A cruzada brasileira rumo à Jerusalém

Arte Folha Online
Renato Sérgio de Lima

Esta semana, o Instituto para Economia e Paz, com sede em Sydney, Austrália, divulgou a edição 2018 do Índice Global de Terrorismo – IGT (ver a íntegra aqui, na versão em inglês). Segundo este índice, as mortes por terrorismo diminuíram 27% no mundo entre 2016 a 2017 e, neste último ano, alcançaram 18.814 pessoas mortas.

No ranking geral, composto por 138 países e liderado pelo Iraque, o Brasil ocupa a 90ª posição, mais bem colocado que países da Europa e do que os EUA (20º). Se tomarmos apenas os 11 países avaliados da América do Sul, o Brasil ficou em 7º, sendo que, na Região, a nação com mais atentados terroristas em 2017 foi a Colômbia (27º.), seguida do Peru (66º).

Independentemente da posição brasileira ser relativamente boa, estes números são a evidência de que o terrorismo está longe de ser um problema menor no mundo e que as nações precisam estar preparadas para lidar com os riscos a ele associados. O terrorismo é uma das mais antigas e poderosas armas de imposição sectária e autoritária do medo e da violência.

E, para combate-lo, a prevenção e o investimento pesado em informação e inteligência são as estratégias mais eficazes. No fundo, contra a barbárie da violência política e/ou religiosa, principal combustível para o terrorismo, a vigilância constante é a forma de evitarmos ataques e anteciparmos problemas.

E é isso que analistas indicam que o presidente eleito Jair Bolsonaro parece que não está considerando ao anunciar a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, cidade que é cenário central da geopolítica mundial que antagoniza nações e, por vezes, retroalimenta o fogo do caldeirão fervente do Oriente Médio.

O fato é que, pretensamente querendo agradar o segmento religioso neopentecostal, o governo Bolsonaro está colocando o Brasil no mapa de risco do terrorismo mundial.

Em termos objetivos, enquanto o Brasil hoje é visto como país neutro em termos da geopolítica do terror, Israel tem um índice de terrorismo 3,4 vezes superior ao brasileiro e, ao nos alinharmos aos EUA e transferirmos a embaixada para Jerusalém, estaremos trazendo este problema para o nosso colo. Estamos assumindo um risco muito grande.

Mas sabendo que o governo Bolsonaro é composto por muitos altos oficiais da reserva das Forças Armadas, que são instituições que prezam pelo cultivo do pensamento estratégico e da análise de cenários, a pergunta que fica é por quê assumir tais riscos, ainda mais que eles historicamente não são nossos?

Como não há almoço grátis, segundo o ditado norte-americano, talvez o governo Bolsonaro esteja achando que os riscos da decisão sejam menores do que os benefícios de um alinhamento radical com os governos de Israel e EUA, grandes fornecedores de tecnologia militar e na área de energia.

Uma outra possibilidade é que o cálculo seja econômico, na crença de que eventuais perdas no comércio internacional advindas de potenciais sanções dos países árabes seriam compensadas por Israel e, sobretudo, pelos EUA. Ou ainda, de que o custo da violência oriundo da criminalidade comum é mais alto (R$ 258 bilhões) do que o impacto do terrorismo (US$ 52 bilhões ou cerca de R$ 201,5 bilhões) e, nessa direção, uma reconfiguração das respostas públicas frente ao crime, à violência e ao medo não encontraria grandes obstáculos políticos e legais junto ao Congresso e ao Judiciário.

E, nesse processo de reconfiguração, talvez o cálculo seja de natureza tática, já que eventuais atentados terroristas que ocorreriam no Brasil seriam argumentos simbólicos fundamentais para um projeto de poder de restrição de direitos por dentro da institucionalidade democrática, tal como ocorre hoje na Turquia, na Rússia, na Hungria e nas Filipinas (país cujo presidente, Rodrigo Duterte, tem um discurso muito parecido com o de Bolsonaro e que registrou, segundo o IGT, o maior número de mortes por terrorismo em mais de uma década no ano passado).

Talvez ainda o governo e a família de Jair Bolsonaro estejam pensando que, em termos práticos, nada mudaria, já que, na segurança, o total de mortes por atentados terroristas no mundo é cerca de 3,5 vezes menor do que as 63.880 mortes violentas intencionais registradas apenas no Brasil (ver dados para 2017 aqui) e que um aumento de mortes por atos terroristas seria diluído no trágico patamar de violência do país. O custo político seria pequeno mesmo que a um custo alto em vidas.

Dito de outro modo, se a violência criminal brasileira é muito maior do que a soma de todas as vítimas juntas dos atentados terroristas no mundo, o risco desses últimos crescerem internamente pode servir como justificativa para a aprovação mais fácil da criminalização de movimentos sociais e de manifestações por direitos fundamentais. O terrorismo é um problema global e que politicamente mobiliza muito mais do que a violência contra jovens negros das periferias do país.

Não deixa, portanto, de ser politicamente potente, na perspectiva do próximo governo, tratar a violência como um problema de defesa nacional, já que medidas de exceção poderiam ser acionadas. Isso autorizaria e aceleraria reformas legais e mobilizaria ainda mais a sociedade em torno de uma renovada agenda de endurecimento penal e institucional. Cruelmente, a possibilidade do terrorismo passaria a ser o turnpoint ideológico para a reconversão política-ideológica do Brasil propugnada pela gestão do presidente eleito. Mas não de modo direto. É necessário embala-la como fruto da ação “corajosa” e altruísta; de respeito à soberania de uma grande nação amiga.

Significa dizer que, para além de justificativas retóricas em torno da autodeterminação das nações, o anúncio de transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém não é um ato de inocência política ou um gesto para agradar os neopentecostais ou os EUA/Israel apenas. A meu ver, este anúncio parece ser uma estratégia sofisticada de reenquadramento institucional e simbólico mais afeita aos prestidigitadores políticos, que provocam debates sobre determinados assuntos para poderem esconder suas reais intenções e atingirem seus objetivos de modo mais rápido e com menos oposição.

A guerra cultural contra a agenda de direitos civis já começou! O drama é que, com isso, o Brasil corre o sério perigo de se tornar ainda mais violento, desigual e segregacionista.