentos letais Intencionais PI; DF; MG; SC; PR; SP; MS; MA; PB; RO; TO 9,48 a 21,54

Baixa

19,95 ± 6,33 a 0,000
AL; ES; MT; PE; AM; RS 21,55 a 46,82

Moderada

33,36 ± 9,42 b
GO; RJ; BA; CE; RN; AC; PA; AP; SE; RR 46,83 a 66,60

Alta

50,43 ± 8,92 c

Fonte: Construção do autor a partir dos dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2019).

Nota: Médias diferentes (p ≤ 0,05) a partir do teste t são indicadas por letras diferentes.

Tabela 2: Probabilidade de associação resultante da aplicação da técnica estatística multivariada análise de correspondência as categorias (baixa, moderada e alta) das variáveis taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais e a taxa de crimes violentos letais Intencionais, por unidade da federação, em 2018.

Taxa de Mortes decorrentes de intervenções policiais Taxa de CVLI
Categorias Baixa Moderada Alta
9,48 a 21,54 21,55 a 46,82 46,83 a 66,60
Baixa 0,13 a 1,10 78,66* 37,23 0,00
Moderada 1,11 a 4,33 37,23 0,00 0,00
Alta 4,34 a 8,94 0,00 0,00 97,82*

Nota: *Probabilidade de associação fortemente significativa, pois  γ×100≥70%.

Legenda: Taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais: Baixa (PI; DF; MG; SC; PR; SP; MS; MA; PB; RO; TO); ♦ Moderada (AL; ES; MT; PE; AM; RS) e Alta (GO; RJ; BA; CE; RN; AC; PA; AP; SE; RR). Taxa de crimes violentos letais Intencionais: ■ Baixa (PI; DF; MG; SC; PR; SP; MS; MA; PB; RO; TO); ♦ Moderada (AL; ES; MT; PE; AM; RS) e Alta (GO; RJ; BA; CE; RN; AC; PA; AP; SE; RR).

Fonte: Construção do autor a partir dos dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2019).

Pode-se observar que a Unidade da Federação com baixa taxa de crimes violentos letais Intencionais possui alta probabilidade (78,66% de chance), de ter baixa taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais (Tabela 2). Encontram-se nesta situação, em 2018, as seguintes unidades da federação: PI; DF; MG; SC; PR; SP; MS; MA; PB; RO; TO. Unidades da Federação com alta taxa de crimes violentos letais Intencionais possuem alta probabilidade (97,82% de chance), de ter alta taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais (Tabela 2). Encontram-se nesta situação, em 2018, as seguintes Unidades da Federação GO; RJ; BA; CE; RN; AC; PA; AP; SE; RR.

Conclusão:

(i) Quanto maior é a taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais, maior é a taxa de crimes violentos letais intencionais.

(ii) Unidades da federação com alta taxa média de mortes decorrentes de intervenções policiais, diferem estatisticamente das unidades com baixa e moderada taxas.

(iv) Unidades da federação com baixa, moderada e alta taxa média de crimes violentos letais intencionais diferem estatisticamente entre si.

(v) Unidades da federação com baixa taxa de crimes violentos letais Intencionais possui alta probabilidade, também, ter baixa taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais.

(vi) As unidades da federação com alta taxa de crimes violentos letais intencionais possuem alta probabilidade de ter alta taxa de mortes decorrentes de intervenções policiais.

 

Referências

BUSSAB, W. O.; MORETTIN, P. A. Estatística básica. 9.ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2017.

FBSP. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Ano 13. São Paulo, 2019.

MALHOTRA, N. Pesquisa de marketing. 3.ed., Porto Alegre: Bookman, 2001.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. 7.ed., São Paulo: Atlas, 2010.

 

*Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Segurança Pública da Universidade Federal do Pará. Conselheiro Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

ramosedson@gmail.com