Sob Witzel, os reféns da leniência e da sofreguidão

Antonio Lacerda/EFE
Renato Sérgio de Lima

Talvez por influência de uma das escolas mais em moda atualmente no Direito, o populismo penal, a gestão de Wilson Witzel (PSC) à frente do Governo do Rio de Janeiro adotou a tática de aliar a sofreguidão com a leniência na segurança pública. O episódio envolvendo a morte, por um atirador de elite da PMERJ, de um sequestrador que manteve 38 passageiros de ônibus reféns na ponte Rio-Niterói, no último dia 20, é um dos exemplos dessa tática e da distância que ela guarda com a realidade da área.

Em primeiro lugar, Witzel adotou a segurança pública como plataforma da sua sofreguidão por se fazer relevante no debate nacional e tenta disputar com Jair Bolsonaro a posição de líder antissistema, mesmo que à custa da verdade dos fatos. Isso porque, ao aproveitar o desenlace do caso do sequestrador na ponte Rio-Niterói para reforçar seu discurso de “abate” de criminosos armados com fuzis e armas de guerra, o governador do Rio comete, a meu ver, dois grandes atos-falhos.

Sem contar a comemoração efusiva e aética da morte dos sequestrador ao sair da helicóptero que o levou à cena do sequestro, que depois foi negada, Witzel apressou-se a prometer que promoverá o Sniper por ato de bravura, sem considerar que ali ela estava expondo o policial sem antes investigar os riscos de represália de pessoas ligadas ao sequestrador que eventualmente pudessem querer vingança e/ou sem se dar conta que seu gesto atropelou toda uma cadeia de comando, supervisão e controle.

Um Sniper só atira após receber comando autorizando-o a neutralizar o seu alvo. E, se há um disparo, ele é fruto de uma decisão tática de comando da própria polícia, nunca do governador. Não existe decisão política, pois ela deve ficar no plano tático-operacional. E, nesses casos, por ser uma decisão de comando, o policial já está salvaguardado pela legislação e conta com proteção jurídica para que não seja responsabilizado individualmente, ao contrário do discurso fácil e diversionista que se instalou no Brasil sobre excludente de ilicitude.

Além disso, as operações antiterrorismo no mundo todo nos ensinam que medidas extremas de neutralização exigem que existam “regras de engajamento” muito claras e, sobretudo, que os policiais da ponta tenham suas identidades preservadas durante a obrigatória investigação dos fatos. Se Witzel quiser, ele pode assumir o ônus jurídico de publicar a regra de engajamento que acha mais adequada e dar guarida à atividade policial. Mas, mais uma vez, a sofreguidão colocou os policiais em risco.

E desse primeiro ato falho deriva o segundo e mais grave deles. A declaração do governador após o episódio, em que ele afirma que pretende consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre em que possibilidades os policiais podem matar suspeitos de cometer um crime revela que o discurso de guerra do governador é minuciosamente calculado para, de um lado, conquistar corações e mentes da população em pânico e dos policiais.

Porém, por outro lado, se a “guerra” resultar em “danos colaterais” politicamente ou legalmente altos demais e cobranças chegarem, a atitude de questionar o Supremo mostra tão somente que as mãos serão lavadas e que a responsabilidade de comando desaparecerá para dar lugar à imputação de erros e culpas individuais dos policiais da ponta.

Na dúvida, a autoridade se blinda e toca a vida fazendo um discurso de ordem vago e leniente, enquanto policiais e população se digladiam em um vórtice interminável de violência, medo e ressentimento; enquanto ficamos reféns e no meio do fogo cruzado que sequestra a vida cotidiana de milhões de pessoas.

Por trás da “dúvida” legal disseminada por Witzel esconde-se o temor em tomar decisões que dariam segurança jurídica ao modelo de enfrentamento por eles defendido e, consequentemente, dariam a tão explorada politicamente proteção aos policiais. Mas, como ex-juiz, Wilson Witzel sabe que decisões têm consequências.

Por todos esses fatos, é fundamental olharmos para a segurança pública sem o ranço miliciano e contagiante da intolerância e convidarmos as polícias [e mesmo as Forças Armadas] a refletirem sobre a forma como estão sendo usadas eleitoralmente pelos governantes. Uma democracia forte não depende apenas do voto, mas de instituições de Estado que acreditem no Estado Democrático de Direito e o coloque todos os dias em prática sem o diversionismo ideológico que marca nossa Era.