6 meses depois, qual o balanço da intervenção federal no Rio de Janeiro?

A Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro completa seis meses de vigência hoje. A meu ver, como balanço, temos parcos ganhos na redução de crimes patrimoniais, sobretudo os roubos de cargas, e imensos problemas, como o recrudescimento dos confrontos, dos tiroteios e dos homicídios, como revelou reportagem de Júlia Barbon e Lucas Vettorazzo, da Folha de S.Paulo. Isso para não falar do limbo ao qual foram enviados os recursos destinados à operação e que Iara Pietricovsky e José Antônio Mororni, do INESC, tão bem analisaram em artigo sobre o tema.

Em março, o FBSP e o Datafolha divulgaram a pesquisa “Rio Sob Intervenção“, que mostrava um pouco do contexto que deflagrou tal iniciativa. No fundo, temos um enorme desafio civilizatório, que assusta até o chefe da maior máquina de guerra do mundo, o secretário de Defesa dos EUA, que visitou o Rio de Janeiro esta semana em meio aos já “naturalizados” tiroteios.

Mais do que nunca, os militares das Forças Armadas foram levados a um protagonismo ingrato; uma enorme encalacrada que os pressiona a atingir objetivos que, a bem da verdade, não são deles, mas do Poder Público como um todo, incluindo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; o Ministério Público; as Polícias. E em todas as suas esferas (União, Estado e Município).

A segurança pública tem sido tratada no Brasil de forma descoordenada e caótica faz anos e não seriam poucos meses que mudariam este quadro. E, se lembrarmos a própria lógica militar, um dos elementos de sucesso de uma operação desta envergadura é a gestão de expectativas, que também tem deixado a desejar… A melhor “arma” para lidar com todas estas questões seria a transparência e a prestação de contas, mas o Comando da Intervenção resiste a adotá-la e prefere exercitar musculatura bélica. Os erros e omissões históricos na segurança acabarão contaminando a credibilidade das Forças Armadas? Espero sinceramente que não.

Mas, para fazer um balanço destes seis meses de Intervenção, reproduzo, com a devida anuência, a introdução do relatório “Vozes da Intervenção”, de autoria de Silvia Ramos, uma das coordenadoras do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes e responsável pelo Observatório da Intervenção, um consórcio da sociedade civil estruturado para monitorar esta inédita iniciativa do Governo Federal. E, além do texto, sugiro que todos assistam a este vídeo, dirigido por Bebeto Abrantes, com roteiro de Anabela Paiva. Ele toca fundo a todos e todas que acreditam na vida como valor máximo a ser preservado em um Estado de Direito.

O RIO PRECISA DE UMA POLÍTICA DE SEGURANÇA QUE SALVE VIDAS, por Silvia Ramos

Seis meses após o início da intervenção, já é possível fazer uma avaliação dessa experiência, com base no que foi realizado. Olhando os números, vemos um quadro desalentador. Os índices mais sensíveis permanecem altos, como mortes violentas, tiroteios e chacinas. Houve um crescimento preocupante de ocorrências que denotam descontrole no sistema de segurança pública, como mortes decorrentes de intervenção militar ou policial. A vitimização dos próprios agentes de segurança continua alta.

Depois de seis meses, também é difícil entender os caminhos dos recursos prometidos pelo Governo Federal, e se esse montante será usado, ou não, durante a intervenção. As dezenas de operações militares, que o próprio Exército chama de “faraônicas” e, segundo os porta-vozes da intervenção federal, chegam a mobilizar cinco mil agentes, ao custo de mais de um milhão de reais cada, arrecadaram poucas armas e tiveram efeito reduzido na desarticulação de quadrilhas até agora.

Não bastassem os números, nossa memória da intervenção tem, até aqui, a marca indelével de episódios traumáticos, como os tiros disparados de helicópteros da polícia sobre favelas e a morte do estudante Marcos Vinícius, abatido por tiros originados em um blindado, no Complexo da Maré, quando seguia para a escola. Depois de seis meses, a polícia fluminense, com sua fraca cultura investigativa, não elucidou o crime contra Marielle Franco; não explicou como se deu a chacina da Rocinha, em que oito pessoas foram executadas durante uma operação do Batalhão de Choque, em março; nem investigou as quatro mortes durante operação na Cidade de Deus, em maio. A verdade é que o Gabinete da Intervenção não deu respostas sobre as mais de 600 mortes decorrentes de ação policial ocorridas sob sua gestão. E qual é a taxa de elucidação dos mais de dois mil homicídios ocorridos no estado durante o mesmo período? Ninguém sabe.

O Gabinete da Intervenção continua sem a capacidade de integrar os agentes do sistema de segurança pública do Rio. Oficiais da Polícia Militar pouco são ouvidos nos processos de diagnóstico e planejamento estratégico da intervenção.

A Polícia Civil, responsável pela Inteligência no sistema, tem obtido poucos avanços na investigação de quadrilhas, tráfico de armas, chacinas e facções. Em compensação, faz suas próprias operações, multiplicando ações redundantes e tiroteios inúteis. Um balanço de uma das medidas chamadas de “estruturantes” do Plano revela que só quatro, entre os 39 batalhões da PM do Rio de Janeiro, foram vistoriados pelo Exército. Apenas 11 das 66 metas do Plano Estratégico da Intervenção foram cumpridas.

Após seis meses, nos damos conta de que a intervenção federal está testando um modelo de segurança pública baseado em uma concepção militar, que pensa desafios de violência e criminalidade como problemas de guerra, a ser enfrentados por generais e batalhas, e não a partir de mudanças na gestão, fortalecimento da integração, inteligência e foco na redução dos crimes contra a vida. O que está em questão é um modelo de segurança dependente de munições, tropas e equipamentos de combate.

Do nosso ponto de vista, violência e criminalidade são problemas sociais e policiais que podem ser melhor enfrentados com base em diagnósticos, prioridades, definição de metas e prestação de contas. Para isso, capacidade de gestão, transparência e apoio da sociedade são recursos tão essenciais quanto armamentos.

O comando da intervenção não entende que, mesmo ganhando batalhas e mobilizando milhares de agentes em operações, está perdendo a guerra – e, com ele, toda a sociedade do Rio de Janeiro. Estamos perdendo vidas preciosas. Estamos perdendo a disputa moral contra o crime. E estamos perdendo o ânimo com a violência. Mas o Rio de Janeiro não é um caso perdido. É um caso de políticas de segurança erradas. Violência tem solução e políticas de segurança podem salvar vidas – em vez de exterminá-las.