Presidente eleito Jair Bolsonaro, contenha seus ‘guardas da esquina’

Letícia Nuvem/FBSP/2017
Renato Sérgio de Lima

Existe uma história que conta que, em 13 de dezembro de 1968, quando o governo do General Artur da Costa e Silva decretou o Ato Institucional 5, que significou o endurecimento do regime autoritário inaugurado em 1964, o vice-presidente, Pedro Aleixo, foi o único a discordar dos termos do Decreto. Ele teria dito “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”.

Respeitadas as diferenças históricas, a vitória de Jair Bolsonaro no último domingo parece que está provando que a preocupação de Pedro Aleixo continua válida e, mais do que nunca, evidencia muito das dificuldades que se avizinham na convivência democrática e no respeito aos direitos fundamentais no Brasil.

São inúmeros os casos de pessoas ofendendo gays, lésbicas, negros, mulheres e jovens que, emparedados por ameaças físicas e verbais, estão desesperadamente aguardando uma voz de comando do Presidente eleito para que a “caça às bruxas” contra quem pensa e/ou é diferente seja interrompida.

Hoje pessoas que têm as marcas de suas identidades sociais e culturais na pele ou no comportamento estão sendo violentamente constrangidas pelo discurso neoconservador sem limites e ressentido, que vê o diferente como inimigo e como algo moralmente condenável.

Mulheres lésbicas estão sendo abordadas e ofendidas aos berros nas ruas pelo simples fato de estarem exercendo seus direitos à cidade e à liberdade. Isso para não dizer da estranha convergência/coordenação de inúmeras invasões para averiguações, apreensão de materiais eleitorais e interrupções de aulas nas Universidades do país às vésperas das eleições, que exigiu uma posição firme do STF.

Fechadas as urnas, chamou atenção ainda que membros das Forças Armadas participaram de homenagens à eleição de Jair Bolsonaro; e/ou pessoas atiraram para cima em clima de festa – ambas ações que, em tese, demandariam explicações e investigações para apuração de eventuais ilegalidades.

Também tivemos o juiz Sérgio Moro (que como cidadão tem todo o direito a ter suas preferências políticas mas que, como magistrado, tem que demonstrar isenção), que se sentiu à vontade para emitir nota oficial de congratulação para o Presidente eleito e no dia seguinte, sem quase ninguém achar isso no mínimo um ato de conflito de interesses, ser convidado publicamente para assumir o Ministério da Justiça ou para ir para o STF e) e muitos acharem normal.

Não bastassem todas essas sinalizações, o Presidente eleito, em uma de suas primeiras manifestações, e a Deputada Ana Caroline Campagnolo (PSL/SC) também incentivaram que alunos gravassem e denunciassem a “doutrinação ideológica” nas Universidades, provocando uma quase imediata onda de patrulha e de manifestações de ódio e ressentimentos. Há, por fim, os ataques à imprensa profissional e independente, que incomoda e provoca promessas de retaliações.

Em suma, muito já foi dito sobre as razões da chegada democrática de Jair Bolsonaro ao poder, incluindo os erros da esquerda brasileira e a influência das redes sociais no processo político do país. Porém, já em 1968, Pedro Aleixo alertava para a importância de as instituições serem capazes de conter exageros e violências, sob o risco da perda de controle e dos dirigentes serem dragados pelo “espírito do tempo”.

E é este espírito, que em alemão ficou conhecido como “Zeitgeist”, que no país podemos associar ao medo da violência e ao autoritarismo, fatores-chave na configuração do ambiente eleitoral de 2018. O medo transformou-se em pânico e cobrou seu preço nestas eleições.

A ineficiência da máquina pública, em especial aquela responsável por conter a violência, mostrou-se incapaz de oferecer propostas críveis para o cotidiano da população e está dando vazão a um profundo mal estar social hoje no Brasil; um mal estar que antagoniza setores da sociedade em nome de uma verdade religiosa e não de uma ética pública baseada na nossa Carta Magna.

E, neste momento, ao invés de palavras sinceras de pacificação, vemos que a vontade de vingança e de perseguição estão na ordem do dia. A responsabilidade dos eleitos é imediata e não pode esperar o 1o de janeiro. Presidente eleito, como pessoa, é um direito do senhor pensar qualquer coisa, mas como máxima autoridade política eleita do país, segure seus “guardas da esquina” e pare de valentias retóricas que colocam a vida e a integridade de milhares de pessoas em risco.

Suas palavras têm força. Use-as para conter violências e perseguições. O Brasil todo saberá reconhecer. A grandeza de um líder, como Churchill, que parece que o inspira, é saber conter as emoções e fazer as escolhas civilizatórias. As eleições acabaram.

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