Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O silêncio dos eleitos sobre os direitos humanos dos policiais https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/12/18/o-silencio-dos-eleitos-sobre-os-direitos-humanos-dos-policiais/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/12/18/o-silencio-dos-eleitos-sobre-os-direitos-humanos-dos-policiais/#respond Tue, 18 Dec 2018 11:29:56 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/Policiais-mortos-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=511 Com Elisandro Lotin de Souza. Sargento da PMSC. Presidente da Anaspra – Associação Nacional de Praças

Segurança pública tem sido objeto de grandes e calorosas discussões nos mais variados espaços públicos e privados. O tema foi decisivo no debate eleitoral e contribuiu para vitórias políticas algumas acachapantes. Terminada as eleições, assimilados os discursos retóricos e envolventes, declarados os vencedores(as), passa-se agora para as montagens de governos e as estratégias que buscam implementar aquilo que foi “vendido” como sendo a solução mágica para o problema público da violência que impõe angústias e gera privações para os cidadãos e, gera custos sociais, financeiros e humanos irreversíveis e, com isso, impede o desenvolvimento da nação e dos Estados.

Neste sentido divulgam-se todos os dias conversas e reuniões entre eleitos, nomeados e gestores da área e, não obstante a realidade de apoio dado aos vencedores por parte dos profissionais das bases das polícias estaduais, em nenhum momento, pelo menos até agora, falou-se sobre a situação destes milhares de mulheres e homens que sim, estão doentes e precisam de ajuda.

Por todo o Brasil irrompem todos os dias notícias de policiais, bombeiros e guardas municipais que, ignorados em seus direitos humanos mais básicos (salário digno ou em dia, saúde, moradia, condições de trabalho dignas, jornada de trabalho justa, equipamentos de proteção individual adequados, etc.), e no limite, tiram sua vida ou são obrigados a se afastarem para tratamentos de ordem psicológica, mas, sobre isso, nada, nenhuma palavra ou gesto que denote a busca por mudar esta realidade que só é conhecida por quem vive o dilema.

Daniel Cerqueira, em texto recente aqui no Faces da Violência, mostrou que os policiais brasileiros morrem 3 vezes mais por suicídio e 19 mais por assassinatos do que os policiais dos EUA; e matam 7 vezes mais. Há algo de muito errado na nossa pátria amada, Brasil.

Alias, é preciso dizer: o Estado brasileiro, não obstante legislação que determine o contrário, dificulta, esconde e camufla as informações acerca da saúde e das condições de trabalho destes profissionais, o que configura um infração a lei e uma irresponsabilidade. Conseguir dados sobre esta dimensão da atividade policial é das tarefas mais urgentes porém complexas. Em todo o país, não há sistemas de informação e/ou interesse em lidar com transparência com o problema.

Os policiais brasileiros são silenciados em suas dores e em seus direitos.

O fato é que o homem e a mulher da segurança pública nunca foram objeto de uma ampla e realista discussão sobre condições de trabalho e continuam a não ser pois não estão no radar ou na agenda dos eleitos. E, neste sentido, ao ignorar esta realidade, quaisquer projetos, principalmente os que indicam o “mais do mesmo”, não surtirão efeito algum no sentido de controlar o medo e a violência.

Isso, para além de ser um fato, é também um desrespeito e um perigo pois, ao deixar o ser humano policial, bombeiro e guarda municipal jogados à própria sorte, o Estado ignora aquilo que é mais básico em termos de governança pública da segurança: humanização das relações internas, reconhecimento de direitos e garantias básicas e valorização dos profissionais da área, principalmente os do “baixo clero” que, amordaçados em seus gritos que são por códigos disciplinares draconianos, sequer podem expor suas realidades sem correr riscos de punições as mais diversas.

Democratizar e humanizar a segurança pública passa obrigatoriamente por revelar que não existe policial, guarda ou bombeiro herói; passa por respeitar os homens e mulheres trabalhadores da segurança pública que foram e são ignorados pelo Estado brasileiro e isso se faz com o reconhecimento das vulnerabilidades humanas e sociais destes profissionais e com o consequente cumprimento de leis internacionais e nacionais, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição da República Federativa do Brasil, que completou 70 anos na última semana.

Pensar a segurança pública do presente/futuro é reconhecer que esta questão não diz respeito apenas às polícias (gestores) e que não há oposições entre um direito social básico (segurança publica) da população, Direitos Humanos e direitos dos profissionais da área. Colocar o debate nestes termos é incentivar antagonismos que se originaram a partir de incompreensões conceituais destes temas por parte de grande parte da sociedade (incluindo os próprios profissionais da área), quase sempre aquela que também é vítima da omissão e do desrespeito do Estado no que diz respeito aos seus direitos humanos e sociais mais básicos.

De modo surpreendente, o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), em vigor desde julho deste ano, prevê a incorporação de um subsistema chamado Sistema Integrado de Educação e Valorização Profissional e a Política Nacional de Segurança Pública, recém aprovada e que tem caráter vinculante e exige que as Unidades da Federação se adaptem, em dois anos, às regras do SUSP, também prevê um eixo específico para a valorização dos profissionais da área, com 15 objetivos/meta.

No entanto, é interessante notar que nenhum governante eleito e/ou as autoridades por ele escolhida para chefiar a segurança pública priorizou esta dimensão. O que há, até o momento, é retórica político-eleitoral e pouco compromisso efetivo com a vida dos policiais brasileiros.

No mês em que se comemora 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos parte significativa da população brasileira ainda luta para que estes mínimos direitos de todos os humanos sejam integralizados, e, entre estes subcidadãos, estão os milhares de policiais, bombeiros e guardas municipais que, na linha de frente, observam, por conta da construção jurídica e ideológica que os rege, seus direitos humanos sendo ignorados e surrupiados, o que os coloca também na condição de vítimas marginalizadas sob o domínio de “autoridades” que não se cansam de se envergonhar e envergonhar todos os trabalhadores do Brasil, e pior, permanecendo impunes e ditando as regras (deles, por óbvio).

Os profissionais de segurança pública, principalmente os da base, ano após ano convivem com as demonstrações de violência do Estado e da sociedade, sendo exigidos destes, serenidade, respeito à lei e a ordem. São vítimas de assédio e de condições desumanadas de tratamento e trabalho e, mesmo assim, são rigorosamente disciplinados. Quanta presunção e quanta pretensão destes que comandam os destinos da nação a custa do sangue, do suor, da humilhação e da miséria de todos nós.

]]>
0
Os desafios do SUSP e o papel das Ouvidorias de Polícia no Brasil https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/12/10/os-desafios-do-susp-e-o-papel-das-ouvidorias-de-policia-no-brasil/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/12/10/os-desafios-do-susp-e-o-papel-das-ouvidorias-de-policia-no-brasil/#respond Mon, 10 Dec 2018 20:05:15 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/15265124875afcbb6738d6b_1526512487_3x2_rt-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=503 Por Benedito Mariano, Ouvidor da Polícia de São Paulo e Presidente de Honra do Fórum Nacional de Ouvidores do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP

Foi uma iniciativa acertada do Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, de retomar o Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia, agora batizado de Fórum Nacional de Ouvidores do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), instituído pela portaria nº 163 de 28/09/18. Sua retomada pode ser vista como uma das principais medidas para implementar o Sistema Único de Segurança Pública previsto na lei federal nº 13.675 de 11/06/18.

Mesmo considerando que a lei do SUSP, na prática, é uma grande carta de intenções por não estabelecer nenhum avanço do ponto de vista de reformas estruturais do sistema de segurança pública, o fato de indicar que o Governo Federal poderá ser indutor da integração das agências públicas de segurança nas esferas federal, estadual e municipal já é um bom começo.

Infelizmente, o SUSP que, além da integração, propunha mudanças Infraconstitucionais e Constitucionais, idealizado em 2002, não saiu do papel.

Possivelmente, o setor de segurança pública do estado brasileiro seja o mais refratário a mudanças. A Constituição Democrática de 1988, que garantiu avanços nos direitos civis e coletivos, manteve inalterado o sistema de segurança pública, que carrega uma herança cultural conservadora e estruturas anacrônicas, algumas delas oriundas do período imperial.

A participação social não é só um requisito do modelo de Estado do país, mas condição para que a segurança pública seja, efetivamente, indutora de cidadania. Ela não “atrapalha” a atividade policial mas a aperfeiçoa e é fator de melhoria da confiança da população nas instituições.

Nesse processo, merece destaque na retomada do Fórum Nacional de Ouvidores da Polícia, o trabalho da atual Ouvidora Geral do Ministério da Segurança Pública, Ângela Cristina Rodrigues, que não mediu esforços para que o colegiado se reunisse nos dias 5 e 6 de dezembro, em Brasília, para aprovar seu regimento interno e estabelecer algumas diretrizes. Agora, a continuidade formal do colegiado está garantida.

O Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia foi criado em 1998 no Governo FHC através de Portaria do então Secretário de Estado dos Direitos Humanos, José Gregori. Contava com cinco Ouvidorias de Polícia: São Paulo, Minas Gerais. Rio de Janeiro, Pará e Rio Grande do Sul. Em todas elas, os Ouvidores (as) tinham mandato, condição imperativa para exercer o controle social da atividade policial.

Passados 20 anos, o agora Fórum de Ouvidores do SUSP cresceu em quantidade. Hoje existem Ouvidorias de Polícia em 23 estados da federação e na Polícia Federal. Entretanto, perdeu em autonomia e independência. Apenas cinco estados contam com ouvidores (as) com mandato: São Paulo, Pará, Rio Grande do Norte, Maranhão e Mato Grosso. Por mais empenho e dedicação que tenham os ouvidores sem mandatos, suas ações de controle da atividade policial serão sempre restritas.

Portanto, estimular e convencer os governos estaduais e federal a fortalecer o controle social da atividade policial com ouvidorias autônomas e independentes, como prevê a lei do SUSP, será o principal desafio do colegiado de Ouvidores de Polícia recém batizado.

A partir de janeiro de 2019, não teremos mais o Ministério da Segurança Pública que foi absorvido pelo Ministério da Justiça. Apesar do tema segurança pública estar entre as três principais preocupações do povo brasileiro, o Ministério específico para gestão da segurança pública, possivelmente, tenha tido a vida mais curta na história republicana.

Independentemente da estrutura formal, todavia, esperamos que o próximo Governo valorize e fortaleça o Fórum Nacional de Ouvidores do SUSP e, sobretudo, seja efetivamente indutor da criação de ouvidorias de polícia autônomas e independentes, a começar garantindo mandato para ouvidor(a) da Polícia Federal.

Com a palavra, o futuro Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

]]>
0
A ‘espada de Dâmocles’ da segurança pública https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/11/12/a-espada-de-damocles-da-seguranca-publica/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/11/12/a-espada-de-damocles-da-seguranca-publica/#respond Mon, 12 Nov 2018 12:39:53 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/15326352055b5a2845ebee1_1532635205_3x2_rt-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=416 Por Eduardo Pazinato, Advogado, Professor Universitário, Conselheiro do Instituto Fidedigna e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O Brasil vive mais um momento de fronteira na sua trajetória pendular de avanços pontuais e recuos sistemáticos em prol da construção de uma agenda verdadeiramente republicana e democrática no campo da segurança pública. Talvez, em nenhum outro período da sua história contemporânea, o país tenha-se deparado com riscos tão flagrantes de perpetuar e normalizar a prática desmedida de crimes violentos, como os homicídios, os feminicídios e os roubos.

O agigantamento do poder do crime organizado ante a inação e os reiterados equívocos estatais, em conjunto com a propagação e a convivência deletérias de um medo difuso que grassa na representação social da população como uma epidemia, provocando a emergência de saídas autoritárias como supostas respostas para as incertezas e os descaminhos da (não) política nacional de segurança pública.

A falta de uma arquitetura institucional estruturada com base em evidências, preconizando metas claras e indicadores consistentes de monitoramento e avaliação de desempenho dos órgãos brasileiros de segurança pública e justiça criminal e, sobretudo, de resultados concretos na proteção da vida humana, obstaculiza a superação de uma gestão por espasmos dependentes da pressão social.

Note-se que, somente no final do primeiro semestre de 2018, o há muito acalentado Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) ganhou forma, ao ser amalgamado em uma estrutura própria de gestão, como o Ministério da Segurança Pública (MSP), hoje em fase de extinção, assim como, em termos formais, pela edição da Lei Federal nº 13.675/2018 (“Lei do SUSP”), diga-se de passagem, em um contexto extremamente adverso.

Mesmo com os meritórios esforços do atual Ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, à frente do novo e, agora, moribundo MSP, com a proposição de uma governança integrada como ideia-força orientada por um Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, o qual, apesar dos pesares, e dos já declarados limites, começava a ganhar estofo pela realização de uma consulta pública virtual a respeito , mesmo que parcamente divulgada, como também pela chancela do reformulado Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP). Em cerca de 8 meses avançou-se bastante na agenda da segurança pública brasileira e isso, em muito, é devido ao fato de o MSP ter dado um olhar mais sistêmico para a área.

Desta feita, ao que parece, vislumbra-se a possibilidade de essa jovem política ser fulminada pela crônica de uma tragédia anunciada da descontinuidade das políticas de segurança, seja pela incorporação de outras agendas públicas, seja pela mudança de prioridades institucionais, patrocinadas por velhas novidades da correlação de forças políticas entrantes na cena pública nacional.

A anedota moral atribuída a Cícero de uma espada suspensa sobre a cabeça de Dâmocles, adulador de Dionísio, como parte do exercício de sua fortuna, descreve, de forma alegórica, a insegurança daqueles que, com grande poder, confrontam-se com a possibilidade iminente de esse atributo de autoridade lhes ser retirado, in casu, pela irracional naturalização de discursos belicistas e protofascistas, defendidos como política de Estado.

Como a linguagem constrói realidades, o pseudo-argumento do imperativo de uma “guerra” contra o “mal”, fabricada discursiva e digitalmente com o aporte dos mais modernos e pouco transparentes recursos tecnológicos, em que vale(ria) tudo, inclusive “eliminar” adversários e as diferenças que nos constituem como humanidade, configura sinais evidentes de que o ódio está vencendo a paz; o medo, a segurança; a violência, o diálogo; o desrespeito, a urbanidade; a barbárie, a civilização, a começar pelos seus aspectos simbólicos.

Para exemplificar, o programa de governo do Presidente eleito, registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tanto o do primeiro quanto o do segundo turno , ao escolher, a contrario sensu do propalado, o discurso fácil da ideologização e da lógica binária, sempre reducionista, da “guerra contra o inimigo” não oferece balizas técnicas para se projetar um efetivo controle, prevenção e redução do flagelo da criminalidade e da violência no Brasil, agora convertido em bandeira eleitoral.

Ao se respaldar em afirmações fragmentadas e esparsas, apenas reifica o sentimento de medo e insegurança, sempre os piores conselheiros, já que dispensam o necessário rigor de critérios técnicos e científicos para ancorar uma política nacional de segurança para além de meros apelos emocionais ou frases de efeito.

É sabido que em um regime presidencialista de coalizão, como o brasileiro, a dispersão de atores e pautas corporativas pode sufocar qualquer boa intenção eventualmente existente, abrindo espaço para um sistema policêntrico de demandas e negociações em torno de um populismo punitivo que se retroalimenta do estado de pavor e ceticismo generalizado da sociedade, impulsionando o uso arbitrário da violência institucional.

A redução da maioridade penal e a dilapidação do Estatuto do Desarmamento são apenas algumas das vindouras pautas-bomba desse novo arco de aliança política do Congresso Nacional, também endossadas, mesmo que de modo mitigado, pelo novo Ministro da Justiça e da Segurança em recente entrevista coletiva.

Nesse contexto, impõe-se compreender a democracia como um valor, em cuja ambiência se possa (re)fundar um Estado Democrático de Direito substantivo no campo da segurança pública. Por isso, há que se estar atento ao fato de que aquilo que se traveste de novo, na prática pode significar o velho mais do mesmo das políticas tradicionais e conservadoras que se deveria querer transformar.

Passado o processo eleitoral, exige-se uma política de segurança pública comprometida com a superação da violência e do crime para toda a cidadania brasileira, sem distinção de qualquer natureza. Do contrário, podemos todos(as) perder a cabeça!

]]>
0
Governo Temer bate cabeça no combate ao crime organizado https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/10/20/governo-temer-bate-cabeca-no-combate-ao-crime-organizado/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/10/20/governo-temer-bate-cabeca-no-combate-ao-crime-organizado/#respond Sun, 21 Oct 2018 01:34:01 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/temer-susp-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=348 A falta de coordenação federativa e entre Poderes e Órgãos de Estado na prevenção da violência e combate ao crime organizado é uma das principais deficiências na melhoria da segurança pública no Brasil.

Assim, quando o Governo Temer, em parceria com o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Presidente do Senado, Eunício Oliveira, articulou a aprovação de um pacote de medidas na área, uma das iniciativas aprovadas que contou com grande apoio foi aquela que criava o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública).

O SUSP parte do conceito de cooperação e integração, na tentativa de coordenar esforços e aumentar a capacidade do Poder Público de fazer frente ao crime, à violência e à necessidade de reduzir o medo e garantir direitos. Trata-se de uma ideia que já é praticada em várias outras áreas da administração pública mas que, na segurança pública, enfrenta, por incrível que pareça, enormes resistências.

E, entre as medidas para transformar o SUSP em realidade, o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social definido na Lei foi instalado no mês passado, em cerimônia que contou com a presença da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, e do Presidente do STF, Dias Tóffoli, e de várias outras autoridades.

Como agenda de trabalho, o Ministério da Segurança propôs aos Conselheiros que tomaram posse uma minuta de Política Nacional de Segurança Pública, documento que dá partida para o planejamento decenal de programas e ações. De forma complementar, colocou a minuta de Política em consulta pública e a enviou para todos os governadores, ministérios e autoridades afeitas ao tema.

Passo seguinte, agendou para a próxima segunda-feira, dia 22 de outubro, a segunda reunião do Conselho para que todas as sugestões fossem apreciadas e a Política Nacional de Segurança Pública fosse oficialmente aprovada. O eixo central da minuta parte da percepção que, neste momento, é possível pactuar a regra do jogo, deixando para os próximos governos a definição de prioridades temáticas.

Isso porque, uma vez instituída a PNSP, todos os órgãos de segurança pública terão até dois anos para obrigatoriamente se adequarem às diretrizes fixadas, sejam eles federais, estaduais ou municipais.

O Governo Temer, contudo, dá provas que mesmo quando acerta consegue errar e bater cabeças na sequência.

Evidência maior disso é que, no último dia 16, o presidente Michel Temer publicou o Decreto 9.527/2018, que cria a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil com as competências de “analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições”.

Para tanto, o Decreto estabelece que as instituições nele previstas (por sinal, quase todas integrantes formais do SUSP) serão coordenadas pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – GSI e irão se reunir semanalmente para a elaboração de uma Norma Geral de Ação, em consonância com a Política Nacional de Inteligência – PNI e com a Estratégia Nacional de Inteligência – ENINT.

Ou seja, por trás desta medida, o Governo Temer dá mostras que a integração anunciada não será algo tão simples assim e que esta permeada de disputas por espaços e por poder.

Estamos diante de uma disputa política, pela qual alguns setores querem sinalizar quem “mandará no Brasil” daqui para frente, e, ao mesmo tempo, de uma antiga disputa doutrinária sobre qual modelo de inteligência deve prevalecer na articulação de dados e informações entre as diferentes instituições públicas – a inteligência de Estado ou a inteligência de segurança pública.

Para o leitor menos familiarizado, a doutrina de inteligência de Estado visa, muito resumidamente, monitorar alvos específicos e produzir informações necessárias tanto às análises estratégicas de cenários quanto à tomada de decisão da autoridade pública que a ela tem acesso. Já a inteligência de segurança pública visa, por sua vez, produzir informações que possam ser utilizadas na identificação formal de ameaças e na responsabilização jurídico penal daqueles que cometem delitos e crimes.

Como órgão de segurança de Estado, o GSI deveria preocupar-se muito mais com os riscos de rupturas institucionais, como a recente greve dos caminhoneiros. E, não à toa, a publicação do Decreto gerou uma enorme preocupação entre vários segmentos com a possibilidade de criminalização de movimentos sociais e de tipificação de manifestações que defendem demandas previstas na Constituição como atividades terroristas, ainda mais diante dos rumos ideológicos propostos pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL).

Só que, no “corre” diário da população, que precisa batalhar para morar, comer e viver, as ameaças do crime organizado não são apenas ameaças ideológicas e políticas à ordem social. São problemas cotidianos de segurança pública e que precisam de medidas práticas e urgentes de integração, reforço da governança das respostas públicas e de remodelamento das estratégias policiais.

E, não por outra razão, a ideia de integração de ações policiais está na minuta de Política Nacional de Segurança Pública que está em audiência pública faz mais de 30 dias e será apreciada e votada pelo Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, órgão, vejam só, do SUSP.

Diante de todos estes movimentos, é possível supor que o GSI antecipou-se e, com a justificativa de ser o órgão coordenador da área de inteligência de Estado no país, quis flexionar músculos. O fato é, uma semana antes da reunião do SUSP, a proposta de integração da inteligência de segurança pública no Brasil tomou uma bolada nas costas e perde força. E muito mais grave do que pensarmos que foi um lance de um mau jogador, vejo a jogada como uma engenhosa tática para manter a agenda na alçada da segurança nacional e subordinar as polícias estaduais aos jogos ideológicos da realpolitik de um governo fraco sobre as causas do crime e da violência.

Pragmaticamente faz sentido, já que como temos visto nas eleições, o medo da violência e o pânico provocado pelas facções renderão votos, recursos e influência política durante os próximos anos no país. E, para isso, misturar segurança pública e segurança nacional é uma forma de manter o poder e evitar mudanças. O drama é que ela de nada adiantará para os milhões de brasileiros reféns da insegurança e das opções institucionais pouco efetivas.

***
Atualização 21/10/2018: 11:06hs

Depois de publicado, alguns interlocutores destacaram que o Decreto visa regulamentar o Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), que não deve ser subordinado ao SUSP e que exige que as organizações criminosas sejam contempladas no rol de riscos institucionais. Concordo plenamente. O Sisbin e os seus servidores precisam ser valorizados.

Todavia, meu argumento continua intacto, ou seja, não nego a importância do Sisbin e creio que o Decreto poderia ser um instrumento válido. No entanto, ser publicado uma semana antes e sem nenhum tipo de diálogo com o SUSP são, a meu ver, muito mais indicativos de ego ferido e reposicionamento tático do que consideração com os servidores de inteligência.

E, se o foco do meu argumento, a integração, estivesse no radar, o Decreto poderia ter citado o SUSP e não só as vinculadas do Ministério e o Conselho, até porque, no jogo atual, Bolsonaro já declarou que deve extinguir o Ministério e trabalhar com a SENASP apenas. Isso sinaliza mais para reserva de mercado do que preocupação efetiva com uma estratégia de inteligência que leve em consideração as organizações criminosas.

Por fim, o timing e a forma como o Decreto foi elaborado e publicado dizem muito sobre as motivações políticas e ideológicas que o viabilizaram. Não nego a importância do Sisbin e eu acho que ele ganharia muito mais se o Decreto aguardasse a definição do Conselho do SUSP para, na sequência, ser publicado alinhado às estratégias de segurança pública, mesmo que corretamente não condicionado ou subordinado a elas.

Bastaria uma menção à PNSP do SUSP no parágrafo 1o do Artigo 3 do Decreto. Isso já passaria outra mensagem completamente diferente. Se a preocupação fosse com a efetividade da política pública, isso seria o feito, deixando para o próximo governo o ônus de justificar alterações e explicar porque um modelo menos articulado e integrado é, na visão de quem assim o quiser, mais eficiente.

]]>
0