O SUSP e a hora e a vez da segurança pública no Brasil
Após 16 anos de idas e vindas, nesta quarta, dia 11/07, entra em vigor a lei que criou o Sistema Único de Segurança Pública – SUSP. Pensado inicialmente em 2002 por Benedito Mariano, atual ouvidor das Polícias de São Paulo; Luiz Eduardo Soares, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública; e Roberto Aguiar, Ex-Secretário de Segurança do DF e Professor da UNB, o SUSP era uma proposta que pretendia uma profunda reengenharia constitucional da arquitetura federativa e republicana sobre a qual estão assentadas as respostas públicas frente ao crime, à violência e ao pleno exercício da cidadania.
Mas a ideia de reforma ampla não conseguiu apoio e nunca vingou. O jogo de soma zero que é jogado na área tem vencido esta partida repetidamente. Enquanto isso, desde 2002, vários projetos, planos e propostas que visam discutir a integração de esforços têm sido trazidas ao debate e contribuído para manter viva a ideia de integração. E, nesse processo, vários têm sido os policiais e não policiais que reiteradamente alertam para este ponto e que, neste momento, valem ser lembrados até como forma de valorizar a crença na boa gestão.
Alba Zaluar; Jacqueline Muniz; Fábio Sá e Silva; Arthur Trindade; Guaracy Mingardi; Ursula Peres; Alexandre Schneider, Ana Sofia S. Oliveira; Marco Viniciu Petrelluzzi; Rodney Miranda; Paulo Sette Câmara; Servilho Paiva; Cláudio Beato; Flávia Carbonari; Dino Caprirolo; Alvaro Duboc; Leonarda Musumeci; Delci Teixeira; Marcelo Durante; Carolina Ricardo; Daniel Cerqueira; Helder Ferreira; Alberto Kopittke; Marcos Rolim; Michel Misse; Ignácio Cano; Pedro Strozenberg; César Barreira; José Luiz Ratton; Luis Otávio Milagres; Eduardo Pazinato; Érica Machado; Marcos Veloso; Maristela Baioni; Paulina Duarte; Oscar Vilhena; Reinaldo Gomes; Valdir Assef; Joana Monteiro; Rodrigo Ghiringelli de Azevedo; Sandro Avelar; Luís Fernando Correia; Ricardo Balestreri; Ricardo Henriques; Regina Miki (Regina De Lucca); Fernanda dos Anjos; Sérgio Abreu; Paulo Mesquita Neto; Cristina Villanova; André Garcia; Vasco Furtado; José Mariano Beltrame; José Vicente Tavares dos Santos; Gustavo Camilo; Túlio Kahn; Silvia Ramos; Luis Flávio Sapori; Isabel Figueiredo; Roberto Sá; Eduardo Battituci; Julita Lemgruber; Élcio Trindade, entre muitos outros nomes.
Seja como for, passados alguns anos, por iniciativa dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira, respectivamente, a ideia do SUSP foi resgatada e, a pedido deles, uma Comissão Especial tratou de reunir as diversas propostas em tramitação e sistematizar uma versão com os pontos consensuais. A orientação foi fugir de temas polêmicos e priorizar pontos que já eram convergentes entre os vários segmentos que militam na segurança pública.
Exatamente em função desta estratégia, o SUSP deixa diversos pontos descobertos e avança pouco na articulação, por exemplo, dos fluxos de informação e cooperação com o Ministério Público e com o Poder Judiciário. Porém, mesmo que a Lei não seja um instrumento revolucionário de modernização da segurança pública brasileira, o SUSP é um passo que vale ser mais elogiado do que criticado.
Afinal, ele é a tradução daquilo que o atual Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, tem afirmado, ou seja, de que é chegada a hora da segurança pública no Brasil. Segundo o Ministro, se nas décadas de 1980, 1990 e 2000, o Estado brasileiro criou capacidades institucionais que dessem conta de atender aos demais direitos sociais previstos na Constituição (Saúde, Educação, Assistência Social, etc), na década de 2010 é chegado o momento do país enfrentar seus medos e tabus e modernizar sua segurança pública.
O maior mérito do SUSP é situar as políticas de segurança pública no rol das políticas públicas e, como consequência, associa-las ao debate acerca da eficiência e da efetividade das ações dos direta ou indiretamente responsáveis por prover segurança e direitos no país. O SUSP traz duas inovações fundamentais: institucionaliza o uso intensivo de dados e evidências para o planejamento de ações e incorpora a avaliação e a parametrização de padrões de conformidade técnica e organizacional.
É verdade que o Sistema é, acima de tudo, ainda uma grande declaração de princípios, mas é também digno de nota que o SUSP significa um avanço em relação às propostas salvacionistas e voluntaristas que têm marcado a área nos últimos anos.
Mas é inegável que há muito a ser feito ainda. Isso porque, ao longo do século XX, as questões relativas à segurança pública quase sempre foram tratadas essencialmente como responsabilidade dos governadores de estados, posto que a maior parte do trabalho de polícia é realizado pelas polícias civis e militares estaduais. Entretanto, o tema não é apenas de responsabilidade dos estados ou, mesmo, só do Poder Executivo. Além disso, a atividade policial também é condicionada pelo direito penal e processual penal, assuntos de competência exclusiva da União e que envolvem o Ministério Público, o Poder Judiciário e o Sistema Prisional.
E, não só, muitas destas atividades são reguladas e/ou fiscalizadas por órgãos Federais como, por exemplo, o Exército brasileiro, que é quem cuida da definição, das autorizações de aquisição e controle das armas de fogo e equipamentos balísticos de todas as forças policiais do país, bem como fiscaliza a produção, comercialização e o armazenamento de explosivos. O Exército tem várias outras atribuições que impactam diretamente na segurança pública, porém não é o único, sendo que Marinha e Aeronáutica, Banco Central, Agências Reguladoras (ANATEL, CVM, etc.) também são instituições e órgãos federais envolvidos.
Assim, se queremos modernizar a área e pacificar o Brasil, um sistema integrado e coordenado de segurança pública no Brasil deve, se o objetivo é que ele seja efetivo na transformação do quadro de medo e violência, criar mecanismos de governança capazes de articular União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mas, necessariamente, precisa criar condições para a coordenação de ações entre Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como entre Ministérios Públicos, Polícias Civil, Militar, Federal, Rodoviária Federal, Guardas Municipais, Forças Armadas, Tribunais de Contas e Sistema Prisional.
E, para tanto, considerando o cenário de medo da violência, risco e vitimização presente hoje no país e, em especial, a dificuldade de coordenar tantas frentes no curto prazo (até pela vedação de PEC este ano em função da Intervenção Federal no RJ), temos que valorizar alguns vetores estratégicos de mudança e mobilização (Informação/Transparência, Financiamento, novas doutrinas; foco territorial e participação social). São eles que permitirão que as questões estruturantes da área possa ser exploradas e boas políticas públicas formuladas
Para se ter uma ideia da complexidade desta operação, se somarmos todas as diferentes instituições e órgãos públicos cujo trabalho gera impacto direto na segurança pública, teremos quase 1.400 organizações públicas envolvidas. Isso para não dizer na supervisão de atores não estatais envolvidos com o setor e que acabam, muitas vezes, determinando ações e sentidos das políticas públicas (setor privado, bancos, ONG, mídia, igrejas, organizações criminosas, entre outras). Equacionar o dilema de coordenação e governança antecede quaisquer propostas finalísticas e precisa ser priorizado em seu encaminhamento.
Em suma, se queremos reduzir a violência no Brasil, temos que ter em mente que o dia 11 de julho de 2018 marca não só o início da vigência do SUSP, mas também a promulgação da Lei que criou o Ministério da Segurança Pública. Este dia poderá vir a ser chamado do “dia D da segurança pública”, porém, para isso, é necessário que fiquemos atentos para que as disputas de poder (o veto do Presidente Michel Temer ao Instituto Nacional de Estudos em Segurança Pública, previsto na Lei que criou o Ministério, é forte exemplo) e os ruídos de competência não boicotem a janela de oportunidades criada. E, mais especialmente, é preciso insistir com que quem ganhar as eleições de outubro que não é necessário reinventar a roda e/ou voltar à época das cavernas na segurança pública brasileira.