Réplica: Bolsonaro não é Lula e Moro não é Thomaz Bastos
Espaço aberto para a réplica de Fabio de Sá e Silva* ao meu texto “Na segurança pública, Lula e Bolsonaro são mais parecidos do que gostariam“, publicado em 2 de dezembro.
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Na semana passada, as redações parecem ter sido acometidas por alguma febre que levou jornalistas e articulistas a traçarem paralelos entre Bolsonaro e Lula.
Não sei se, com isso, pretendem os veículos de imprensa forçarem Bolsonaro a alterar a rota, até agora trágica, com a qual inicia o seu governo.
Tampouco sei se atentam para o risco de que qualquer alteração pode sempre vir para pior. Veja-se, por exemplo, o que o novo presidente ou seus auxiliares e familiares dizem que querem fazer com Conselhos, agências reguladoras, e até mesmo com a Suprema Corte. A pretexto de combaterem o “aparelhamento do Estado”, essa suposta “herança maldita do PT”, promoverão, agora sim, o mais verdadeiro aparelhamento.
Renato Sérgio de Lima, nesta coluna, mostrou sintomas da tal febre.
Ao analisar as primeiras indicações sobre como o ex-juiz Sergio Moro pretende conduzir a pasta da Justiça, Lima sugeriu que estamos prestes a repetir um conjunto de apostas infelizes feitas no governo Lula 1 pelo então Ministro Marcio Thomaz Bastos.
Entre essas, destacam-se o elevado empoderamento das corporações policiais e judiciárias e a baixa atenção para as políticas de prevenção à violência e a necessidade de se melhor costurarem as relações federativas no setor.
A leitura de Lima sobre o governo Lula não é factualmente incorreta, e eu próprio tive a oportunidade de relatá-la em diversas ocasiões.
A comparação com Bolsonaro, porém, incorre em diversos equívocos.
O primeiro é que, no caso de Lula, as apostas infelizes foram resultado, e não premissa.
A premissa do governo Lula 1, consolidada no plano nacional de segurança pública elaborado no Instituto Cidadania, sob a coordenação de Luiz Eduardo Soares, contemplava todas as dimensões de cuja falta Lima se ressente, antes e agora.
A análise de Lima sobre esse período, portanto, deveria recair sobre o “desvio da rota”, o qual revela, por um lado, a incapacidade dos governos Lula e Dilma de priorizarem a segurança e enfrentarem os diversos obstáculos envolvidos para a consecução daquele plano, mas, por outro, a natureza (constitucional e financeira, mas também corporativa) desses próprios obstáculos.
Se, sob Lula, as corporações colonizaram a execução de um projeto que ia muito além delas, sob Bolsonaro são a própria base do projeto que se pretende implementar.
De resto, Lima parece preocupar-se muito com as árvores, mas pouco com a floresta.
Semelhanças podem haver aqui e ali, mas Bolsonaro não é Lula e Moro não é Thomaz Bastos.
Lula e Thomaz Bastos encontraram a PF (e o próprio Exército) fracos e defasados; justa era, portanto, a preocupação em fortalecê-los e modernizá-los. Bolsonaro e Moro assumem em um momento no qual tais corporações mostram dificuldades para atuarem nos limites impostos pela Constituição.
Sob Lula e Thomaz Bastos, o fortalecimento das corporações se deu junto com a afirmação de uma institucionalidade voltada à proteção e à defesa dos Direitos Humanos. Sob Bolsonaro e Moro, o processo vem acompanhado da intenção de conceder a policiais uma esdrúxula “licença para matar” e da estigmatização dos Direitos Humanos como “defesa de bandidos”.
Sob Lula e Thomaz Bastos, a posição secundária da prevenção veio acompanhada do Estatuto do Desarmamento. Sob Bolsonaro e Moro, vem acompanhada da promessa de flexibilização do acesso a armas, o que, segundo diversas estimativas, transformará o Brasil em um faroeste.
Sob Lula e Thomaz Bastos, por fim, a valorização das polícias e do Judiciário fora concebida (talvez ingenuamente) como meio para a promoção de “accountability” do governo. Sob Bolsonaro e Moro, há temor, não infundado, de que possa servir como meio de intimidação da oposição, à qual, em um dos seus primeiros discursos após a vitória, o presidente eleito já dissera ter reservado a “ponta da praia”.
(*) Professor Assistente de Estudos Internacionais e Professor Wick Cary de Estudos Brasileiros, Universidade de Oklahoma, EUA