Modelo brasileiro de integração das polícias em grandes eventos é referência mundial, mas é ignorado pelo governo

Entre as recorrentes e comuns viagens do ministro Sergio Moro aos EUA, uma dela chamou a atenção de quem atua na área da segurança pública e de inteligência. Trata-se da que ele fez na semana de 22 a 26 de junho. Segundo notícia no site do próprio ministério, o ministro fez “uma série de visitas aos órgãos de segurança e inteligência do país, com o intuito de reunir experiências e boas práticas para fortalecer as operações integradas no Brasil”.

É claro que cooperação e coordenação são mais do que bem-vindas. O ministro sabe disso e tem feito esforços para estabelecer parcerias em matéria de tecnologia de controle, rastreamento e vigilância com os EUA e países da Europa, entre outros. Mas, o que seria uma saudável iniciativa, parece trazer embutido um sentimento de inferioridade e dependência que não corresponde aos fatos.

O Brasil recebeu uma sequência sem precedentes de importantes eventos internacionais, a exemplo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ2013), Copa das Confederações FIFA de Futebol (FCC2013), Copa do Mundo FIFA de Futebol (FWC2014), Jogos Rio 2016 – Olimpíadas e Paralimpíadas (RIO2016), o que consequentemente exigiu do País a organização, planejamento, coordenação, investimentos e execução de gigantescas e complexas operações integradas de segurança

Para garantir a segurança desses eventos, mais do que o fundamental policiamento ostensivo e a presença de policiais nas praças de operações de maneira isolada, era preciso inovar e desenvolver um sistema de segurança integrada, algo até então absolutamente inédito no Brasil.

A premissa deste planejamento foi ao mesmo tempo a razão do seu êxito, reconhecido nacional e internacionalmente, com aprovação superior a 87% entre os turistas – melhor avaliação dos serviços públicos prestados. A criação de um sistema coordenado de atuação, alicerçado nos investimentos em equipamentos, tecnologia, ambientes indutores para troca de informações e atuação integrada e a capacitação de milhares de servidores envolvidos no trabalho deram os frutos desejados e um legado que não pode ser desconsiderado.

E, entre esses investimentos, a estrutura basal deste complexo conjunto de iniciativas foi o Sistema Integrado de Comando e Controle. O SICC é o conjunto de atividades de planejamento, coordenação, execução, acompanhamento e avaliação, estruturado em Centros Integrados de Comando e Controle, de Cooperação Policial Internacional e Antiterrorismo, que busca promover a atuação integrada dos órgãos de segurança pública, defesa social, defesa civil, ordenamento urbano e controle de tráfego, das esferas federal, estadual e municipal. Os principais documentos que orientam e regulam o SICC são:

  • Conceito Operacional do Sistema – CONOPS;
  • Conceito de Uso – CONUSO;
  • Planos Táticos Integrados (PTI);
  • Protocolos de operações integradas e de respostas a incidentes;
  • Planos Integrados de Segurança e Ordenamento Urbano das Instalações (PISOU);
  • Procedimentos Operacionais Padrão (POP) dos Centros Integrados de Comando e Controle;
  • Planos de Comunicações (PLACOM)
  • Plano Integrado de Inteligência de Segurança Pública;
  • Memorandos de Entendimento (ME) e Acordos de Cooperação Técnica (ACT).

Para tornar essa estrutura viável, o Governo Federal, por intermédio de uma secretaria extraordinária do então MJ, investiu à época em média R$ 100 milhões de reais em cada cidade sede da Copa 2014 (investimento total de cerca de R$ 2 bilhões), fundamentalmente na criação do SICC e na construção/reforma e equipagem dos Centros de Comando e Controle, um legado material e imaterial inovador no nosso País.

Centro Integrado de Comando e Controle/Reprodução site MJ

Este projeto foi pensado em coordenação com os Estados (vide acordos de cooperação federativa firmados com os 12 estados sede da Copa 2014), de maneira que todo o investimento permanecesse útil ao cotidiano da segurança pública, fosse indutor de políticas públicas inovadoras, ao mesmo tempo que também conduziria a uma proximidade maior entre os entes Federativos, mantendo a cultura do planejamento e execução de operações e políticas públicas integradas e consequentemente eficazes, eficientes e efetivas.

É verdade que após o fim dos grandes eventos, a lógica de disputa e a falta de coordenação federativa e republicana vigente na segurança enfraqueceu o modelo de integração do SICC, mas, aqui, a questão é explicitar que a metodologia e a tecnologia foram criadas e aplicadas com êxito (é verdade é a Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, desenvolveu sistemas concorrentes ao SICC tão bons quanto, no indicativo de que temos pessoal altamente qualificados).

Assim, por quê o Ministro Moro foi aos EUA em busca de algo que já temos e que deu resultados? Há desconfiança em relação ao trabalho da Polícia Federal? Não seria mais barato e estratégico aproveitar o legado criado pelas próprias polícias brasileiras?

E isso não significa uma patriotada inconsequente, já que é impensável nos dias atuais o enfrentamento ao crime organizado sem troca de informações e experiências com países estratégicos. Mas, mesmo neste caso, o MJ poderia mostrar o que houve no âmbito da cooperação internacional, que contou com o investimento de R$ 6,98 milhões para a criação do Centro de Cooperação Policial Internacional, coordenado pela Polícia Federal. Este centro contou com policiais de 33 países durante a realização dos Jogos Rio 2016, que atenderam quase 2.000 demandas ao longo da operação, além da checagem de 2,4 milhões de passageiros, outro legado que deve ser observado com atenção.

O fato é que, fruto deste trabalho, o Brasil tornou-se referência internacional em segurança para grandes eventos e operações integradas, tendo recebido visitas de comitivas, por exemplo, do Japão (Olimpíadas 2020), Qatar (FWC2022) e Peru (Jogos Panamericanos 2019), com interesse em conhecer as práticas exitosas aqui empregadas – foram mais de 22.000 ações de segurança integradas durante os Jogos Rio 2016. Nada disso parece que está sendo aproveitado e mereceria maior transparência.

Em síntese, considerando o elogiável interesse do Ministério da Justiça em “conhecer experiências exitosas de operações integradas das forças de segurança pública nos EUA” , vale lembrar que aqui no Brasil existem várias outras experiências exitosas que servem de modelo a outros países, criadas, implementadas, coordenadas e supervisionadas pelo próprio Ministério da Justiça, que em muito poderiam agregar ao enfrentamento ao crime organizado, proteção de fronteiras e efetiva e necessária integração com os demais entes federativos.

Seria muito poderoso sabermos, além do que os EUA podem nos ajudar, o que houve e qual o estágio de funcionamento dos 15 Centros Integrados de Comando e Controle já instituídos no Brasil, todos com grande infraestrutura de TIC, computadores, videowall, sistemas, etc, além de ambientes acessórios,  regulamentos e efetivo capacitado.

Seria bom o Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgar o que ocorreu com:

  • o Centro Integrado de Comando e Controle Nacional – CICCN, localizado em Brasília/DF;
  • o Centro de Cooperação Policial Internacional – CCPI, localizado em Brasília/DF, com projeção no Rio de Janeiro/RJ;
  • o Centro de Integrado Antiterrorismo – CIANT, localizado em Brasília/DF, com projeção no Rio de Janeiro/RJ;
  • os 12 Centros Integrados de Comando e Controle Regionais – CICCR, localizados nas cidades de Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Cuiabá/MT, Curitiba/PR, Fortaleza/CE, Manaus/AM, Natal/RN, Rio de Janeiro/RJ, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Salvador/BA e São Paulo/SP;
  • os 24 Centros Integrados de Comando e Controle Móveis (CICCM);
  • os 12 Plataformas de Observação Elevada (POE) e Sistemas de Imageadores Aéreos (SIA);
  • os 4 Aeróstatos de Monitoramento Permanente de Grandes Áreas (AMPGA).

A experiência do CICC revela que já temos tecnologia e doutrina para boa parte dos problemas da área. Assim, mais do que um problema tático e operacional, os dilemas da segurança pública dependem de aspectos políticos e de governança institucional. E tais dilemas precisam ser enfrentados nos planos nacional e subnacional pelas polícias e pelos demais Órgãos e Poderes do país.

A política não pode ser substituída pelos fetiches tecnológicos ou ideológicos.