Polícia Militar de Minas Gerais é acusada de censurar bloco no Carnaval de BH
Com texto ao final, especialmente redigido para o Blog, de Jacqueline Muniz, do DSP/INEAC/UFF.
A Polícia Militar de Minas Gerais afirmou à imprensa neste sábado (2) que concorda com a posição do Capitão Lizandro Sodré do 13º Batalhão de Belo Horizonte, que advertiu os organizadores do tradicional bloco mineiro “Tchanzinho Zona Norte”, ontem (1), para que não criticassem o presidente Jair Bolsonaro e elogiassem o ex-presidente Lula.
A Polícia Mineira, que é uma das corporações policiais mais tradicionais do país e que, na contramão deste tipo de medida, tem investido em modernas metodologias de gerenciamento por resultados (que aqui parecem que não foram adotadas), caiu na tentação de achar que pode censurar a população e dizer o que ela pode ou não fazer em um bloco de Carnaval; optou por referendar posição política pessoal de um de seus oficiais e transformá-la em posição institucional.
E neste ponto que o porta-voz da corporação errou feio, mesmo tendo formação jurídica, uma exigência para todos os oficiais da PMMG. Não há norma jurídica que obrigue o manifestante a pautar previamente seus conteúdos à autoridade pública. Os organizadores do ato/bloco têm que antecipar suas estratégias operacionais, como finalidade (o STF já garantiu desde 2011 a liberdade de opinião), trajeto, horário, previsão de participantes.
Se a Polícia constatar excessos indiciários no correr do ato (de natureza criminal ou administrativa), proceda-se conforme a lei, isto é, submeta-se o caso concreto ao sistema de justiça, como de regra (delegacia, juiz de garantias, etc). Fora disso, é censura ideológica. A manutenção da ordem pública não pode ser argumento para censura, já que o Carnaval já é, em termos táticos e operacionais, um operação em que os protocolos de controle de distúrbios civis já consideram complexa e permeada por intercorrências de diversas naturezas.
O Comando Geral da PMMG deveria se manifestar sobre o caso.
Tanto é verdade que em outros estados (veja os casos de RJ e SP), as críticas estão sendo feitas sem nenhum tipo de constrangimento ou controle prévio, em reforço a ideia de que não cabe à polícia definir o que pode ou não ser dito. Mesmo em Minas, em anos anteriores, blocos sempre tiveram caráter profundamente contestador e autoridades eleitas já foram duramente criticadas. Não podemos achar que o Poder é isento de críticas. É mais do que esperado que depois de um processo eleitoral tão polarizado, o Presidente Jair Bolsonaro seja criticado no Carnaval. Não podemos ver problema nisso, sob o risco de enfraquecermos a vitalidade democrática.
Mas qual o limite da ação policial? É possível que o comando de uma operação interdite por juízo de viés ideológico, em pleno exercício de competência legal (proteger a legalidade e quem a exerce no plano da opinião), uma manifestação pública devidamente informada e autorizada a ocupar o espaço público?
Para responder a essa questão, o Blog pediu à Professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública, da Universidade Federal Fluminense – UFF, e hoje uma das maiores especialistas do mundo sobre polícia e policiamento, uma reflexão sobre o limite dos mandatos policiais no Brasil. Em um texto forte, Jacqueline Muniz nos alerta para os riscos das polícias se converterem em corporações sem controle.
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Polícia descontrolada é policia dominada
Por Jacqueline Muniz – DSP/INEAC- UFF
No Brasil, o mandato policial corresponde a um cheque em branco preenchido conforme a conveniência dos senhores da guerra diante da conivência com mercadores da proteção. O mandato policial é intencionalmente uma procuração em aberto que permite a manipulação politico partidária para atender a projetos escusos de poder e, ainda, a sua apropriação particularista para assegurar negócios ilícitos e caixa 2 de campanhas eleitorais.
Entre nós, o poder DE polícia, principal delegação que uma sociedade livre e plural concede ao Estado para agir em seu nome, é propositalmente convertido em mercadoria: o poder DO policial, o poder DA policia para garantir um comercio de valores, direitos e bens que incluem a nossa vida e a vida do próprio policial. Daí a ausência proposital de uma doutrina profissional do uso potencial e concreto de força que estabeleça os meios de ação (logística), defina os modos do agir (táticas) à luz dos fins determinados pela Constituição.
Daí a existência de um limbo normativo-procedimental que mascara a decisão e ação policiais impossibilitando sua aferição de mérito pela própria polícia, pelo governante, pelo MP e pela Justiça. Aqueles que deveriam governar a polícia tornam-se animadores de auditório, eles mesmos reféns da permissividade recíproca que inauguraram. Esta autonomização predatória do poder de polícia tem rendimento politico e econômico: perverte a POLÍCIA DO BEM em POLÍCIA DE BENS. Faz da polícia e dos policiais, uma moeda de troca. Torna a polícia indulgente, torna os policiais indigentes, dependentes eternos de favores de cima, de baixo e ao redor.
Transforma os policiais em mortos-vivos de patrulhamento, iludidos com a síndrome da pequena autoridade, frequentemente desmoralizada na esquina por alguma carteirada dada ou propina oferecida por “filhinhos de papai” que hoje são muitos. É preciso não se esquecer que a polícia é a política em armas! Se seu vigia fica mais forte que você, ele te dá um golpe, senta na sua cadeira e governa em seu lugar. Se seu vigia é fraco demais, ele oferta sua lealdade a quem lhe oferecer mais vantagens.
A história da democracia, da estabilização do exercício do poder nos ensina que a Espada não produz autogoverno e nem é capaz de limitar, por vontade própria, a extensão de seu corte. A espada entregue a si mesma, vira objeto de disputas entre várias mãos oportunistas e cabeças perturbadas por suas razões desiguais de cor, gênero, classe, renda, etc. A espada entregue a si mesma, corta a língua do verbo da política, qualquer política progressista ou conservadora, e rasga a letra da lei, qualquer lei igualitária ou desigual.
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Nota: O Blog deixa aberto o espaço para a PMMG caso ela queira dar sua opinião acerca do episódio.