No xadrez de Bolsonaro, Sergio Moro adota a tática do ‘Rei Afogado’

Pedro Ladeira/Folhapress
Renato Sérgio de Lima

O Faces da Violência antecipa, em primeira mão, versão reduzida de texto inédito escrito em coautoria com Arthur Trindade Maranhão Costa* para a edição 6 do Boletim Fonte Segura, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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O Presidente Jair Bolsonaro declarou este mês que a escolha do nome para ocupar a Procuradoria Geral da República era como uma jogada de xadrez. Ele seria o Rei e o PGR, a Rainha. E completou dizendo que Sergio Moro, seu ministro da Justiça e da Segurança Pública, equivaleria à Torre, que no xadrez tem a função tática de ocupar posições, antecipar lances e isolar o adversário.

A declaração de Jair Bolsonaro explicita uma estratégia política que passa longe da ideia de improviso. A analogia do jogo de xadrez faz sentido, pois hoje no Brasil há cinco cargos-chave na República: Presidente da República; Presidente da Câmara dos Deputados; Presidente do Senado Federal; Presidente do STF e o Procurador Geral da República. São esses cinco cargos que detêm o poder real de mando na República.

Já o Ministério da Justiça e da Segurança Pública não tem poder de fato e executa as políticas do Presidente. Desde o início, a presença de Sergio Moro no governo foi precificada como um ativo valioso. Mas também de alto risco, dado a autonomia e o apetite de poder do ex-juiz da Lava Jato. Para cooptá-lo a ingressar no governo, Bolsonaro prometeu-lhe uma carta branca. Mas sem autenticá-la em cartório, o que permitiria revoga-la no primeiro embate. A adesão de Moro foi perfeita para sinalizar a pretensão antissistêmica da gestão Bolsonaro e permitir ao Presidente assumir a direção da agenda política do país, mantendo inclusive o controle da narrativa junto aos demais quatro cargos-chave da República.

Porém, a crise envolvendo o COAF e as denúncias em torno de Flávio Bolsonaro, Queiroz e o histórico desse último com as milícias do Rio de Janeiro mostraram que o risco de manter a carta branca é alto demais, exigindo a adoção de uma série de hedges políticos e institucionais. Jair Bolsonaro percebeu que havia recrutado uma Torre que operava como Rainha e almejava ser o Rei.

Para um perfil inseguro como o do Presidente – que não aceita contestações e precisa reiterar o tempo todo sua autoridade – a desenvoltura e popularidade de Moro deflagrou as atuais disputas que estão afetando não só a PGR, mas a Polícia Federal, a ABIN e a Receita Federal. Isso para não falar das Forças Armadas e das demais Polícias do país.  Mais do que nunca, é importante que as instituições tenham serenidade e saibam separar interesses políticos e projetos institucionais de Estado.

Para retomar as rédeas da situação, Bolsonaro tem explorado um erro de Sergio Moro. O ex-juiz entrou no governo com “porteira fechada”, podendo indicar os principais cargos do Ministério da Justiça e do COAF. Entretanto, ele achou que poderia controlar o campo da segurança pública baseado apenas na sua alta popularidade. Moro não chamou nenhum policial militar ou civil para funções de alta direção no Ministério. Achou que poderia coordenar o campo da segurança pública apoiado por um grupo de auxiliares formado, quase que exclusivamente, por delegados da PF ligados à Lava Jato. Esqueceu-se que os policiais – especialmente os praças e agentes – são um dos principais fiadores do projeto de poder do Presidente.

Bolsonaro e seu núcleo político tem reativado as disputas e os ressentimentos internos às corporações. Alguns desses conflitos corporativos são bastante reais e historicamente silenciados e diminuem a capacidade das instituições democráticas de se auto protegerem e evitarem fraturas irreversíveis. A quase demissão pública do Diretor Geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, trouxe à tona disputas corporativistas. Alguns segmentos da Polícia Federal reclamam que o grupo de delegados do qual Valeixo faz parte ocupa a direção da instituição desde o Governo Lula. Para esses segmentos, a nomeação do Delegado Federal Anderson Torres, atual Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal seria o nome da renovação dada a proximidade com o clã presidencial.

Bolsonaro trabalha para transformar Sérgio Moro em “Rainha da Inglaterra”, com funções cerimoniais e popularidade, mas que não interfere quase nada nas engrenagens do Poder.

Moro sabe que a entrada de um novo Diretor Geral na Polícia Federal representará mudanças em todas as instâncias da corporação, sobretudo nas Superintendências Regionais e nas coordenações gerais. Um diretor geral, indicado diretamente pelo Presidente e com mais acesso ao Planalto e ao Congresso, significará, na prática, o esvaziamento do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

E aqui que voltamos à analogia do jogo de xadrez. Sabedor desse movimento, Sergio Moro parece construir uma jogada para fugir do papel de rainha que Bolsonaro tenta lhe impor. Para fugir do xeque-mate, Moro tem alimentado notas indicando que aceitaria a exoneração de Maurício Valeixo, contando que o substituto seja alguém de sua confiança. O Delegado Federal Fabiano Bordignon, atualmente no Departamento Penitenciário Nacional, poderia ser este nome, mas há outros.

Afinal, se olharmos com mais atenção, o lugar estratégico para a manutenção da influência real de Sergio Moro não é a Direção Geral da Polícia Federal, mas a chefia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, hoje ocupada pela Delegada Erika Mialik Marena (este mesmo cargo foi ocupado de 2010 a 2016 por Ricardo Saadi, pivô da crise que explicitou a disputa entre Bolsonaro e Moro) .

Isso porque é no DRCI que os acordos de cooperação internacional em matéria de justiça e lavagem de dinheiro são negociados, permitindo que Moro tenha acesso a uma enorme base de informações de inteligência e dialogo facilitado com redes de poder e influência que lhe dão suporte.

Mas, para efeitos midiáticos e das redes, Moro tenta se sustentar nas ações da Secretaria Nacional de Segurança Pública, chefiada pelo General Guilherme Theophilo, um dos raros nomes que não foi escolhido por Moro. Embora também mantenha relação conturbada com setores das polícias militares, Theophilo tem anunciado ações de integração operacional, financiamento e reforma da gestão policial planejadas. Moro também tenta pegar carona na tendência de redução nacional dos homicídios verificada desde 2018. Mas para isso, ele terá que mostrar que estas ações tiveram efeitos de práticos na melhoria das estatísticas criminais. O que não será uma tarefa fácil. É curioso notar que Moro entrou no governo focando no combate à corrupção, mas agora tenta se segurar na área de segurança pública, que inicialmente pareceu desprezar.

Em suma, no xadrez de Bolsonaro, Sergio Moro joga com as peças do adversário e adotou a tática do “Rei Afogado”, que consiste em fugir do xeque-mate e reconhecer que se encontra em uma posição da qual não consegue sair, pois todos os lances legais foram obstruídos pelo Presidente. Ele joga para ganhar tempo, induzir o adversário ao erro e empatar a partida que só termina em 2022, o que já seria uma grande vitória simbólica. A questão de fundo, no entanto, é que se estamos vendo um jogo de xadrez, temos que procurar saber quem são os jogadores e compreender as variáveis e interesses por trás dos dois reis do tabuleiro da política brasileira atual.

 

*Professor da UNB e Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública