2/3 de todos os homicídios da América do Sul ocorrem no Brasil, o país dos “profissionais da violência”
Faz uma semana que o candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, sofreu um atentado à faca e foi seriamente ferido, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Inédito no período pós-redemocratização, o ataque teria todos os elementos para ser o ápice de uma sequência de atos de violência, intolerância e fatalidades que tem marcado o ano na segurança pública.
Afinal, 2018 será agora lembrado como o ano em que a violência política fez vítimas em todos os espectros ideológicos, começando em março pelo ainda não esclarecido assassinato da Vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, e de seu motorista, Anderson Gomes.
No Paraná, dois outros episódios que também não foram completamente esclarecidos merecem destaque, ou seja, os tiros contra a caravana do ex-presidente Lula, em março, e a tentativa, em junho, de atropelamento e dos tiros disparados contra o acampamento de manifestantes que apoiavam o ex-presidente próximos à sede da Polícia Federal em Curitiba, onde ele encontra-se preso.
Não bastassem tais cenas explícitas de violência política, conflitos entre brasileiros e venezuelanos na fronteira dos dois países, em Roraima, resultaram em cenas odientas de xenofobia e em um brasileiro morto apunhalado pelas costas e em um venezuelano linchado agora em setembro. O sofrimento provocado por uma ditadura de esquerda foi reforçado pelo abandono irresponsável das porosas fronteiras brasileiras e pelo fascismo de direita de uma população acometida por uma súbita e violenta patriotada com direito ao uso vergonhoso do nosso hino nacional.
Patriotada que tem ganhado força na esteira dos discursos de ódio que tomaram conta do país nos últimos anos, sobretudo a partir da forte divisão e polarização ideológica que é entusiasticamente vendida em verso e prosa por diferentes matizes políticas e candidatos, com destaque não exclusivo para Jair Bolsonaro, que “brinca” em defender “fuzilamento” de adversários e, em cena triste, posa, mesmo ferido, para foto de sua cama no hospital simulando armas de fogo com as mãos.
O crescimento de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto para Presidente da República, embalado pela retórica da guerra, é sintoma da profunda deterioração do nosso atual quadro político e institucional e do fato de que somos um país que aceita o culto à violência como estratégia eleitoral; que aceita que a violência seja opção ética e política frente ao cenário de ódio, ressentimento, medo e insegurança que toma conta da nação. As “heresias” do candidato, como enxerga Leandro Narloch na sua coluna da Folha de S.Paulo de hoje (13) não são heresias contra o politicamente correto, como querem nos fazer crer o candidato e o colunista, mas uma ode à lei do mais forte, que solapa liberdades individuais, tão caras aos liberais que ambos se dizem porta-vozes.
Em sua história, o Brasil nunca conseguiu ter o monopólio do uso da força na mãos do Estado, ficando refém de múltiplos interesses privados, corporativistas e criminosos. E, mesmo assim, pouco olhamos para os números e efeitos das nossas opções político-institucionais e, não à toa, vamos repetindo e reproduzindo as mesmas receitas do fracasso civilizatório que nos assola. Continuamos a acreditar na “franqueza” dos discursos dos anjos guerreiros caídos do céu e não tratamos a segurança pública com a devida responsabilidade e prioridade que a área merece.
Se fizéssemos isso, notaríamos que as 63.880 mortes violentas intencionais registradas em 2017 pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública respondem por por 64,9% de todos os mais de 98.400 homicídios anuais da América do Sul, enquanto o país soma 50,4% da população do subcontinente. Sozinhos matamos bem mais, proporcionalmente, do que todos os nossos 11 vizinhos somados (excluída a Guiana Francesa, que é um território ultramarino da França e não é um país soberano).
Muitas são as causas para esta realidade, mas, diante do ataque ao candidato Jair Bolsonaro, que marcou os últimos dias e deveria servir de reflexão sobre o que estamos fazendo com a nossa nação, é até mesmo surreal ver que há quem se disponha a estimular ainda mais o ódio como linguagem na política. A violência está no meio de nós e muitos não veem problemas e acham graça quando ela é publicamente defendida! Como já perguntou a Legião Urbana, que país é este?
Ao invés de uma forte e inequívoca condenação política de um infame ato criminoso e, passo contínuo, de um chamado à razão e ao Estado de Direito, o que se viu foi o candidato a vice-presidente na chapa do próprio presidenciável, Hamilton Mourão, dobrar a insana aposta do autor da facada e, tentando surfar na comoção pública, declarar que “se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”.
Mas mais do que um ato falho do general da reserva que vestiu o figurino do político – e que precisa ser tratado enquanto tal e não mais como um militar da ativa [inclusive pelo Ministério Público Militar, que deveria apurar a notícia da existência de informes da inteligência militar contra políticos e, caso eles existam, a apropriação indébita de tais documentos públicos para fins eleitorais privados], Hamilton Mourão acabou, talvez involuntariamente, dando um retrato fiel do Brasil atual; um retrato de um país de “profissionais da violência”, que banalizam a vida e empilham corpos [negros e pobres em sua imensa maioria] ano após ano, sem que isso gere mobilização de mudança ou uma ampla comoção nacional. Um país que leva na “brincadeira” a sua segurança pública e fica de modorra quando confrontado com sua violenta história.