Por que os evangélicos conservadores votam em Jair Bolsonaro?

Artigo escrito por Ricardo Mariano, Professor do Departamento de Sociologia da USP. O autor estuda o ativismo político-partidário e eleitoral evangélico faz mais de 25 anos.

De acordo com o Datafolha, no segundo turno, 70% dos votos válidos dos evangélicos deverão ser no candidato do PSL contra 30% no petista, Fernando Haddad. Diante de tais números, vale analisarmos o entusiasmado apoio de vários líderes evangélicos, já no primeiro turno, a Jair Bolsonaro, apólogo contumaz da ditadura militar, da tortura e de torturadores.

Há, se olharmos em perspectiva, afinidades ideológicas de evangélicos de matiz conservadora com Bolsonaro que extrapolam o batismo do capitão reformado oficiado pelo pastor Everardo, presidente do PSC, e a filiação religiosa da esposa e dos filhos. E elas se somam ao crescente alinhamento evangélico à direita resultante dos embates de seus porta-vozes mais conhecidos com governos petistas e de seu posicionamento frente à polarização política e às reivindicações identitárias.

Historicamente, as igrejas evangélicas, com raras exceções, apoiaram a ditadura e a doutrina de segurança nacional contra o “perigo comunista”. Pastor Marco Feliciano (PODE/SP) a legitima afirmando que “não houve ditadura no nosso país”. O assembleiano Victório Galli (PSC/MT) edulcora o devaneio: “quem viveu aquele tempo tem saudade do sistema de governo que era. Não tinha corrupção, não tinha ladroagem, nem essa viadagem”. “No regime militar”, exalta o capitão reformado, “restabeleceu-se o progresso, a ordem, a disciplina e a hierarquia”.

Para justificar o apoio à atual chapa de militares à Presidência e demonizar seus adversários, invocam, por exemplo, teorias conspiratórias sobre a “Ursal”, de Olavo de Carvalho. Pastores garantem que os petistas almejam implantar o comunismo soviético ou venezuelano no Brasil, perseguir os cristãos, destruir a família, abolir o direito dos pais de educar os filhos, reorientar a sexualidade das crianças.

Indignados e inconformados diante do avanço do pluralismo cultural, das reivindicações feministas e LGBTs e das mudanças nos arranjos familiares e nas relações de gênero, tencionam fazer prevalecer sua moralidade privada no ordenamento jurídico pelo controle das instituições políticas.

Bolsonaro e a bancada evangélica são aliados na cruzada moralista em defesa da “cura gay”, do “orgulho heterossexual”, dos estatutos do nascituro e da família. Defensores da agenda de grupos “pró-vida” e “pró-família”, asseveram que as minorias LGBTs oprimem a maioria heterossexual. E trabalham para discriminá-las, combatendo a união civil de pessoas de mesmo sexo, a lei que obriga a rede pública de saúde a atender vítimas de estupro, os programas de prevenção à homofobia…

Paladino da maioria cristã, o capitão reformado não tem pudores em alardear seus arroubos antidemocráticos: “Somos um país cristão. Deus acima de tudo. Não tem essa história, essa historinha de Estado laico, não. É Estado cristão. E quem for contra que se mude. Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar. As leis devem existir para defender as maiorias. As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem”.

Em debate na TV Band em 9 de agosto, Bolsonaro defendeu a imposição da “Escola sem Partido”. Deputados evangélicos que encabeçam esse projeto advogam a sobreposição dos valores da ordem familiar à educação escolar. Para coibir a suposta doutrinação ideológica, pretendem censurar professores e impor conteúdos à escola avessos ao conhecimento científico, à cidadania e à educação laica e republicana.

E, na segurança pública, foco do Blog, as bancadas evangélica e da bala, redutos do capitão reformado, compartilham a crença de que a elevada criminalidade e a ineficiência da segurança pública decorrem, em parte, de políticas de direitos humanos de partidos e governos de esquerda.

Em resposta, deputados evangélicos defendem o endurecimento das penas, a redução da maioridade penal, a revogação do estatuto do desarmamento. Pastor Eurico (PATRI/PE) propõe a prisão perpétua para traficantes. Marco Feliciano prevê a internação forçada de usuários de drogas. Marcos Rogério (DEM/RO), assembleiano, avalia que “temos uma polícia amedrontada por uma legislação que protege bandidos e pune bons policiais”.

O próprio candidato fez campanha ontem (15) em uma unidade do BOPE (Batalhões de Operações Especiais), do Rio de Janeiro, e afirmou que sua intenção é retornar o Brasil no tempo em 50 anos na segurança pública [simbolicamente para o período mais duro da ditadura militar que teve início em 1968, ano do Ato Institucional Número 5, que restringiu liberdades e endureceu o regime].

Segue disso o discurso de endosso à rejeição da legislação para conter e punir o uso imoderado da força. Onyx Lorenzoni (DEM/RS), luterano, pleiteia que as forças de segurança “tenham excludente de ilicitude formalizado na lei”. Já existe tal provisão legal, mas o parlamentar defende, na prática, a inversão do ônus da prova, ou seja, se a polícia matou, ela o fez em legítima defesa e não haverá investigação obrigatória, que exigiria a análise por parte do Ministério Público e posterior decisão do Poder Judiciário.

Inspirados por versículos bíblicos e pela guerra contra o diabo, concebem a atuação policial como a luta do bem contra o mal. Em defesa dos “cidadãos de bem”, alguns pastores confundem justiça com vingança, identificam as forças policiais com “guerreiros de Deus” e lhes conferem autoridade divina para matar.

O lema “bandido bom é bandido morto” é apoiado por 57% dos brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha de 2016, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. E tem respaldo, não de agora, de pastores e políticos evangélicos. Em discurso na Câmara em 2002, Cabo Júlio (PST/MG), pastor, propôs “extirpar” os bandidos: “Quando der para prender, prendemos; quando não, matamos”.

Em vídeo no Youtube, pastor Lucinho, da Igreja Batista da Lagoinha, incitou: “Policial cristão ou não cristão (…), você é um emissário do céu, você é Jesus ali protegendo a nossa sociedade. Então, chegou o momento, tem que usar o revólver, não tem jeito. Irmão, pega o revólver e, oh, não dá pouco tiro, não, dá muito tiro, dá muito tiro. (…) A autoridade está respaldada pela Bíblia e por Deus para sentar tiro na cara do povo que não quer viver de acordo com as nossas leis”.

Em meio a pânicos morais, teorias conspiratórias, fake news e discursos de ódio, líderes evangélicos conservadores apoiam Bolsonaro e se mostram afinados com o repertório ideológico de extrema direita, sobretudo com as propostas morais, educacionais e repressivas que, creem, vão reinstaurar a “ordem” e favorecer as igrejas.

E, mais uma vez, o fazem em nome de Deus, da família e dos valores cristãos. O problema é que, ao optarem por este caminho, ignoram que a agenda de direitos é parte pétrea da nossa Constituição Federal de 1988 e antagonizam as minorias evangélicas progressistas, defensoras dos direitos humanos, da laicidade do Estado e da democracia.

Interesses privados são assumidos como valores religiosos e servem de combustível à onda neoconservadora. Todavia, a violência naturalizada por tais interesses não é compatível com políticas públicas de segurança no Estado de Direito.

Erramos: o texto foi alterado

O texto foi alterado para retificação da frase "De acordo com o Datafolha, no segundo turno, 60% dos votos válidos dos evangélicos deverão ser no candidato do PSL contra 25% no petista, Fernando Haddad". Os percentuais corretos são 70% dos votos válidos para Jair Bolsonaro e 30% para Fernando Haddad.