Governança da segurança pública e eleições

Ilustração do artista Troche
Renato Sérgio de Lima

A pedido da CNI (Confederação Nacional das Indústrias), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública elaborou um amplo diagnóstico do setor e que, posteriormente, foi por ela aproveitado para a elaboração do Caderno com as Propostas da Indústria para as Eleições Presidenciais de 2018.

Neste Caderno, um dos pontos mais destacados é que, qualquer que seja o candidato ou candidata que seja eleito(a) em outubro deste ano, há uma série de ações de modernização da governança e da articulação de diferentes órgãos, instituições e Poderes da República que precisa da liderança da Presidência da República para ser concretizada. Chegou a hora de enfrentarmos nossos tabus e construirmos novos e mais sólidos alicerces para uma área que se tornou uma das principais preocupações da sociedade brasileira.

O Banco Mundial, o BID e várias agências multilaterais têm reforçado que novos modelos de governança são necessários para aumentar a eficiência da máquina pública. O FBSP também tem contribuído para traduzir a necessidade de governança em números e evidências que possam ser convertidos em legados de mudança e energias de transformação, sobretudo a partir da atuação do novo Ministério da Segurança Pública mas não só. Esta é uma tarefa que demanda uma ampla coalização a favor da vida. Nesse processo, o Ministério é uma iniciativa muito relevante e cujo papel é central para este projeto de mudança, porém não deve ser vista como única.

Mas o consenso em torno da urgência deste tema não para nestas entidades. O próprio Jornal Folha de S.Paulo produziu um Caderno Especial intitulado “E Agora, Brasil?”, com propostas para a área que, se analisadas, vão na mesma direção e reforçam o caráter estratégico da governança.

E, para ajudar na reflexão pública dos caminhos sugeridos, vale reproduzir alguns dados por nós compilados e algumas dessas propostas apresentadas. Elas podem fazer a diferença para uma segurança pública mais efetiva e que consiga não só reduzir as obscenas taxas de violência no Brasil, mas também garantir cidadania e diminuir os sentimentos de medo e de insegurança.

E, a partir deste consenso, muitas destas propostas já estão incorporadas por diversas agendas de trabalho e, em breve, ganharão da companhia de uma proposta detalhada para a segurança pública que está sendo construída pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelos Institutos Sou da Paz e Igarapé. Nesta proposta, a governança do sistema tem peso estratégico e é complementada por outras propostas para dilemas específicos da realidade de crime e violência do país.

O mais importante, contudo, é a sinalização de que segurança pública é e tem solução, desde que implementada nos marcos da eficiência e efetividade das políticas públicas e dos comandos constitucionais consubstanciados nas Cláusula Pétreas da Carta de 1988. Não há saída fora da agenda civilizatória e do Estado de Direito.

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Nos próximos dias iremos divulgar a 12ª. Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Púbica, que deve indicar uma piora, em 2017, do cenário de violência no país. Porém, enquanto os dados do último ano ainda estão sendo consistidos, constatamos que a situação da segurança pública no Brasil é, por qualquer que seja a régua, ruim e vem piorando nos últimos anos.

* Os dados disponíveis revelam que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes passou de 26,1 para 28,9 (aumento de 11%) entre 2005 e 2015 e a taxa de estupros por 100 mil habitantes passou de 17,5 para 24,0 (37%) entre 2009 e 2016. Em 2016, pelos dados do Atlas da Violência, superamos as 30 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes.

* Os crimes contra o patrimônio também refletem a deterioração. Entre 2007 e 2016, a taxa de roubo a instituições financeiras aumentou 47%, de 1,5 para 2,2 a cada 100 instituições. A taxa de roubos de carga por 100 mil habitantes passou de 10,1 para 13,2 entre 2007 e 2016, aumento de 31%.

* A piora na situação da segurança pública ocorre apesar do aumento da população prisional de 297 mil para 726 mil presos entre 2005 e 2016, o equivalente a uma variação na taxa de presos por 100 mil habitantes de 160,4 para 352,4 (120%) no período. Mesmo com recursos disponíveis, a burocracia envolvida na construção de novas vagas e unidades dramatiza o déficit carcerário e mostra que a política criminal e penitenciária precisa ser revisitada, caso queiramos vencer as organizações e facções criminosas que nascem e crescem entro das prisões.

* Dito de outra forma, a deterioração da área ocorre mesmo com o aumento de 27,5% nos investimentos realizados por União, estados e municípios em segurança pública, desconsiderados os efeitos da inflação. O Brasil gasta com segurança pública em torno de 1,4% do PIB, mais que os países da OCDE, que despendem cerca de 1% do PIB com essas atividades.

* Os custos da falta de segurança para o país representam, no mínimo, 6,1% do PIB ou 404 bilhões de reais por ano, quando contabilizadas as perdas de vida humana, os custos com seguros e segurança privada, as perdas com turismo e os gastos com o sistema de saúde, com o sistema prisional e com a segurança pública.

Em síntese, os problemas da segurança pública no Brasil não são poucos e as soluções de longo prazo não são simples. Apesar disso, é possível identificar um grave problema de governança entre os múltiplos órgãos que atuam no setor, nos diversos entes federativos, com baixo nível de coordenação e cooperação. Não se trata de questões gerenciais ou de sistemas de gestão, mas da definição mais clara de papéis, responsabilidade e metas. Pode parecer óbvio, mas sem articulação e coordenação, trabalha-se muito mas sem a certeza de impactos. E, desse modo, a sensação que fica é que os profissionais da área, sobretudo os policiais, são deixados à própria sorte.

Se olharmos o que ocorre no mundo, no entanto, a experiência internacional mostra que as práticas mais efetivas de política de segurança pública são baseadas na descentralização do poder de polícia e no protagonismo dos atores políticos locais. Isso não significa uma atuação independente e descoordenada das autoridades locais. E é nesse ponto que aparece a importância do papel do governo central, promovendo uma governança integrada das ações, bem como a construção de estruturas institucionais e informacionais adequadas e a capacitação de qualidade dos agentes de segurança. Não se trata de assumir tarefas que não são suas e/ou cair na tentação histórica de concentrar poder. Mas de servir de indutor de um novo pacto federativo e republicano.

Ou seja, o salto de qualidade na segurança pública brasileira apenas será possível quando o governo federal atuar como principal agente de indução e coordenação das políticas públicas em território nacional. E, para tanto, as propostas defendidas pela CNI, pelo FBSP e por outros atores conectam-se com o objetivo de dotar o governo federal de capacidades institucionais que deem conta destes grandes desafios. Não é preciso reiventar a roda ou sair fazendo malabarismos. É necessário arrumar a casa; arrumar o modo como o Estado responde ao crime e à violência. E, para isso, propomos inicialmente:

1. Colocar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) para funcionar na prática, coordenando o papel de cada ente federativo na segurança pública, o sistema de financiamento e a articulação entre diferentes esferas de governo, instâncias de Poder e órgãos de Estado. A grande inovação do SUSP é prever que o Sistema de Segurança seja guiado por Planos Decenais que deem previsibilidade de ações e, ainda, pela diretriz de que monitoramento e avaliação sistemáticas são ferramentas essenciais de gestão e governança.

2. Elaborar uma política nacional para redução de homicídios, com foco nos cerca de 120 municípios que concentram 50% do total de homicídios no país.

3. Fortalecer o Ministério da Segurança Pública, ampliando sua estrutura para abarcar atividades de melhoria da gestão das polícias e da perícia, melhoria da gestão penitenciária, articulação da defesa civil e coordenação e articulação de políticas de prevenção da violência.

4. Reestruturar o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), garantindo previsibilidade no aporte e na liberação de recursos, e exigindo-se de estados e municípios condicionalidades e contrapartidas para recebimento dos recursos, como divulgação de dados (política de transparência, não só a construção de sistemas operativos), prestação de contas, avaliação das políticas e elaboração de planos de segurança pública.

5. Criar um demonstrativo de gasto anual em segurança pública, unificado entre União, estados e municípios, com padronização dos critérios classificatórios das despesas em segurança pública.

6. Criar o Instituto Nacional de Estudos sobre Segurança Pública (INESP), com o objetivo de organizar e manter os dados de segurança pública, apoiar a avaliação de políticas de segurança, recomendar políticas de segurança com base em evidências e coordenar a avaliação da formação de profissionais de segurança. [importante dizer que o Instituto não visa apenas integrar bancos de dados, mas fomentar uma política de informação transparente e padronizada. Os investimentos em tecnologia são parte fundamental deste processo, mas é preciso estruturar ações de monitoramento a avaliação que independam de como cada dado seja produzido].

7. Criar a Escola Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (ENAESP), para aperfeiçoar a formação e profissionalização dos profissionais de segurança.

As propostas acima são um pequeno exemplo das tarefas de governança que se fazem necessárias. Até para que ações finalísticas, de combate ao crime organizado, entre outras, possam surtir o efeito desejado. Por certo são medidas que têm menor apelo eleitoral, mas elas têm a capacidade de transformar discursos políticos em impactos efetivos. Nos próximos dias teremos o início a Campanha Eleitoral e precisamos ficar atentos para que ideologias não ofusquem os reais obstáculos e entraves da área.