Em nome do Pai

No dia dos pais e em uma era de Brasil sob domínio de Bolsonaro, Witzel e muitos outros políticos que surfam na onda de pânico e medo da população, hoje eu lembrei bastante do filme Em Nome do Pai (In the Name of the Father, no original ), uma coprodução irlandesa e britânica, de 1993, dirigida por Jim Sheridan e baseado no livro autobiográfico “Proved Innocent”, de Gerry Conlon.

O filme conta a história real de Gerry Conlon, que juntamente com três amigos são injustamente presos, acusados e condenados de serem os responsáveis por um atentado à bomba do IRA, em 1974, em um pub de Gildfod, próximo à Londres. Sob tortura física e emocional do exército britânico, eles confessam um crime que não cometeram e são condenados a passar o resto de suas vidas na cadeia. Giuseppe Conlon, pai de Gerry, tenta ajudar o filho e também é condenado. Só alguns anos depois, a advogada Gareth Peirce, motivada a fazer justiça e descobrir a verdade, consegue mostrar a injustiça cometida.

O filme é uma das histórias mais inquietantes sobre como o poder do Estado pode, se não devidamente controlado, gerar injustiças em nome de um fim “nobre”, no caso, o combate ao terror político. Se olharmos para o Brasil, “Em nome do Pai” é uma metanarrativa do tempo presente e mostra que nossas instituições de segurança pública e justiça criminal precisam mais do que nunca compreender que “as polícias são o povo e o povo é a polícia”, para resgatar o lema de Sir Robert Peel, criador do modelo moderno de polícia.

E compreender tal lema significa assumir que o povo, em uma democracia, tem múltiplas posições políticas e ideológicas e que nenhuma delas é moralmente ou legalmente superior às outras. Cabe a polícia e ao sistema de justiça garantirem a máxima liberdade de expressão e organização política pacífica, mesmo que em oposição ao governante de plantão. E, para que isso seja possível e uma democracia não pereça, não basta votos, mas instituições verdadeiramente democráticas, transparentes e dispostas a servirem à cidadania e não aos donos do poder e/ou a grupos sedentos por vinganças e/ou imposição autocrática de suas visões de mundo.

E quem nos alerta sobre essa questão é um dos mais renomados criminólogos vivos, o norte-americano Lawrence Sherman, professor do Instituto de Criminologia de Cambridge, no Reino Unido. Ele foi um dos criadores do modelo de policiamento baseado em evidências, nos EUA, nos anos 1970, e fez conferência durante o 13o Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado em João Pessoa, na Paraíba, na semana passada.

Mas parece que poucos querem ouvir o que Lawrence Sherman disse.

Nas últimas semanas, entre outras, a Polícia Militar de São Paulo, invadiu um endereço privado (coisa que legalmente só poderia fazê-lo sob ordem judicial ou diante de fragrante delito) para pedir documentos de um grupo de mulheres ligadas ao PSOL, que gostem ou não seus simpatizantes ou adversários de suas posições, é um partido político com registro e é uma organização legítima. A mesma PMESP deteve um torcedor do Corinthians que gritava contra o Presidente Jair Bolsonaro e, ao ser contestada disse que havia feito a detenção por segurança do torcedor, mas vídeos que circulam nas redes mostram que não existia nenhuma ameaça ou risco imediato.

Já a Polícia Civil do Rio de Janeiro publicou portaria com manual que regulamenta o uso de helicópteros pela corporação, até em atendimento a cobranças que a Defensoria Pública do Estado havia feito. Porém, ao cumprir a demanda, a Polícia Civil determinou sigilo de 15 anos sobre o material. O Governador Witzel, em sua tentativa de competir com Jair Bolsonaro pela frase mais surreal da política atual, não só defendeu a medida mas deixou claro que, em sua compreensão, o Estado deve tutelar a população, sem transparência ou contestações, que serão vistas como indícios de envolvimento com o crime.

Contestar está se tornando perigoso no Brasil. A discordância ou o questionamento às políticas do governo de Jair Bolsonaro ou dos de seus apoiadores em vários estados, mesmo que fundadas em evidências científicas, estão sendo rotulados de postura antipatriótica quando o foco estão em temas da agenda geopolítica e internacional e, tão grave quanto, sendo criminalizadas, com ameaças, detenções e prisões.

Imprensa, sociedade civil, lideranças indígenas, ambientalistas, populações vulneráveis e, mesmo, prerrogativas de advogados estão na mira dos “snipers” das patrulhas bolsonaristas. Mas é importante lembrá-los de que o Estado não é Jair Bolsonaro e que as instituições públicas não o servem. Elas estão a serviço da cidadania e são guiadas pelo Império da Lei. E, por isso mesmo, controle não é sinônimo de desprestígio ou inimizade. É acreditar no Estado Democrático de Direito.

Não há atalho, adesão ideológica ou fim que justifique o contrário.