Governo Temer bate cabeça no combate ao crime organizado
A falta de coordenação federativa e entre Poderes e Órgãos de Estado na prevenção da violência e combate ao crime organizado é uma das principais deficiências na melhoria da segurança pública no Brasil.
Assim, quando o Governo Temer, em parceria com o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Presidente do Senado, Eunício Oliveira, articulou a aprovação de um pacote de medidas na área, uma das iniciativas aprovadas que contou com grande apoio foi aquela que criava o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública).
O SUSP parte do conceito de cooperação e integração, na tentativa de coordenar esforços e aumentar a capacidade do Poder Público de fazer frente ao crime, à violência e à necessidade de reduzir o medo e garantir direitos. Trata-se de uma ideia que já é praticada em várias outras áreas da administração pública mas que, na segurança pública, enfrenta, por incrível que pareça, enormes resistências.
E, entre as medidas para transformar o SUSP em realidade, o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social definido na Lei foi instalado no mês passado, em cerimônia que contou com a presença da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, e do Presidente do STF, Dias Tóffoli, e de várias outras autoridades.
Como agenda de trabalho, o Ministério da Segurança propôs aos Conselheiros que tomaram posse uma minuta de Política Nacional de Segurança Pública, documento que dá partida para o planejamento decenal de programas e ações. De forma complementar, colocou a minuta de Política em consulta pública e a enviou para todos os governadores, ministérios e autoridades afeitas ao tema.
Passo seguinte, agendou para a próxima segunda-feira, dia 22 de outubro, a segunda reunião do Conselho para que todas as sugestões fossem apreciadas e a Política Nacional de Segurança Pública fosse oficialmente aprovada. O eixo central da minuta parte da percepção que, neste momento, é possível pactuar a regra do jogo, deixando para os próximos governos a definição de prioridades temáticas.
Isso porque, uma vez instituída a PNSP, todos os órgãos de segurança pública terão até dois anos para obrigatoriamente se adequarem às diretrizes fixadas, sejam eles federais, estaduais ou municipais.
O Governo Temer, contudo, dá provas que mesmo quando acerta consegue errar e bater cabeças na sequência.
Evidência maior disso é que, no último dia 16, o presidente Michel Temer publicou o Decreto 9.527/2018, que cria a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil com as competências de “analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições”.
Para tanto, o Decreto estabelece que as instituições nele previstas (por sinal, quase todas integrantes formais do SUSP) serão coordenadas pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – GSI e irão se reunir semanalmente para a elaboração de uma Norma Geral de Ação, em consonância com a Política Nacional de Inteligência – PNI e com a Estratégia Nacional de Inteligência – ENINT.
Ou seja, por trás desta medida, o Governo Temer dá mostras que a integração anunciada não será algo tão simples assim e que esta permeada de disputas por espaços e por poder.
Estamos diante de uma disputa política, pela qual alguns setores querem sinalizar quem “mandará no Brasil” daqui para frente, e, ao mesmo tempo, de uma antiga disputa doutrinária sobre qual modelo de inteligência deve prevalecer na articulação de dados e informações entre as diferentes instituições públicas – a inteligência de Estado ou a inteligência de segurança pública.
Para o leitor menos familiarizado, a doutrina de inteligência de Estado visa, muito resumidamente, monitorar alvos específicos e produzir informações necessárias tanto às análises estratégicas de cenários quanto à tomada de decisão da autoridade pública que a ela tem acesso. Já a inteligência de segurança pública visa, por sua vez, produzir informações que possam ser utilizadas na identificação formal de ameaças e na responsabilização jurídico penal daqueles que cometem delitos e crimes.
Como órgão de segurança de Estado, o GSI deveria preocupar-se muito mais com os riscos de rupturas institucionais, como a recente greve dos caminhoneiros. E, não à toa, a publicação do Decreto gerou uma enorme preocupação entre vários segmentos com a possibilidade de criminalização de movimentos sociais e de tipificação de manifestações que defendem demandas previstas na Constituição como atividades terroristas, ainda mais diante dos rumos ideológicos propostos pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL).
Só que, no “corre” diário da população, que precisa batalhar para morar, comer e viver, as ameaças do crime organizado não são apenas ameaças ideológicas e políticas à ordem social. São problemas cotidianos de segurança pública e que precisam de medidas práticas e urgentes de integração, reforço da governança das respostas públicas e de remodelamento das estratégias policiais.
E, não por outra razão, a ideia de integração de ações policiais está na minuta de Política Nacional de Segurança Pública que está em audiência pública faz mais de 30 dias e será apreciada e votada pelo Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, órgão, vejam só, do SUSP.
Diante de todos estes movimentos, é possível supor que o GSI antecipou-se e, com a justificativa de ser o órgão coordenador da área de inteligência de Estado no país, quis flexionar músculos. O fato é, uma semana antes da reunião do SUSP, a proposta de integração da inteligência de segurança pública no Brasil tomou uma bolada nas costas e perde força. E muito mais grave do que pensarmos que foi um lance de um mau jogador, vejo a jogada como uma engenhosa tática para manter a agenda na alçada da segurança nacional e subordinar as polícias estaduais aos jogos ideológicos da realpolitik de um governo fraco sobre as causas do crime e da violência.
Pragmaticamente faz sentido, já que como temos visto nas eleições, o medo da violência e o pânico provocado pelas facções renderão votos, recursos e influência política durante os próximos anos no país. E, para isso, misturar segurança pública e segurança nacional é uma forma de manter o poder e evitar mudanças. O drama é que ela de nada adiantará para os milhões de brasileiros reféns da insegurança e das opções institucionais pouco efetivas.
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Atualização 21/10/2018: 11:06hs
Depois de publicado, alguns interlocutores destacaram que o Decreto visa regulamentar o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), que não deve ser subordinado ao SUSP e que exige que as organizações criminosas sejam contempladas no rol de riscos institucionais. Concordo plenamente. O Sisbin e os seus servidores precisam ser valorizados.
Todavia, meu argumento continua intacto, ou seja, não nego a importância do Sisbin e creio que o Decreto poderia ser um instrumento válido. No entanto, ser publicado uma semana antes e sem nenhum tipo de diálogo com o SUSP são, a meu ver, muito mais indicativos de ego ferido e reposicionamento tático do que consideração com os servidores de inteligência.
E, se o foco do meu argumento, a integração, estivesse no radar, o Decreto poderia ter citado o SUSP e não só as vinculadas do Ministério e o Conselho, até porque, no jogo atual, Bolsonaro já declarou que deve extinguir o Ministério e trabalhar com a SENASP apenas. Isso sinaliza mais para reserva de mercado do que preocupação efetiva com uma estratégia de inteligência que leve em consideração as organizações criminosas.
Por fim, o timing e a forma como o Decreto foi elaborado e publicado dizem muito sobre as motivações políticas e ideológicas que o viabilizaram. Não nego a importância do Sisbin e eu acho que ele ganharia muito mais se o Decreto aguardasse a definição do Conselho do SUSP para, na sequência, ser publicado alinhado às estratégias de segurança pública, mesmo que corretamente não condicionado ou subordinado a elas.
Bastaria uma menção à PNSP do SUSP no parágrafo 1o do Artigo 3 do Decreto. Isso já passaria outra mensagem completamente diferente. Se a preocupação fosse com a efetividade da política pública, isso seria o feito, deixando para o próximo governo o ônus de justificar alterações e explicar porque um modelo menos articulado e integrado é, na visão de quem assim o quiser, mais eficiente.