Quanto vale uma vida?

A Lei que cria o Sistema Único de Segurança Pública – SUSP e a Medida Provisória que destina recursos das loterias para a área foram assinadas ontem, 11/06. E outra MP, a que cria o Ministério da Segurança Pública, está pronta para ser votada pelo Congresso.

Porém, um conjunto de reações de segmentos afetados pelas medidas começa a tomar forma, com ênfase na crítica de esportistas e associações à redistribuição de dinheiro que antes era, em tese (pois sujeito ao contingenciamento para efeitos de controle do déficit fiscal), para a área do Esportes.

Já os servidores do Ipea, na mesma direção, estão se mobilizando para retirar da MP que cria o Ministério a emenda que inclui a criação do INESP (Instituto Nacional de Segurança Pública), pois este estaria sendo proposto por desmembramento do Ipea (utilização de cargos vagos, sobretudo). Mas, segundo os servidores do Ipea, a redação da emenda é ampla demais e coloca em risco a instituição, que desde o final da década de 1960 produz estudos de alto impacto para o país.

Quase não há margem de ação e, qualquer que seja a solução, vale destacar que estas reações são legítimas e que merecem todo o nosso respeito. Todavia, no cenário de modernização da segurança pública novos recursos e estruturas são imprescindíveis e, de alguma forma, teremos que priorizar recursos para a segurança. Não para o atual modelo, ineficaz, caro e injusto. Mas para um projeto de mudança pautado por governança democrática, evidências do que dá ou não certo e indicadores robustos e transparentes.

Quanto vale reduzirmos a violência letal no Brasil? Teremos coragem política de priorizar a redução da violência e optar, mesmo que com pesar por eventuais ajustes em outras áreas (sem comprometer centros de excelência, como o Ipea, por exemplo), por uma nova e mais efetiva política de segurança pública?

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Sobre esse dilema, reproduzo abaixo análise que fiz para o Caderno Cotidiano, da Folha de S.Paulo, sobre o estudo que estima os custos econômicos da criminalidade, que a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República divulgou

Em um ambiente de forte constrangimento fiscal, o relatório sobre os custos econômicos da criminalidade no Brasil, elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e publicado com exclusividade pela Folha, traz à tona o fato de que qualquer nação que se pretenda desenvolvida precisa ter claro que equilíbrio fiscal e políticas públicas baseadas em evidências são pautas que superam preferências político-partidárias e/ou espectros ideológicos.

Afinal, não se constrói uma nação com populismos inconsequentes, sejam eles de direita, de centro ou de esquerda. A efetividade das políticas públicas e a qualidade do gasto devem ser mantras de qualquer gestor público.

Entretanto, é sempre saudável destacar que as opções para garantir tais mantras são, em uma democracia, políticas. Não podemos cair na tentação tecnocrata de vincular prioridades político-institucionais com julgamentos pré-concebidos do que é um bom ou um mau projeto; do que é a priori um bom ou mau gasto.

Políticas e programas exitosos em um país não necessariamente funcionarão na mesma intensidade em outro e, por isso, estatísticas públicas e sistemas de monitoramento e avaliação transparentes são tão importantes. Sem informações de qualidade e estudos de custo/benefício de cada intervenção, cada um terá um dado para chamar de seu.

E é neste ponto que o estudo patina. Ele faz uma metanálise detalhada de variáveis consideradas relevantes para a estimação do impacto do crime na economia. Porém, ao querer justificar a decisão política de limitação de gastos com segurança pública no levantamento exaustivo dos “custos”, o relatório desconsidera impactos sociais e particularidades que mereceriam ter sido realçadas.

Por exemplo, segurança privada é vista como um gasto ruim, já que associado a baixa eficiência das políticas públicas. Todavia, se pensarmos em um modelo de governança da área menos estatista, a segurança privada é um setor econômico que gera milhares de empregos e é indutor de novas tecnologias. Seu problema não seria o custo, mas o seu modelo de regulação.

Além disso, em termos econômicos, temos que lembrar que a modernização de um sistema de segurança disfuncional e desarticulado como o nosso exigirá investimentos muito superiores ao patamar de equilíbrio de longo prazo, já que medidas urgentes de redesenho do arranjo federativo e republicano da segurança pública terão que ser desenhadas em paralelo ao sistema atualmente em funcionamento.

Em suma, não há mágica a ser feita. É louvável pensar na qualidade do gasto, mas investir racionalmente na redução da violência e na garantia da cidadania não pode ser visto como um mero “custo”; é condição prévia para o Brasil poder ser chamado de um país mediamente desenvolvido. A grande questão política a ser respondida é, portanto, qual o modelo de segurança pública que queremos construir?