Na marcha da insensatez, deputado do PSL propõe a extinção da Ouvidoria de Polícia de São Paulo

Alf Ribeiro/Folhapress
Renato Sérgio de Lima

Com Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Esta semana o Datafolha divulgou pesquisa que mostra que 51% da população brasileira tem mais medo do que confiança na Polícia, e que 79% acredita que policiais que matam devem ser investigados. Ainda assim, o deputado estadual Frederico D’Ávila, do PSL de São Paulo, apresentou um projeto de lei complementar para extinguir a Ouvidoria de Polícia do Estado.

O primeiro fato que chama a atenção é que a justificativa do parlamentar para a proposta é a de redução dos gastos públicos. Talvez o parlamentar não saiba, mas a Ouvidoria nem tem orçamento próprio e depende do apoio da Secretaria da Segurança Pública para poder se manter. São Paulo gastou, em 2017, cerca R$ 11,6 bilhões com segurança pública e o deputado acha que cortar gastos com uma estrutura que custa cerca de R$ 1 milhão por ano com salários de 16 pessoas (média R$ 5 mil brutos mensais para cada) e desempenha um papel-chave no governança da segurança pública é uma “boa ideia”.

Também é curioso que o projeto afirme que “o papel da Ouvidoria tem sido o de injustamente acusar, desmoralizar e desestimular o policial no desempenho de suas funções, gerando, como consequência, insegurança na população”, dado que o órgão é o único canal oficial de comunicação entre o Estado e a Sociedade, criado por Mario Covas em 1995, quando era governador.

Os 80 tiros que mataram Evaldo dos Santos Rosa são a prova de que o deputado está querendo pegar carona na marcha da insensatez que toma conta do país e não percebe que não existe corporação policial sem controle e supervisão. E isso é reforçado até mesmo pelos argumentos diversionistas do Presidente Jair Bolsonaro, para quem o “Exército não matou ninguém“, ou do Ministro do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, que afirmou que o comandante da operação “deu uma bobeada” e que o caso deve ser visto apenas como um desvio de conduta individual dos soldados.

Sem um espaço externo de denúncias, não só perde a população, mas também as instituições que terão que depender apenas das informações de seus integrantes e, como o caso dos 80 tiros demonstrou, a versão inicial dada pelos envolvidos na operação era parcial e falsa. Quem tem medo da transparência? Ela não produz “monstros” a abusar da fé pública das instituições; ela os revela quando os ecos ideológicos são explicitados.

Mas o mais revelador do projeto de lei apresentado pelo deputado é o total desconhecimento sobre a atividade policial e a função da Ouvidoria em uma democracia. Soa como um parlamentar querendo surfar no pânico da população e no sentimento de abandono que muitos dos nossos policiais precisam aprender a lidar diante da dura vida que levam.

O fato é que a Ouvidoria é uma instituição comum em países com democracias mais consolidadas e não é tratada como inimiga; ela pode ser um poderoso instrumento de reconquista da confiança nas instituições. O equivalente da Ouvidoria de Polícia de Nova Iorque, nos EUA, foi criado em 1950 e tem como missão o recebimento de denúncias envolvendo policiais, a realização de atividades com a comunidade e recomendações para o aperfeiçoamento da atividade policial.

Na Irlanda, a Ouvidoria de polícia data de 1998 e além de produzir boletins com as estatísticas de denúncias e encaminhamentos duas vezes por ano, também promove discussões sobre política salarial e orçamento das instituições policiais. Até mesmo a África do Sul, que passou por um profundo e longo regime de segregação racial que durou até 1994, possui uma ouvidoria de polícia desde 1995, que publica anualmente relatórios sobre desvios e abusos envolvendo policiais, sanções e campanhas de conscientização.

A função da Ouvidoria é justamente a de receber denúncias e apurar eventuais desvios envolvendo policiais, funcionando como um canal direto de comunicação com a população. Mas sua missão também envolve cuidar dos direitos dos próprios policiais, não à toa, tese de doutorado defendida pela pesquisadora Viviane Cubas em 2013 no Departamento de Sociologia da USP demonstrou que, entre 2006 e 2011, os próprios policiais civis e militares foram responsáveis pelo registro de 1.716 denúncias na Ouvidoria de Polícia, a maioria por episódios de assédio e abusos envolvendo escalas de trabalho.

Sem a Ouvidoria de Polícia, policiais subalternos perderiam um canal importante de comunicação e denúncia de violações sofridas por eles próprios. Ou seja, a Ouvidoria de Polícia tem a prerrogativa de olhar para os principais fatores de vitimização dos policiais e isso ajuda na identificação de fatores epidemiológicos que muitas vezes são invisibilizados.

Relatório divulgado pelo Ouvidor de polícia, Benedito Mariano, no início deste ano mostrou que no último ano ocorreram mais episódios de suicídio envolvendo policiais do que mortes em confrontos. Para se ter ideia da magnitude, enquanto 3 policiais militares morreram em situações de confronto com criminosos no horário de trabalho, 35 PM suicidaram-se, número quase 12 vezes maior.

Enquanto em todo o país políticos como o Deputado Frederico D’Ávila discutem propostas populistas que visam dar carta branca aos maus policiais para fazerem uso da força letal, ignoram que parte significativa do efetivo policial sofre com as péssimas condições de trabalho e os baixos salários, o que tem levado muitos a tirarem a própria vida.

Se o deputado tivesse o cuidado de ao menos pedir à sua assessoria um estudo prévio, ele veria que o último relatório da Ouvidoria também traz uma proposta de estabelecimento de piso salarial para os policiais de São Paulo. Segundo o próprio relatório, “apesar de São Paulo ser o Estado mais rico da Federação, os policiais de São Paulo estão, em média, no 23º lugar no ranking de piso salarial brasileiro”. Também veria que existem cerca de 13 mil vagas em aberto na Polícia Civil e, ao invés de gastar tempo querendo desconstruir o que a duras penas tem dado certo, ajudaria a aperfeiçoar o sistema de segurança do estado.

Polícia é a única instituição que está autorizada a matar em nome do Estado e, para que isso seja legítimo, os políticos precisam compreender que todas as mortes precisam ser minuciosamente investigadas e apreciadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Não se protege o policial aniquilando o mensageiro das eventuais más condutas cometidas por eles, mas, por exemplo, fortalecendo a institucionalidade de medidas que deem credibilidade e isenção às investigações.

São Paulo foi pioneiro na criação da Ouvidoria de Polícia e, por mais que ela possa ser aprimorada e modernizada, aprovar a extinção de uma instituição modelo no país e no mundo seria de uma estultice gigantesca. Aliás, seria interessante observarmos o que acha a Deputada Janaína Paschoal da proposta, que com seus mais de 2 milhões de votos ajudou a eleger o Deputado Frederico D’Ávila, que teve 24.470 votos, já que ela trabalhou no início de sua carreira na SSP e conheceu o trabalho da Ouvidoria de Polícia na sua origem. Isso nos ajudaria a saber se o PLC (Projeto de Lei Complementar) é uma iniciativa isolada e/ou um projeto de Poder do PSL como um todo.

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Enquanto políticos surfam no pânico da população, policiais e bombeiros dão a vida em nome da profissão de salvar vidas. Hoje faleceu o 3o Sargento PM do Corpo de Bombeiros de São Paulo,  Júlio César Delfino, que não conseguiu sair de uma edificação comercial situada na Cidade de Araçatuba, interior de São Paulo, que ruiu em razão de um incêndio de grandes proporções e que ele estava tentando combater. Solidariedade à sua família, ao Corpo de Bombeiros e à Polícia Militar de São Paulo.

 

Erramos: o texto foi alterado

Texto retificado para corrigir que a Deputada Janaína Paschoal trabalhou como assessora do Secretário de Segurança Pública, entre 2001 e 2002, e não diretamente na Ouvidoria de Polícia.