Bolsonaro e as fake news armamentistas

O candidato à Presidente da República, Jair Bolsonaro, que ganhou destaque esta semana ensinando uma criança a imitar uma arma de fogo, alicerça boa parte do seu discurso na defesa da liberdade dos indivíduos se armarem como solução para o drama da violência e da falência da segurança pública. E, para completar, advoga que hoje, no Brasil, existiria uma ideologia desarmamentista de esquerda que tolhe o direito de autotutela e autodefesa.

Segundo o argumento de sua campanha [e também os das de João Amoedo e Álvaro Dias, por sinal], que soube embalar o crescente efeito e a ideologia do lobby das armas nas redes sociais, o Estatuto do Desarmamento seria uma afronta ao Referendo de 2005, quando 63% da população votou contra a proibição das armas de fogo.

Nada mais falso e, mesmo, mentiroso. Afinal, as armas de fogo não são proibidas no país. O que há, a bem da verdade, é a exigência de controle, tal como existe com álcool e tabaco, entre outros preditores de malefícios para a saúde pública ou para o indivíduo.

A questão real e legal é que, no Brasil, a tese do desarmamento foi vencida e hoje qualquer pessoa que atenda aos requisitos da legislação pode e está conseguindo autorização para comprar uma arma de fogo. Ao contrário do que é alegado nas redes sociais e pelas campanhas eleitorais, o número de autorizações têm crescido.

Esta é a conclusão de reportagem de março deste ano do Correio Braziliense, feita pela jornalista Natália Lambert, à época repórter do jornal. Segundo Lambert, que obteve os dados por intermédio da Lei de Acesso à Informação, temos mais de 331 mil pessoas com registros ativos no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) — banco de dados da Polícia Federal que controla armas de fogo em poder da população em todo o país.

E, o mais importante para o argumento deste texto, o número de novas licenças concedidas pela PF subiu, ainda segundo a reportagem citada, 175% nos últimos oito anos no país. Elas passaram de uma média de 12 mil para 33 mil por ano, com o ápice tendo sido alcançado em 2015, com 36.807 novas licenças.

Dito de outra forma, os dados disponíveis indicam que o país precisa discutir a eficiência e a efetividade dos mecanismos de controle de armas. Precisa discutir, por exemplo, como Polícia Federal e Exército, que são os órgãos de Estado responsáveis pelo controle das armas civis, das polícias, de colecionadores e de militares, estão fazendo para integrar e coordenar informações e estratégias que ajudem a identificar e punir criminosos.

Mas, enquanto isso, deixamos de discutir esse tipo de iniciativa e passamos a defender e acreditar em uma enorme “fake news”, para usar um termo que os armamentistas gostam, que tem sido vendida como justificativa para a defesa política e ideológica de teses de grupos de interesse envolvidos na produção, comercialização e controle de armas e munições.

Se a questão fosse de concepção política e ideológica tão somente, até poderíamos debate-la à luz do jogo democrático e das opções e modelos de Estado. Porém, por trás dela há uma parcela ruidosa e raivosa das redes sociais que usam esse argumento para disseminar ódio e ressentimento; para cultuar mais violência como resposta para as vergonhosas taxas de crime violentos que nos assolam. O medo vai dando o tom e a efetividade da política pública vai cedendo espaço para inflamados e sedutores discursos salvacionistas e ocos.

Mas isso embute algumas armadilhas perigosas. Se olharmos o que determina a lei vigente, por exemplo, veremos que qualquer indivíduo que queira adquirir uma arma de fogo precisa dar provas de capacidade psicológica em portá-la.

Agora, se também olharmos para a qualidade, para os argumentos e a agressividade que invadem as redes sociais e as áreas de comentários dos portais e dos jornais de notícias quando o tema vem à tona, veremos que boa parte das pessoas não teria as mínimas condições de comprar uma arma, já que, muito provavelmente, seria reprovada nos testes psicotécnicos.

Ato contínuo, já que as armas não são proibidas no Brasil, Jair Bolsonaro e os demais candidatos que defendem o fim do controle das armas no país precisam dizer se concordam que tais pessoas possam comprar e portar armas livremente.

Em suma, para ficar apenas restrito ao debate das armas de fogo, o jeito direto e “verdadeiro” da campanha de Jair Bolsonaro vendê-lo como novo é, no fundo, um sofisma elaborado; é estratégia de comunicação de massa calibrada para interagir com o medo da população e com a fadiga da sociedade com um modelo de Estado injusto, corrupto e desigual.

Mas não é algo que encontra respaldo na realidade. Os candidatos que defendem a revogação da legislação sobre armas de fogo no país lembram aquela velha frase “pega ladrão”, dita por ladrões em uma multidão para gerar confusão e sorrateiramente furtarem as pessoas em meio ao caos provocado. No caso, gritam uma coisa mesmo sabendo [se é que sabem, pois ideologia cega] que o problema é outro.

Seria muito mais produtivo para a segurança pública se os candidatos estivessem discutindo como e quando garantir “controle” da violência por armas de fogo do que pautarem suas campanhas por debates estéreis, falsos e intermináveis.