A eleição de policiais candidatos não se resume à disputa Bolsonaro x Haddad
Com Alan Fernandes, Major da Polícia Militar de São Paulo e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mestre em Ciências Sociais e Doutorando em Administração Pública pela FGV-EAESP
Dentre alguns aprendizados que as eleições do último dia 7 apresentaram até o momento, uma se mostra especialmente importante para as questões que discutimos neste espaço: os temas de segurança pública alavancaram a eleição de um número bastante significativo de policiais, podendo-se destacar a eleição de quatro senadores (Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Sergipe e São Paulo) e de outros dois policiais que disputam a vaga ao Executivo na condição de Governador ou Vice-Governador (Santa Catarina e São Paulo, respectivamente).
Em outras palavras, as questões ligadas à segurança pública colocam-se, de maneira, agora mais presente, no âmbito das decisões políticas. Segurança, compreendida mais amplamente como resgate da autoridade das polícias e da ordem, entrou na agenda política do país.
Por esta razão, ao mesmo tempo em que a eleição desses profissionais poderia ser comemorada, em razão da centralidade que a segurança pública passará a ter na próxima legislatura, assiste-se, a julgar por seus discursos, uma linha-mestra que se traduz em maior endurecimento penal e de estratégias mais severas de “combate ao crime”.
E assim, podemos fazer uma associação direta entre a eleição desses agentes de segurança à chamada “onda conservadora”, que se fez presente com a eleição de candidatos mais à direita do espectro político em prejuízo de políticos ditos “progressistas”. A eleição de um número bem maior do que os atuais 18 representantes da bancada da segurança para a próxima legislatura guarda relação com movimentos desta onda e merece reflexão.
Dito de outro modo, segurança pública está sendo vista como uma agenda de direita, mas, no fundo, ela é uma agenda de Estado e que deveria ser pautada por políticas públicas orientadas por evidências e pela busca da eficiência e da efetividade das ações de todas as instituições do chamado sistema de segurança pública e justiça criminal no Brasil.
E, como reforço a esta nossa posição, uma boa base para compreendermos que a população deu um recado claro nas urnas é verificar como se deu a relação entre a eleição desses agentes de segurança e a votação, por estado, para Presidente da República, cuja disputa está sendo fortemente polarizada.
Por esta perspectiva, policiais federais, rodoviários federais, civis e militares foram eleitos em 16 Estados da Federação como Deputados Federal. Ocupando 32 cadeiras (sem contar militares das FFAA), representam mais de 6% da Câmara dos Deputados. Nos estados em que tais agentes foram eleitos, o percentual de preenchimento das vagas variou de 2,6% (Bahia) e 25% (Amazonas).
Se a pauta fosse de fato uma agenda de apenas um espectro político, a orientação de voto para Presidente da República seria inversamente proporcional aos votos dos representantes policiais (estados que votaram proporcionalmente mais em Jair Bolsonaro deveriam eleger mais policiais e estados que, em sentido oposto, votaram com mais força em Fernando Haddad deveriam ter poucos votos em policiais candidatos).
Mas isso não se comprova de modo indiscutível. De fato, o nome preferido para a Presidência foi um fator que informou a eleição de policiais, mas as distâncias não ficaram tão evidentes como o senso comum nos diria: nos 16 estados analisados, aqueles em que Jair Bolsonaro teve a maior parte dos votos, a média de ocupação de vagas a Deputados Federais por policiais será de 11%, enquanto que nos estados em que Haddad ganhou, 7% das vagas serão ocupadas por policiais, evidenciando que a polarização do eleitorado atinge a escolha de policiais apenas em parte.
Uma das explicações é a inequívoca demanda de policiais, principalmente estaduais (civis e militares) por melhores salários e condições de trabalho, cujas demandas independem de quais partidos ou orientações políticas são capazes de absorvê-las. A eleição de policiais candidatos teria no ativismo associativista e político destes profissionais um vetor de força maior do que a preferência ideológica.
Ou seja, cabe lembrar que ocorreram movimentos grevistas por parte de policiais estaduais sob o governo de diferentes partidos políticos, de forma que o voto do policial em policial, no que se refere à defesa de direitos, não observa o partido cujo representante está filiado. Contudo, o número de votos recebidos nas urnas pelos policiais eleitos permite dizer que outras demandas propiciaram a tais resultados.
A principal delas, é a existência de um discurso por “lei e ordem”, que se fundamenta no pensamento que “segurança pública é assunto de polícia” e que percorre diferentes classes econômicas (com seus consequentes reflexos políticos), mas que estabelece um sentido convergente.
Sentido esse que corre o risco de se transformar em um poderoso instrumento de eliminação do outro, seja pela morte, seja pelo depósito de vidas em presídios com precárias condições de vida, ao arrepio do Estado de Direito. A julgar pelas plataformas com as quais boa parte desses policiais foram eleitos, essa possibilidade é extremamente real e exige cuidadosa atenção por parte da sociedade e das instituições democráticas.
É necessário reforçar os canais de diálogo, transparência e fiscalização das instituições policiais no Brasil, de modo a garantir a busca por efetividade nos marcos do previsto na nossa Constituição Federal.
E, exatamente por isso, é pertinente sugerir aos que defendem possibilidades mais civilizadas para a segurança pública que é preciso respeitar a opinião do eleitorado para, com ouvidos atentos a tais demandas, percorrer caminhos que aliem ganhos em termos de controle da violência, com a intermediação do respeito aos direitos civis. Precisamos aperfeiçoar o modelo de polícia e justiça do Brasil para dar respostas concretas ao medo da violência e aos dilemas da manutenção da ordem.
Para além das quase 64 mil mortes ocorridas no último ano, temos aproximados meio milhão de pessoas que sofrem a perda de seus familiares e que, na falta de medidas preventivas que pudessem ter evitado os homicídios, reclamam vingança à falta de proteção, sentimentos que se transformam em capital político aos que acenam com a saída definitiva para tais sofrimentos.
Assim, não basta criticar aqueles que sugerem promover segurança com um “combate às forças do mal”. Isso é debate eleitoral e rende votos. Mas, se queremos melhorar o quadro de insegurança e prover serviços mais eficientes e garantir direitos, cabe-nos compreender quais recados que nos dão os milhões de cidadãos que neles votaram.
A nosso ver, é mais do que urgente a mobilização de uma ampla coalizão em torno da redução da violência e do medo; uma coalizão que se estruture na prevenção e na repressão qualificada do crime e da violência no Brasil. O medo quando transformado em pânico e desolação é um péssimo conselheiro. Mas não podemos ignorar que o medo pode ser um poderoso instrumento político.