A nociva mistura entre Polícia e política eleitoral
Em Coautoria com Rafael Alcadipani, Professor da FGV EAESP e Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Os dados relativos aos indicadores criminais do Estado de São Paulo divulgados ontem (25) pela Secretaria de Segurança Pública revelam que houve um aumento de mais de 40 % nos homicídios em comparação com o mesmo período do ano passado na capital paulista. Novamente, houve aumento de indicadores de violência contra a mulher.
A violência, mais uma vez, lembra que segurança é algo cotidiano e que não há tempo para viver de conquistas passadas. Temos que cuidar para que as polícias estejam constantemente focadas e preparadas. O desafio é valorizar as instituições e sinalizar para as necessárias mudanças no modelo de governança da área.
E é nesta perspectiva que chama muito a nossa atenção as decisões recentes do Governador Márcio França, que culmina hoje com a nomeação, após quase três meses de sua posse, do novo Delegado Geral da Polícia Civil paulista. Não há como ter meias palavras, desde que assumiu, o govenador interino de São Paulo tem atuado de maneira pouco produtiva na questão da Segurança Pública.
Em primeiro lugar, Márcio França surpreendeu a todos ao propor que a Polícia Civil fosse transferida da Secretaria de Segurança Pública para a Secretaria de Justiça. A proposta foi elaborada sem um estudo técnico detalhado de suas implicações e viabilidade de implementação. A lógica pareceu ser mais corporativista e eleitoral do que técnica.
Afinal, tratou-se de uma proposta bastante problemática, pois ela tende a aumentar a falta de integração entre as Polícias Civil e Militar. Todas as experiências que dão certo em Segurança Pública no Brasil e em diversos países do mundo envolve necessariamente a integração e a coordenação de forças e agências do sistema de Segurança e Justiça Criminal.
Se a transferência da Polícia Civil de secretaria não faz o menor sentido em termos de gestão de Segurança Pública, nos bastidores da política especulava-se que esta transferência estava relacionada com o desejo do atual governador de fazer com que a Secretaria de Justiça ficasse mais forte para atrair apoio de partidos políticos para o seu projeto eleitoral, no caso específico o PTB.
Na sequência, noticiou-se que a Polícia Civil estaria sendo negociada com os partidos políticos PP, PTB e também com o grupo político do próprio governador, o que explicaria a demora tão grande do governador em nomear o chefe da Polícia Civil ao passo que a nomeação do Comandante Geral da PM aconteceu dias após a posse do governador.
Na última semana, acreditava-se que o governador decidira nomear finalmente o chefe da Polícia Civil efetivando na função o Delegado que estava como interino. Porém, especula-se que com a surpreendente saída do PP do quadro de alianças do Governador Márcio França fez com que ele mudasse de ideia e optasse por outro nome.
A decisão mostra que a discussão dos partidos políticos jamais esteve ligada a uma discussão de um projeto de Segurança Pública e um projeto para as polícias do estado. Há outras áreas da máquina pública do estado que estão servido de moeda de troca para a reeleição do governador.
O único critério que deve ser utilizado para a nomeação de um chefe de polícia é a sua competência técnica. Um dos fatores que levou o Rio de Janeiro a série crise na área de segurança foi a forte ingerência política nas polícias do estado. Além disso, as Polícias Civis enfrentam diversos problemas em todo país e São Paulo está longe de ser uma exceção.
Ao levar para a mesa das negociações de alianças político-eleitorais a definição de um chefe de polícia vários problemas acontecem. Primeiro, o governador faz com que a reputação e a credibilidade de quadros técnicos, no caso delegados de polícia, sejam colocadas em questão. Neste tipo de ambiente, os delegados ficam acuados com medo de represarias caso contrariem os políticos.
Segundo, gasta-se tempo e energia que deveriam ser utilizadas para melhorias na instituição em conversas de política partidária que são alheias a atividade policial. Terceiro, o governo parece ser gerido muito mais pela lógica do clientelismo do que pela lógica do bem público. Quarto, cria-se a impressão que não se quer deixar que a polícia seja independente para investigar, inclusive os políticos – quais os reais interesses dos partidos em indicar o Chefe de Polícia?.
Por isso, um dos piores erros de um governante é submeter uma polícia a pressões político-partidárias que geram instabilidades, ineficiências e questionamentos, além de tirar o foco do que é importante. Ao agir da forma em que está agindo, em pouquíssimo tempo, o Governador de São Paulo criou uma crise na pasta de Segurança Pública do estado, que rapidamente parece gerar efeitos nas estatísticas de criminalidade.
A reforma das polícias nos EUA na década de 1970 garantiu a blindagem das polícias das agendas dos partidos e isso ajuda explicar a melhoria das forças policiais daquele país.
Ao invés de panaceias como a troca de Polícia Civil de secretaria ou colocar a instituição no balcão de negócios em busca de reeleição, é preciso que seja elaborado um plano para que ocorram profundas melhorias e transformações na Polícia Civil. Qual o projeto de modernização da Investigação e da Persecução Penal por trás das mudanças propostas?
Um projeto desta natureza envolveria a modernização da instituição, a contratação de novos policiais, a melhoria das condições de trabalho e dos salários das duas polícias, a diminuição da extrema burocratização dos processos internos, uma blindagem da polícia da política partidária e uma maior integração/coordenação com a Polícia Militar.
Em termos gerais, São Paulo precisa ter uma política organizada e estruturada de Segurança Pública que foque em prevenir e combater crimes que estão crescendo, como a violência contra a mulher – assunto praticamente esquecido da pauta dos governados do Estado.
A obrigação de um governo é criar condições de melhorias do bem público, não criar instabilidades e retrocessos institucionais.