Pacote de Sergio Moro pode gerar um custo adicional com presos de R$ 44,4 bilhões anuais
Informação e conhecimento são insumos fundamentais para que o poder público possa exercer suas “capacidades estatais”, entre elas estão a capacidade política, a capacidade relacional, burocrática, coercitiva, fiscal e regulatória. Em contextos democráticos, a ideia de accountability, que se traduz na possibilidade de controle, participação e transparência é que estrutura o desenho e a implementação de políticas públicas. Sem informações de qualidade é quase impossível planejar ações eficientes e que não só economizem recursos públicos escassos mas valorize a vida, a cidadania e a prevenção da violência.
E é por isso que tenho chamado a atenção para a fragilidade das evidências contidas nas propostas do pacote de medidas legislativas do Ministro Sergio Moro. Por mais experientes que sejamos, só o planejamento detalhado, com estudos de impacto e custos, fará a diferença entre um projeto “dar certo” e atingir seus objetivos ou cair na vala comum de ações bem-intencionadas porém pouco efetivas.
Por esse raciocínio, vale destacar que quase todas as operações de empréstimos internacionais em curso na área da segurança pública, que têm como parceiros os bancos e organismos multilaterais, como BID, Banco Mundial, CAF, OCDE, entre outras agências, utilizam técnicas econométricas de estimação de custo-benefício para analisar se um projeto deve ou não ser apoiado. As regras de boa governança do sistema financeiro não aceitam que sejam feitos empréstimos ou investimentos sem se estimar se o projeto pretendido terá um retorno econômico ou social maior do que se irá gastar.
E, entre as referências utilizadas por estes estudos, existem dois estudos feitos em 1994 e 1998 por Peter Greenwood e coautores, quando os EUA estavam planejando endurecer suas leis penais para reincidentes, naquilo que ficou conhecido como leis “Three Strikes and You’re Out (três faltas e você está fora)”, que tiveram esta expressão inspirada do beisebol, em que um batedor contra o qual três faltas são registradas é eliminado.
Os estudos visaram a analise do impacto de tais leis na justiça criminal para adultos e na justiça juvenil, para adolescentes, bem como no sistema prisional. Elas aumentaram significativamente as sentenças de prisão de pessoas condenadas por um crime que foi anteriormente condenado por dois ou mais crimes violentos ou crimes graves, e limita a capacidade desses infratores para receber uma punição que não seja uma sentença de prisão perpétua.
A partir desses estudos, cientificamente validados, as avaliações de impacto passaram a contar com uma baliza de cálculo que pode ser usada para diferentes contextos e países, incluindo o Brasil, que ainda não tem o hábito de monitorar e avaliar políticas públicas de segurança com rigor metodológico e científico. Existem avaliações, mas pontuais e dependentes do tomador de decisão na ponta de cada projeto.
Mas, diante deste fato, sempre ficava as questões sobre o por quê deveríamos usar os parâmetros estabelecidos para a Califórnia em 1994 para o Brasil e/ou se existem variações entre os diferentes contextos culturais?
Para responder estas perguntas, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, fez um pesquisa piloto até agora inédita em um presídio no Ceará, em 2017, que teve como objetivo realizar uma exploração do campo, visando caracterizar o perfil criminal. Mesmo com todas as limitações metodológicas, que não permitem uma generalização completa, os resultados nos mostram algumas pontos que chamam atenção e que servem para o debate atual. Eles servem para estimular que o Congresso encomende estudos ao TCU e/ou institutos independentes antes de votar as medidas.
Enquanto nos EUA, as carreiras no crime tinham, em média, 9,29 anos entre o primeiro crime e a última prisão, no Brasil este número cai para 8,01. Significa dizer que, no nosso caso, os delinquentes estão sendo presos antes, talvez como resultado das prisões provisórias que atingem quase 35% no país e superam os 50% em várias Unidades da Federação – as altas taxas de mortes violentas intencionais e a média de esclarecimentos de crimes seriam outras explicações.
Já nos EUA, cada criminoso havia cometido 49,64 crimes sérios violentos em sua carreira na delinquência (jovem e adulta). No Brasil, a pesquisa piloto indica que seriam 15,59 os crimes sérios cometidos ao longo dos 8,01 anos de carreira. Ou seja, em média, os criminosos reincidentes brasileiros cometeriam o equivalente a 31% dos crimes cometidos pelos seus pares dos EUA.
Na medida em que o pacote do ministro Sergio Moro prevê, exatamente, replicar o endurecimento penal da legislação dos EUA, vale olhar para a experiência norte-americana e o número de presos nos dois países e usá-los para uma primeira aproximação sobre os impactos econômicos envolvidos.
Por este raciocínio, temos que primeiro olhar o tamanho das duas populações prisionais. Nos EUA, são cerca de 2,3 milhões. No Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça, temos cerca de 760 mil presos. Dito de outra forma, temos, em números absolutos, cerca de 1/3 da população prisional dos Estados Unidos.
Assim, caso adotássemos o mesmo princípio da legislação Three Strikes and You’re Out e considerando que aqui os reincidentes criminais são presos antes, é possível supor que no médio prazo atingiríamos e, mesmo, superaríamos os patamares de presos dos EUA.
Essa é uma decisão que o Congresso terá que tomar. Mas, ao mesmo tempo, é válido considerar que o Brasil gasta cerca de R$ 2,4 mil mensais com cada preso. Se a ideia é seguir os EUA, o país teria de gastar R$ 3,7 bilhões de reais a mais todos os meses para manter uma população prisional similar à norte-americana já que a proposta é adotar uma legislação similar.
Como resultado, ao final de cada ano, se a legislação proposta gerar um número de presos equivalente ao dos EUA, o Brasil terá que gastar R$ 44,4 bilhões de reais a mais apenas para manter sua população prisional – nesse valor não são considerados os investimentos na construção das novas unidades que seriam necessárias para acomodar tal aumento da população penitenciária nacional.
E, como o pacote não fala nada de governança do sistema prisional ou de alternativas penais, bem como não toca na legislação que permite que muitos fiquem presos por crimes que poderiam ser sancionados com outras punições (drogas, etc), não é possível deduzir recursos que seriam economizados com medidas de modernização da gestão penitenciária e/ou da priorização da prisão de criminosos violentos.
Seja como for, temos esse dinheiro, ainda mais em um cenário de constrangimento fiscal? Queremos gasta-lo desta forma? Teremos que tirar dinheiro das polícias, da saúde ou da educação? Independentemente das respostas a essas questões, já que o modelo que está servindo de exemplo é o dos EUA, seria fundamental repetirmos o cuidado que eles tomaram ao encomendar estudos de impacto e custos antes de aprovar a leis.
Por certo que as estimativas aqui são aproximadas e precisariam ser validadas por estudos tecnicamente robustos. Porém, meu objetivo foi o de mostrar a importância de não pensarmos políticas públicas de forma estanque e sob o prisma ideológico. Aproveitando que o Ministro Sergio Moro publicou em sua conta no Twitter que a “transparência é a nossa regra, sigilo é exceção”, vale aprofundar a análise dos impactos e construirmos, juntos, um país mais seguro e cidadão.
Atualização 07/04/2019:
Após a publicação do texto original, recebi a informação de que, se compararmos com a proposta de reforma da previdência enviada ao Congresso pelo Ministro Paulo Guedes, o gasto estimado com base na população prisional dos EUA feito acima representa quase 42% da economia que seria gerada em 10 anos com a aprovação da reforma da previdência. Segundo previsão do Ministério da Economia, a estimativa de economia de recursos após 10 anos de aprovação da Reforma seria de R$ 1,072 trilhão. Se, em 10 anos, o gasto com prisões atingir R$ 444,4 bilhões, 41,45% da economia gerada com as novas regras aposentadorias seria utilizada na manutenção do sistema prisional.
E, para concluir, se o impacto da legislação seguir o padrão de crescimento carcerário dos EUA, cujas leis inspiram o projeto do Governo, ainda teríamos que encontrar recursos para construir 1.026 novas unidades prisionais, com 1.500 vagas cada uma, sem contar o déficit de vagas atual. Se o custo aproximado de cada prisão é de R$ 36 milhões, teríamos que encontrar ao menos outros R$ 36,9 bilhões para a construção dessas unidades. No total, o Brasil precisaria investir R$ 481,3 bilhões no seu sistema carcerário em 10 anos caso as projeções aqui contidas sejam confirmadas (não temos dados desagregados para estimar com exatidão o prazo em que e se chegaríamos nesta quantia, mas diante da crise fiscal, é improvável que tenhamos esses recursos e o quadro de superpopulação carcerária tende a se agravar).
PS: Prova de que estudos de impacto são regra em países mais desenvolvidos, o Parlamento Inglês encomenda projeções da população prisional para anos futuros. Esse modelo poderia ser utilizado aqui no Brasil.