Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 No ES, violência cresce mais em cidade com projeto-piloto de Sergio Moro https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/29/no-es-violencia-cresce-mais-em-cidade-com-projeto-piloto-de-sergio-moro/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/29/no-es-violencia-cresce-mais-em-cidade-com-projeto-piloto-de-sergio-moro/#respond Sat, 29 Feb 2020 15:00:44 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/Moro-Papuda-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1323 Análise inédita do economista Daniel Cerqueira* mostra que nos  quatro meses após o início do “Programa Em Frente Brasil”, de Sergio Moro, o número de homicídios em Cariacica (ES) não apenas não diminuiu, como aumentou mais do que no resto do estado.

Fonte: Governo do Espírito Santo

O projeto-piloto “Em Frente, Brasil” (PEFB), de enfrentamento à criminalidade violenta foi lançado em 29 de agosto do ano passado pelo Governo Federal. Naquele momento, cinco municípios foram escolhidos para a sua implantação inicial, sendo eles: Ananindeua (PA); Paulista (PE); Cariacica (ES); São José dos Pinhais (PR); e Goiânia (GO).

Desde então várias autoridades e veículos de comunicação alinhados ao governo têm louvado e feito panegíricos à tão esperada política pública de segurança, finalmente implementada e que teria sido responsável por fazer diminuir o número de homicídios nas cidades escolhidas. Naturalmente, um total exagero, mesmo porque não há como avaliar o sucesso ou o fracasso de qualquer programa em lapso de tempo tão curto.

No entanto, podemos apontar aqui alguns aspectos positivos e limitações do programa, bem como analisar alguns poucos dados.

O PEFB possui algumas virtudes, que precisam ser exaltadas. Em primeiro lugar, ele abandona a retórica do enfrentamento, da ênfase no aparato repressivo e no endurecimento penal (que nunca funcionou), para uma abordagem de prevenção ao crime, por aliar um trabalho de repressão policial qualificada com inteligência e ações intersetoriais, que envolve educação, esportes, saúde, entre outras dimensões.

Em segundo lugar, o programa seria focalizado nos territórios mais violentos com ações voltadas para a juventude. Em terceiro lugar, a implementação do PEFB seria precedida por um planejamento baseado em um diagnóstico prévio das dinâmicas criminais e sociais locais. Ou seja, a abordagem do programa segue em linha ao que vários estudiosos no campo da segurança pública têm preceituado há vários anos, inclusive ao que o Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública recomendaram explicitamente no “Atlas da Violência 2018 – Políticas Públicas e Retratos dos Municípios Brasileiros.

No entanto, além de boas cartas náuticas, para se alcançar um porto seguro é necessário construir navios que permitam superar um mar revolto. Em outras palavras, além de estabelecer a direção da política é fundamental fazer um planejamento que contemple a construção de uma arquitetura institucional que alinhe incentivos dos atores e proveja os mecanismos de governança da política. Nesse ponto reside a maior fragilidade do PEFB.

A condução de políticas intersetoriais e o alinhamento de interesses e objetivos dentro de um governo é sempre uma tarefa árdua e difícil, que exige planejamento acurado, mecanismos de incentivos e a coordenação e envolvimento da principal autoridade política local. A condução de políticas intersetoriais que envolva diferentes níveis de governos federativos é mais complexa ainda.

No caso, da implementação do PEFB em Cariacica, por exemplo, enquanto um breve diagnóstico foi entregue pelo Instituto Federal do Espírito Santo em finais de setembro e início de outubro (ou seja, dois meses depois de iniciado o programa), não consta que tenha havido nenhum planejamento, com o estabelecimento de metas intermediárias por ação, responsabilidades, objetivos e meios institucionais, conforme o jornalista Vitor Vogas, da Gazeta, depreendeu da entrevista com o ministro Sérgio Moro em 31/10/2019, quando resumiu: “Tudo em aberto: Nada muito determinado”.

Uma segunda limitação do projeto diz respeito à questão orçamentária que, segundo consta, seria de R$ 4 milhões para cada município. Para se ter uma ideia, o Programa Estado Presente do Espírito Santo, um dos mais exitosos programas de segurança pública do país, implementado em 30 aglomerados territoriais no estado, consumiu R$ 523 milhões em quatro anos.

Sem uma definição de prazos e de metas intermediárias por ação fica inviável calcular qual seria o orçamento mínimo necessário, mas R$ 4 milhões é claramente um orçamento insuficiente para a consecução de um programa de prevenção ao crime, mesmo se considerar que, na base do voluntarismo, outras pastas ministeriais aloquem um orçamento para o projeto, a despeito de qualquer planejamento prévio.

Ainda a respeito dos recursos, 100 homens da Força Nacional foram enviados a Cariacica, para ajudar no patrulhamento da cidade. Isso significa que, por turno de trabalho, o Governo Federal enviou um contingente de 25 policiais para patrulhar 28 bairros, o que, obviamente, é um quantitativo residual, ainda mais que tais profissionais desconhecem o território e suas dinâmicas criminais [1] .

Um último ponto, levado a cabo pelo Governo Federal, diz respeito ao liberou geral das armas de fogo, um gol contra qualquer aspiração de um programa efetivo de prevenção ao crime.

Para finalizar, no gráfico do início deste texto analisamos os registros oficiais de homicídios dolosos em Cariacica nos quatro meses após a implementação do PEFB e nos quatro meses antes. Olhamos também a evolução dos mesmos indicadores para a Região Metropolitana de Vitória e para o estado do Espírito Santo, excluindo Cariacica.

Como resultado, constatamos que, ao contrário do que diz a propaganda oficial, enquanto as trajetórias dos índices de homicídio são parecidas, verificamos que o número de homicídio em Cariacica aumentou 22,2% após a implementação do PEFB, ao passo que na Região Metropolitana e no Estado, o número cresceu 17,2%. Ou seja, nos quatro meses após o início do PEFB não apenas o número de homicídios em Cariacica não diminuiu, como aumentou 5% mais do que no resto do estado.

* Doutor em economia, autor de “Causas e Consequências do Crime no Brasil” e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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[1] Nota do Blog: em texto publicado aqui em 5 de janeiro, destacamos que esse dado destacado por Daniel Cerqueira é ainda mais emblemático na medida em que o Programa Em Frente Brasil demandou, sozinho, o uso de 15% do efetivo da Força Nacional de Segurança Pública, revelando as dificuldades que o Governo teria para ampliá-lo.

Nota 2 do Blog: A discussão de modelos de monitoramento e avaliação de projetos proposta no texto de Daniel Cerqueira, acima, é ainda mais importante quando vemos que, quando foram publicados os números que dão conta da redução de cerca de 19% nos homicídios dolosos no Brasil (Ceará representando 20% desta queda), o Ministro mostrou-se bastante ativo nas redes para assumir protagonismo e paternidade pela realidade. Agora, com crise nas polícias e vários governadores tendo dificuldades em gerir as demandas das polícias civis e militares, o Governo Federal mudou o tom e fica ausente, não assumindo suas responsabilidades estruturais.

 

 

 

 

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Moro vira o jogo e agora é Bolsonaro que joga pelo empate https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/26/moro-vira-o-jogo-e-agora-e-bolsonaro-que-joga-pelo-empate/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/26/moro-vira-o-jogo-e-agora-e-bolsonaro-que-joga-pelo-empate/#respond Sun, 26 Jan 2020 18:14:34 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/15202073035a9c85c71bfd0_1520207303_3x2_xl-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1271 Em setembro do ano passado, antes da disputa Moro x Bolsonaro ganhar os atuais ares dramáticos, o Faces da Violência publicou o texto “No xadrez de Bolsonaro, Sergio Moro adota a tática do ‘Rei Afogado’” (ver aqui).

Partindo da premissa de que o Presidente Bolsonaro detinha as peças brancas do tabuleiro e beneficiava-se de poder calcular e fazer os primeiros movimentos da relação entre ele e o ex juiz da operação Lava-Jato, o texto vai identificar todas as tentativas do Presidente da República em manter seu Ministro da Justiça e da Segurança Pública sob controle e sob pressão.

O cálculo de Bolsonaro era que, ao prometer terrenos na Lua, seja na forma de uma futura vaga no STF e/ou a vaga de Vice na sua chapa para a eleições de 2022, Sergio Moro optaria por entrar de cabeça em seu projeto de poder e não fizesse sombra para a sua liderança política. Em troca, Bolsonaro se apropriaria do prestígio acumulado por Moro junto àqueles que acreditam que ele é o paladino do combate contra à corrupção.

Só faltou combinar com o próprio ministro, ou melhor, só faltou aplacar a vontade de poder de Sergio Moro, que muito antes de liderar a operação Lava-Jato já mostrava-se disposto a impor sua visão de mundo ao país como aquela mais correta. Passados alguns meses, diante desta desvantagem inicial, Sergio Moro adotou a tática do ‘Rei Afogado’, que no xadrez consiste em jogar na defensiva e tentar forçar o adversário ao erro, para se reposicionar na tabuleiro e esperar o momento da virada.

Em um cenário normal, essa tática não funcionaria, pois seria um mero recurso protelatório e o jogo terminaria em empate. Mas, Moro soube até aqui planejar seus passos com antecedência e, com isso, sabia que o ritmo vida loka de Bolsonaro e sua família lhe exigiria ter planos de contingência para que o lustro de sua imagem de baluarte da moralidade não saísse chamuscado – Queiroz, Laranjas, Ataque Terrorista à sede do Porta dos Fundos, surto nazista de Roberto Alvim, foram tratados a partir da blindagem da formalidade do cargo de Ministro.

A aparente equidistância mantida por Moro da narrativa bolsonarista irritou ainda mais setores próximos ao Presidente na medida em que não parece haver discordância ideológica, mas de forma e estratégia, reforçando a desconfiança de que há em curso a construção acelerada de uma via alternativa de poder.

E, o principal plano de contingência adotado pelos defensores desta via alternativa pegou os setores mais próximos da agenda bolsonarista raiz da segurança de calças curtas. Por se tratar de um tema presidencial, no qual Jair Bolsonaro construiu boa parte de sua carreira de impropérios ideológicos, ninguém esperava que Moro conseguisse roubar todo o protagonismo pela queda dos homicídios e roubos que está em curso no país dos governadores, dos secretários, do Congresso e do próprio presidente (e neste contexto que precisamos compreender a entrevista do Coronel Alberto Fraga quando este diz que Moro não entende de segurança pública).

Ainda mais quando a blindagem de imagem tem funcionado e pautas delicadas, como a diminuição das operações da Força Nacional de Segurança Pública em áreas ambientais e indígenas, a baixa execução do Fundo Nacional Antidrogas, a Execução abaixo das regras legais do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional Penitenciário, as denúncias de tortura feitas contra a Força Tarefa Penitenciária, entre outras, foram transformados em temas burocráticos e menores.

Até agora temas da gestão da pasta não colaram e Moro jogou todas as derrotas que teve no colo do governo Bolsonaro. Em sentido inverso, ele chamou para si os bônus de imagem pelos méritos da redução da violência, já que teve que recuar na pauta de combate à corrupção e, para não parecer derrota, transformou-se muito mais em um ministro da segurança do que em ministro da justiça.

Somado a esse movimento, no universo bolsonarista em constante ebulição, o reconhecimento de que o adversário tem mais capacidade de mobilização e mais voz ativa nas hostes conservadoras do que o Presidente fez implodir os arranjos populistas que tinham em Jair Bolsonaro o eixo de gravitação do Poder.

Se a eleição fosse hoje, Jair Bolsonaro provavelmente não só perderia para Moro como seria deixado na cova das hienas do vídeo postado no perfil do próprio presidente, no ano passado. Há uma nova correlação de forças sendo construída, com vínculos mais estruturais e históricos com setores de Judiciário, Ministério Público, Órgãos de Cooperação Internacional e do Mercado.

Há uma inversão de papéis que agora dispensa intermediários e a popularidade de uma personalidade como a de Bolsonaro, que serviu para tirar o PT do governo, mas que, como o episódio da crise na Amazônia demonstrou, aumenta riscos e ameaça afastar fluxos de capitais estratégicos para o Brasil.

Moro virou o jogo, está com as peças brancas e determina o ritmo do jogo. Agora é Bolsonaro que joga pelo empate.

E, diante dessa mudança, no debate sobre segurança pública, a postura de muitas polícias que tinham se afastado do diálogo com outros setores da sociedade, precisará mudar. Na atual disputa Moro x Bolsonaro, segurança é a primeira das vítimas e seus operadores foram enfraquecidos (não concentram o poder que imaginavam concentrar).

 

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Governo reduz gastos com FUNAI e Fundo Antidrogas; despesas com a PF estagnam https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/12/governo-reduz-gastos-com-funai-e-fundo-antidrogas-despesas-com-a-pf-estagnam/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/12/governo-reduz-gastos-com-funai-e-fundo-antidrogas-despesas-com-a-pf-estagnam/#respond Sun, 12 Jan 2020 18:30:58 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/EF9OX8JXYAMuk1D-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1260 Dados do Portal da Transparência sobre Execução Orçamentária da União, em 2019, corrigidos pelo IPCA, que foi divulgado semana passada pelo IBGE e que mediu em 4,31% a inflação oficial do país no ano passado, revelam que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública reduziu em 24,9% os gastos com a FUNAI e em 95,7% a execução do Fundo Nacional Antidrogas.

No caso da FUNAI, esses números são preocupantes, pois eles vêm se somar àqueles publicados aqui no Faces da Violência na semana passada e que mostram uma redução no número de operações da Força Nacional de Segurança Pública em áreas indígenas e de proteção ambiental. Há uma premissa de afastamento da agenda indígena por parte do governo federal que desconsidera o barril de pólvora e conflitualidade existente nessas localidades.

Em economia é comum falarmos de indicadores antecedentes, cujo monitoramento prévio permite prever o que deve ocorrer em um período subsequente. Em segurança não é muito diferente. Os sinais emitidos pelo governo com a redução dos gastos com a FUNAI e com operações da Força Nacional podem ser tomados como indicadores antecedentes do aumento do risco de novos conflitos, mortes e recrudescimento da violência em área de disputa de terras. O custo da postura política do governo Bolsonaro em relação aos índios será alto e cobrado em mais vidas perdidas.

No caso do Fundo Nacional Antidrogas, esse número encontrado no Portal da Transparência surpreende. Se a FUNAI está no centro do discurso ideológico do governo por representar algo que é visto como negativo para um visão de mundo obscurantista, a questão da droga também faz parte desse universo, mas com sentido inverso. Era de se esperar maior prioridade à execução do Fundo que financia ações de combate às drogas. Mas os dados revelam que não.

No primeiro semestre do ano passado o Fundo passou por mudanças legais e, entre os objetivos visados pelo MJSP, estava inclusive acelerar a venda de bens apreendidos para aumentar a arrecadação e a transferência direta para estados e outras instituições. Porém, se houve gastos, eles não foram contabilizados nesta rubrica, pois ela foi quase que zerada. E é interessante notar que, no último dia 10, o Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, explorou exatamente este tema e pediu um exame de sanidade mental ao Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ), por este último defender a descriminalização de pequenas quantidades de drogas.

Mais do que nunca, precisamos saber qual o custo da droga e da proibição, seja em termos monetários, seja em termos de impactos na sociedade brasileira como um todo.

Ainda no terreno das prioridades que ficaram “peladas com a mão no bolso”, ou seja, ficaram sem dinheiro novo e para parafrasear um vocalista de banda pop dos anos 1980 apoiador de Bolsonaro, também chama a atenção que, ao atualizar os valores pela inflação, os gastos do Ministério da Justiça e Segurança Pública com a Polícia Federal e com a Polícia Rodoviária Federal tiveram uma pequena oscilação negativa e caíram 0,33% e 0,57%, respectivamente, em relação a 2018. Ou seja, não houve novos investimentos financeiros na Polícia Federal e na PRF no ano passado e as operações realizadas precisaram ser realizadas com a reorganização dos recursos existentes.

As operações de combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e de enfrentamento ao crime organizado foram realizadas com o mesmo volume de recursos do último ano do Governo Temer. Seria importante sabermos quais foram os ganhos de eficiência que foram alcançados em 2019 e que estão associados à redução dos índices de criminalidade observados no país todo.

As áreas com crescimento de gastos são áreas ligadas à agenda econômica, como CADE e Secretaria de Defesa do Consumidor. E, em uma informação interessante, em áreas com vínculos diretos ao Gabinete, como o DRCI (Departamento de Recuperação e Cooperação Internacional). O Ministro da Justiça e Segurança Pública conduz uma política interna bastante centralizadora na execução financeira.

Por fim, há crescimento de 129,5% nas despesas com o DEPEN, com transferências e com a Força Tarefa de Intervenção, e de 32,9%, no Fundo Nacional de Segurança, Mas, neste último caso, em proporções insuficientes para atender às demandas dos estados e cumprir a legislação do SUSP que determina que os recursos oriundos de loterias deveriam ser transferidos, sem bloqueios ou contingenciamentos, para as Unidades da Federação. Na média geral, o Governo Bolsonaro gastou 5,8% a mais, em valores corrigidos, do que em 2018.

Diante de tais dados, não existe nenhuma ação, de caráter nacional e em volume suficiente, que justifique o que estamos presenciando em termos de redução de homicídios e roubos. Isso não quer dizer que ações não existam, mas que, para além dos discursos, os desafios são imensos e as questões estruturais continuam presentes.

 

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A lei anticrime e o juiz das garantias https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/12/27/a-lei-anticrime-e-o-juiz-das-garantias/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/12/27/a-lei-anticrime-e-o-juiz-das-garantias/#respond Fri, 27 Dec 2019 22:27:45 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/Pedro-Ladeira-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1241 Por Arthur Trindade M. Costa e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo*

Quem diria que o instituto conhecido como juiz das garantias seria aprovado em 2019? Mas foi exatamente o que aconteceu. A despeito do discurso de endurecimento penal do governo federal, o Congresso Nacional aprovou uma lei anticrime, cujo ponto mais importante foi a criação da figura do juiz das garantias. O presidente anunciou que, a pedido do ministro Sergio Moro, vetaria alguns itens da lei. Mais uma vez contrariando as expectativas, Bolsonaro sancionou a lei sem vetar o juiz das garantias. Dos 38 itens da lei aprovada que o Ministério da Justiça sugeriu que fossem vetados, Bolsonaro acatou a sugestão em somente 9 itens.

O juiz das garantias é instrumento de controle da atividade de investigação criminal. Na França, Espanha e Portugal, há muito se conhece a figura do juiz de instrução, que atua na fase de coleta de provas. A tendência hoje, no entanto, é a de substituição do juiz DE instrução, que coordena o inquérito, pelo juiz DA instrução, que zela pelas garantias do investigado, e evita a contaminação pelo contato do responsável pelo julgamento com provas ilícitas ou outras ocorrências durante o inquérito que maculem a necessária imparcialidade judicial, como fez o Chile de forma pioneira.

Na verdade, a legislação aprovada e agora sancionada pouco lembra o projeto original do Ministério da Justiça. Dentre várias medidas, o pacote proposto por Moro incluía a implantação do Plea Bargain, espécie de negociação processual existente no direito anglo-saxão, que permite a aplicação de pena sem a instrução e julgamento do caso. Previa também a prisão depois da condenação em segunda instância, iniciando a execução da pena antes do trânsito em julgado, medida considerada inconstitucional pelo STF, e propunha a ampliação da excludente de ilicitude para os policiais que matassem civis em situação de medo, surpresa e forte emoção. Nenhuma destas propostas foi aprovada pelo Congresso.

Como foi possível aprovar um mecanismo que visa assegurar as garantias individuais num cenário em que o Presidente e o Ministro da Justiça radicalizam o discurso de endurecimento penal?

Há quem diga que a sanção presidencial foi uma resposta de Bolsonaro às investigações sobre seu filho, senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ). Nas redes sociais, Bolsonaro foi chamado de traidor pelos apoiadores de Sergio Moro por não ter vetado a proposta. Sem dúvida, a aprovação do Juiz de Garantias foi a maior derrota politica de Sergio Moro em 2019. O episódio evidenciou mais uma vez o impasse político na relação entre Bolsonaro e Moro. O Presidente não pode demitir seu ministro mais popular sem perder significativo apoio popular. Por outro lado, uma saída precoce do Ministério poderá prejudicar bastante as ambições políticas de Moro.

A questão é muito mais complexa do que parece. Ela não se resume às relações entre Bolsonaro e Moro. A aprovação do Juiz de Garantias deve ser entendida como uma reação do Congresso Nacional contra o aumente do ativismo judicial em matéria penal verificado nos últimos anos.

As revelações feitas pelo site The Intercept Brazil mostraram uma estreita colaboração entre o juiz e os procuradores da força tarefa da Lava Jato. Isto gerou uma percepção entre parlamentares e outras autoridades de que era necessário aprimorar os controles sobre a atividade jurisdicional, para evitar os abusos praticados. Afinal, em um regime democrático a persecução criminal tem regras que não podem ser atropeladas, e talvez a mais importante delas seja a da imparcialidade judicial na condução do processo.

É importante lembrar que em agosto, os parlamentares aprovaram a nova lei de abuso de autoridade (Lei 13.869/2019), impondo limites à atuação dos promotores e policiais. A lei também fez alterações relevantes na Lei de Prisão Temporária e na Lei das Interceptações Telefônicas. Por sugestão do Ministro da Justiça, o Presidente vetou 19 dispositivos. Ao final, numa demonstração de força, o Congresso Nacional derrubou 10 vetos. Tanto a Lei de Abuso de Autoridade, quanto a criação do Juiz de Garantias, sinalizam na mesma direção: aumento das garantias individuais contras arbitrariedades cometidas no âmbito do processo penal.

No parecer encaminhado pelo Ministério da Justiça ao presidente sugerindo o veto, o argumento é de que não haveria condições estruturais para a implantação do juiz de garantias. Além disso, haveria prejuízo para a responsabilização criminal de autores de crimes complexos. O primeiro argumento foi refutado pelos defensores da proposta, que demonstraram que uma simples divisão de atribuições entre os juízes criminais já existentes supriria a maior parte da demanda, e em comarcas menores juízes de comarcas vizinhas poderiam cumprir o papel de juiz das garantias, assumindo a tarefa de avaliar os pedidos encaminhados pela polícia investigativa. Importante lembrar que o delegado de polícia continua sendo a autoridade competente para conduzir a investigação criminal no Brasil, e o papel do judiciário continua sendo o mesmo, de zelar pelos direitos e garantias fundamentais em uma etapa ainda muito marcada pela cultura inquisitorial.

A criação da figura do juiz das garantias não resolve problemas estruturais do sistema de justiça criminal no Brasil. Basta citar a questão do ciclo completo de polícia, defendida por muitos especialistas, dando a todas as policiais atribuições de coleta de provas para a instrução criminal, muito mais eficiente do que o modelo brasileiro de divisão do ciclo de policiamento. Também não minimiza a tendência de adoção de medidas populistas e pouco racionais para o combate ao crime, sem resultados efetivos mas agradáveis a uma opinião pública cada vez mais amedrontada e disposta a aceitar a exacerbação dos poderes do Estado contra a criminalidade.

De todo modo, é medida importantíssima, há muito sustentada pelos defensores do modelo constitucional de investigação criminal acusatória. É uma resposta efetiva aos abusos praticados tanto pela Lava-Jato quanto no dia a dia dos processos criminais, em que relações indevidas entre juízes, policiais e promotores acabam por comprometer a lisura do processo. Talvez estejamos diante da mais importante inovação procedimental no Brasil desde a criação dos Juizados Especiais Criminais, que se não produziram todo o impacto desejado na administração judicial dos delitos de menor potencial ofensivo, inovaram no tratamento da pequena conflitualidade social, garantindo a abertura do poder judiciário para crimes que até então eram mediados ou pura e simplesmente arquivados nas delegacias de polícia.

Como toda mudança procedimental, a implantação do juiz de garantias pode gerar resultados imprevistos ou indesejados. De todo modo, abre a possibilidade para que operadores judiciais vocacionados para o exercício de sua função constitucional de defensores dos direitos e garantias fundamentais de todo cidadão que seja alvo de uma investigação criminal, possam exercer o seu papel, evitando a contaminação do processo. A democracia e o devido processo agradecem.

*Integrantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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Os efeitos da aliança Bolsonaro e Moro na segurança pública em 2019 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/12/14/os-efeitos-da-alianca-bolsonaro-e-moro-na-seguranca-publica-em-2019/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/12/14/os-efeitos-da-alianca-bolsonaro-e-moro-na-seguranca-publica-em-2019/#respond Sat, 14 Dec 2019 14:46:15 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/1tsah3apj0llx24wiepev1c6x-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1215 Desde a redemocratização, todas as gestões anteriores à de Jair Bolsonaro lidaram com o tema da segurança pública na chave da emergência e do gerenciamento de uma grande crise, quando o problema caiu literalmente no colo da União, a exemplo do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, que só foi viabilizado após o fim trágico do sequestro do ônibus 174, em 2000, ou o da Intervenção Federal, em 2018, após cenas abertas de violência urbana e o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, que teve presidente vampiro em destaque, ambos no Rio de Janeiro.

De lá para cá, ministros, policiais, secretários, governadores, universidades, institutos de pesquisa e entidades da sociedade civil se mobilizaram e produziram evidências e novas práticas. Todavia, o fato é que todos os presidentes anteriores, de José Sarney a Michel Temer, não assumiram e/ou foram lenientes com a pauta da segurança pública e em várias ocasiões tentaram dizer que a questão era dos estados e não do governo.

Ou seja, mesmo sem a prioridade presidencial, muito foi feito, importante frisar, mas sem nenhum tipo de coordenação ou fio político e simbólico condutor que traduzisse o emaranhado de ações, programas, políticas e planos em resultados palpáveis para quem precisa utilizar transporte coletivo e está sujeito a ser vítima de violência física, sexual e patrimonial a cada segundo do seu dia. E, como agravante, os índices criminais refletiam esse descontrole e só cresciam. O medo tomou conta da política.

Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente que colocou o tema como central em sua campanha e chamou para si, a seu modo tosco e autoritário, a responsabilidade por resolvê-lo abertamente. E, não só, em um lance que ainda deve lhe cobrar um preço alto no médio prazo, trouxe para o seu ministério, Sergio Moro e seu enorme poder de agenda e mobilização, o que lhe permite tentar a todo momento sequestrar a agenda dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público e pautar a agenda bolsonarista na segurança.

Como analisa Arthur Trindade Maranhão Costa, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da UNB, Bolsonaro assumiu a presidência com as melhores condições político-institucionais na segurança pública em décadas, pois ele se beneficia de não precisar atuar sob pressão da emergência já que a maior parte dos números da criminalidade teve a sua queda nacionalizada no começo de 2018 (sim, vários estados já estavam reduzindo seus índices criminais desde 2014).

Ao mesmo tempo, o Governo Bolsonaro beneficia-se de legados de policiais que atuam no Ministério da Justiça e Segurança Pública faz anos e, sobretudo, de iniciativas de integração que foram desenhadas na breve mas fundamental existência do Ministério da Segurança Pública, em 2018, e em ações locais de governos estaduais no âmbito policial e prisional, que investiram pesado no controle de facções e, sem entrar no mérito/defeitos de cada uma delas, revela que há um enorme esforço acumulado em termos de tecnologia, informação, inteligência, contratação de novos policiais, construção de novas unidades, entre outros.

Só o Ceará, por exemplo, conseguiu reduzir em mais de 50% seus índices criminais entre 2018 e 2019. A Paraíba, por sua vez, tem conseguido reduzir seus índices faz quase uma década. O Espírito Santo, mesmo sem ter praticamente criado nenhuma vaga nova em presídios desde 2015, está conseguindo equilibrar novas prisões e alternativas penais e, com isso, não pressionar o sistema ao ponto de incentivar uma crise que se avizinhava.

Todos esses estados são governados por partidos de oposição ao Presidente Bolsonaro. Mesmo assim, o Governo Bolsonaro, em especial o Ministro Moro, tem insistentemente tentando assumir a paternidade pela queda nacional da criminalidade. A União tem responsabilidade e méritos, mas ao tentar assumir nas redes sociais  protagonismo exagerado não há escusas que escondam a vontade de poder e a pouca disposição para o diálogo e para aceitar a diferença democrática de visões de mundo.

É fato que as tentações são grandes, pois a cadeira presidencial tem um enorme magnetismo político e por isso mesmo a prioridade dada por ela a um tema é tão importante. Já em 2014 eu, Julita Lemgruber e Rodrigo Azevedo falávamos sobre esse efeito do cargo de Presidente (ver artigo aqui).

E, se junto com tal prioridade, há a adesão ideológica como ocorre com parcelas significativas das Polícias Militares, Civis e Federais, pode ficar a sensação de que o projeto defendido é hegemônico e que falar de AI5 é banal ou eticamente aceitável. Não é; e não é independente da quantidade de pessoas diretamente atingidas pois é um ato contra a liberdade e a dignidade do povo brasileiro.

Mas, voltando, os benefícios que Bolsonaro tem com medidas de outros não se restringem ao Poder Executivo. Após fugir do debate sobre segurança e sistema prisional nos últimos anos, o Judiciário, por intermédio do Conselho Nacional de Justiça criou, em 2018, um amplo Programa de ação, o Justiça Presente, que acaba de completar 1 ano de implantação, que, entre outros objetivos, esta usando de tecnologia para reduzir o número de presos provisórios no país, que alguns estados chega a mais de 55%.

Outro exemplo é que o Conselho Nacional do Ministério Público, em parceria com CNJ, incluiu o monitoramento dos homicídios como um dos temas do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, projeto que ambos mantêm.

Em resumo, para além dos gestos visíveis, que fazem com que muitos analistas foquem apenas no vai e vem da pauta normativa e legislativa para entender o primeiro ano do atual governo, que é importante mas é parcial (a leitura só desta faceta vai revelar um esforço de desconstrução dos marcos legais que regulamentam a Constituição de 1988 mas não vai revelar o cenário político institucional mais amplo), a queda da violência e a falta de articulação do trabalho acumulado dos outros garantem que Bolsonaro e Moro não sejam pressionados por crises e possam dar o ritmo da agenda política de acordo com seu projeto autoritário de poder. 

Em 2019, na linha façam o que eu digo mas não façam o que eu faço, Bolsonaro fez o que as evidências sempre disseram que era urgente ser feito, que é dar prioridade ao tema. Agora, Jair Bolsonaro e Sergio Moro deveriam basear efetivamente suas ações em evidências e deixarem a retórica da violência de lado e tratarem segurança pública como política de Estado e não trata-la como bandeira autoritária de poder (mas daí já é querer demais, infelizmente).

 

 

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Segurança: um muro de arrimo para Moro chamar de seu https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/10/06/um-muro-de-arrimo-para-moro-chamar-de-seu/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/10/06/um-muro-de-arrimo-para-moro-chamar-de-seu/#respond Sun, 06 Oct 2019 20:35:37 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/EF9OX8JXYAMuk1D-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1106 Como em política não existe vácuo e o combate a corrupção encontra-se no terreno minado das possíveis pedaladas jurídicas, o Ministro Sergio Moro tem atuado de forma intensa nas redes sociais para se apropriar da agenda da segurança pública e aproveitar a queda de alguns crimes violentos para fortalecer sua posição nas disputas de poder hoje em curso no país. Ele está em busca de uma nova marca.

Posição que, como já foi dito aqui no Faces da Violência, tem construído pontes com militares das Forças Armadas, sobretudo com os Generais Augusto Heleno e Villas Boas, para balancear a força do apoio das polícias militares diretamente ao Presidente Bolsonaro.

Antes uma agenda exclusiva do Presidente Jair Bolsonaro dentro do governo, a segurança pública tornou-se o muro de arrimo de Moro, que tem buscado apresentar várias ações pontuais de sua gestão, de governos locais e das polícias estaduais como “prova” de que a causa da redução é a sua atuação à frente da pasta da Justiça e da Segurança Pública.

Mas, uma análise objetiva dos acontecimentos, não autoriza ninguém a dar crédito à uma narrativa política exagerada e que, em termos práticos, não é de todo verdadeira. Isso não significa que não tenhamos a obrigação de identificar ações das polícias na gestão Moro que parecem surtir efeitos e que deveriam ser mais bem estudadas e avaliadas (para serem replicadas, se for o caso).

Moro parece afetado pela ansiedade e pela vontade de hegemonia que recorrentemente tomam conta dos políticos. Mas segurança não é improviso ou pode ser gerida do faroeste das redes sociais. Se assim fosse, hoje tudo mil maravilhas, mas ao menor sinal de problemas, tudo o que é sólido desmancharia no ar – com o agravante de a culpa recair sempre nos policiais e nos outros, nunca no político.

Na segurança pública, Sergio Moro esta tendo uma atuação muito parecida com Dilma Roussef, que de seu palácio em Brasília olhava o mundo como se tudo soubesse e se de ninguém ou do Parlamento precisasse, sem notar que a sociedade em movimento não segue um destino inexorável. A política serve para construir consensos e não para impor a vontade daquele que conjunturalmente pareça mais forte.

Em termos concretos, ações integradas entre Polícias Federal e Rodoviária Federal e estaduais; envio de policiais mobilizados pela Força Nacional; criação de Centros Integrados e Comando e Controle (com várias marcas e nomes), Planos Pilotos (Em Frente Brasil, Pronasci, GGIs Municipais, etc), SINESP (criado em 2012) são ações e programas importantes e que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública teve a sabedoria de mantê-los e, em alguns casos, ampliá-los. Parabéns!

Porém, não há nenhuma inovação política ou institucional. Eles são o aprimoramento positivo de projetos, na medida em que políticas públicas de segurança não devem ficar à mercê das vontade do dirigente de plantão. Até por isso, muitas dessas importantes ações estão sendo feitas pelo comprometimento de governadores, prefeitos, secretários e policiais, vários de Unidades da Federação governadas por partidos de oposição. E sem o repasse de recursos, já que quase não há dinheiro para cooperação federativa.

A queda da violência no Brasil não é responsabilidade de Moro ou Bolsonaro e precisa ser vista em perspectiva. Ela é devida, em grande medida, a dinâmicas locais e não há estudos fidedignos que estabeleçam relações de causa e efeito entre o que Moro tem feito e a tendência dos homicídios. Se algum fator nacional se fez presente, esse fator são as polícias, porém cujas normas não foram mudadas pela atual gestão e continuam informadas por leis anteriores à nossa Constituição.

O gráfico abaixo (atualizado às 21:07 para incluir as legendas) mostra que a queda da violência letal teve início muito antes de Bolsonaro e Sergio Moro e que o comportamento das linhas de tendência por médias móveis não indicam nenhum fator preponderante que tenha acentuado a curva após a posse do atual governo. Ao contrário, a tendência dos sete primeiros meses deste ano é similar ao mesmo período de 2018 (retângulos em destaque). E mesmo em 2017, a queda ocorreu em vários momentos.

 

Mantidas as condições de 2018, a projeção no gráfico mostra que a violência continuará caindo. Ou seja, o que está provocando a queda está associado às políticas públicas, mas não é exclusivamente pautado/causado por elas. Temos que investir em programas de monitoramento e avaliação que nos digam, de fato, quais as variáveis em jogo. O esforço por vender a ideia de que a violência é fruto exclusivo da gestão Bolsonaro é, em essência, um mero recurso retórico.

Se fosse verdade que a queda dos homicídios é devida ao novo governo federal, teríamos um incremento na tendência da queda desde janeiro e não um comportamento similar. O MJSP tem equipes de excelência no tratamento estatístico de dados que poderiam auxiliar na formatação de um discurso político mais aderente à realidade e, por conseguinte, mais potente.

No máximo, podemos dizer que as medidas desastradas na área da regulação das armas de fogo e munições ainda não surtiram efeitos e não estão atrapalhando (ou ajudando, antes que alguns achem isso). Mesmo algumas das ações de Bolsonaro que parecem ser a mais fortes candidatas a estarem associadas à queda dos homicídios, como a transferência de lideranças de facções e a maior disposição da PF em ir atrás do dinheiro do tráfico de armas e de drogas, são ações que ganharam fôlego nesta gestão, mas não começaram hoje.

É claro que o Governo pode e deve comemorar; pode e deve explicitar que continua políticas de Estado que estão dando resultados e investe em identificar todas as variáveis em jogo. E, se for o caso, inova. Todavia, a incapacidade de diálogo e a necessidade de criar contrapontos o tempo todo para manter a polarização que o levou ao poder estão boicotando a ambiência política e institucional.

Basta ver o impacto da Campanha em defesa do Pacote Anticrime, que gerou um enorme desconforto na Câmara dos Deputados e teve por objetivo acuar os deputados, como o próprio Deputado Rodrigo Maia disse para a Folha de S.Paulo.

Não há escusas eticamente válidas para nos perdermos nos discursos vazios e não garantir que a epidemia de violência seja efetivamente banida da vida social brasileira.

 

 

 

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Modelo brasileiro de integração das polícias em grandes eventos é referência mundial, mas é ignorado pelo governo https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/07/14/modelo-brasileiro-de-integracao-das-policias-em-grandes-eventos-e-referencia-mundial-mas-e-ignorado-pelo-governo/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/07/14/modelo-brasileiro-de-integracao-das-policias-em-grandes-eventos-e-referencia-mundial-mas-e-ignorado-pelo-governo/#respond Sun, 14 Jul 2019 12:56:05 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/sesge1-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=975 Entre as recorrentes e comuns viagens do ministro Sergio Moro aos EUA, uma dela chamou a atenção de quem atua na área da segurança pública e de inteligência. Trata-se da que ele fez na semana de 22 a 26 de junho. Segundo notícia no site do próprio ministério, o ministro fez “uma série de visitas aos órgãos de segurança e inteligência do país, com o intuito de reunir experiências e boas práticas para fortalecer as operações integradas no Brasil”.

É claro que cooperação e coordenação são mais do que bem-vindas. O ministro sabe disso e tem feito esforços para estabelecer parcerias em matéria de tecnologia de controle, rastreamento e vigilância com os EUA e países da Europa, entre outros. Mas, o que seria uma saudável iniciativa, parece trazer embutido um sentimento de inferioridade e dependência que não corresponde aos fatos.

O Brasil recebeu uma sequência sem precedentes de importantes eventos internacionais, a exemplo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ2013), Copa das Confederações FIFA de Futebol (FCC2013), Copa do Mundo FIFA de Futebol (FWC2014), Jogos Rio 2016 – Olimpíadas e Paralimpíadas (RIO2016), o que consequentemente exigiu do País a organização, planejamento, coordenação, investimentos e execução de gigantescas e complexas operações integradas de segurança

Para garantir a segurança desses eventos, mais do que o fundamental policiamento ostensivo e a presença de policiais nas praças de operações de maneira isolada, era preciso inovar e desenvolver um sistema de segurança integrada, algo até então absolutamente inédito no Brasil.

A premissa deste planejamento foi ao mesmo tempo a razão do seu êxito, reconhecido nacional e internacionalmente, com aprovação superior a 87% entre os turistas – melhor avaliação dos serviços públicos prestados. A criação de um sistema coordenado de atuação, alicerçado nos investimentos em equipamentos, tecnologia, ambientes indutores para troca de informações e atuação integrada e a capacitação de milhares de servidores envolvidos no trabalho deram os frutos desejados e um legado que não pode ser desconsiderado.

E, entre esses investimentos, a estrutura basal deste complexo conjunto de iniciativas foi o Sistema Integrado de Comando e Controle. O SICC é o conjunto de atividades de planejamento, coordenação, execução, acompanhamento e avaliação, estruturado em Centros Integrados de Comando e Controle, de Cooperação Policial Internacional e Antiterrorismo, que busca promover a atuação integrada dos órgãos de segurança pública, defesa social, defesa civil, ordenamento urbano e controle de tráfego, das esferas federal, estadual e municipal. Os principais documentos que orientam e regulam o SICC são:

  • Conceito Operacional do Sistema – CONOPS;
  • Conceito de Uso – CONUSO;
  • Planos Táticos Integrados (PTI);
  • Protocolos de operações integradas e de respostas a incidentes;
  • Planos Integrados de Segurança e Ordenamento Urbano das Instalações (PISOU);
  • Procedimentos Operacionais Padrão (POP) dos Centros Integrados de Comando e Controle;
  • Planos de Comunicações (PLACOM)
  • Plano Integrado de Inteligência de Segurança Pública;
  • Memorandos de Entendimento (ME) e Acordos de Cooperação Técnica (ACT).

Para tornar essa estrutura viável, o Governo Federal, por intermédio de uma secretaria extraordinária do então MJ, investiu à época em média R$ 100 milhões de reais em cada cidade sede da Copa 2014 (investimento total de cerca de R$ 2 bilhões), fundamentalmente na criação do SICC e na construção/reforma e equipagem dos Centros de Comando e Controle, um legado material e imaterial inovador no nosso País.

Centro Integrado de Comando e Controle/Reprodução site MJ

Este projeto foi pensado em coordenação com os Estados (vide acordos de cooperação federativa firmados com os 12 estados sede da Copa 2014), de maneira que todo o investimento permanecesse útil ao cotidiano da segurança pública, fosse indutor de políticas públicas inovadoras, ao mesmo tempo que também conduziria a uma proximidade maior entre os entes Federativos, mantendo a cultura do planejamento e execução de operações e políticas públicas integradas e consequentemente eficazes, eficientes e efetivas.

É verdade que após o fim dos grandes eventos, a lógica de disputa e a falta de coordenação federativa e republicana vigente na segurança enfraqueceu o modelo de integração do SICC, mas, aqui, a questão é explicitar que a metodologia e a tecnologia foram criadas e aplicadas com êxito (é verdade é a Polícia Militar de São Paulo, por exemplo, desenvolveu sistemas concorrentes ao SICC tão bons quanto, no indicativo de que temos pessoal altamente qualificados).

Assim, por quê o Ministro Moro foi aos EUA em busca de algo que já temos e que deu resultados? Há desconfiança em relação ao trabalho da Polícia Federal? Não seria mais barato e estratégico aproveitar o legado criado pelas próprias polícias brasileiras?

E isso não significa uma patriotada inconsequente, já que é impensável nos dias atuais o enfrentamento ao crime organizado sem troca de informações e experiências com países estratégicos. Mas, mesmo neste caso, o MJ poderia mostrar o que houve no âmbito da cooperação internacional, que contou com o investimento de R$ 6,98 milhões para a criação do Centro de Cooperação Policial Internacional, coordenado pela Polícia Federal. Este centro contou com policiais de 33 países durante a realização dos Jogos Rio 2016, que atenderam quase 2.000 demandas ao longo da operação, além da checagem de 2,4 milhões de passageiros, outro legado que deve ser observado com atenção.

O fato é que, fruto deste trabalho, o Brasil tornou-se referência internacional em segurança para grandes eventos e operações integradas, tendo recebido visitas de comitivas, por exemplo, do Japão (Olimpíadas 2020), Qatar (FWC2022) e Peru (Jogos Panamericanos 2019), com interesse em conhecer as práticas exitosas aqui empregadas – foram mais de 22.000 ações de segurança integradas durante os Jogos Rio 2016. Nada disso parece que está sendo aproveitado e mereceria maior transparência.

Em síntese, considerando o elogiável interesse do Ministério da Justiça em “conhecer experiências exitosas de operações integradas das forças de segurança pública nos EUA” , vale lembrar que aqui no Brasil existem várias outras experiências exitosas que servem de modelo a outros países, criadas, implementadas, coordenadas e supervisionadas pelo próprio Ministério da Justiça, que em muito poderiam agregar ao enfrentamento ao crime organizado, proteção de fronteiras e efetiva e necessária integração com os demais entes federativos.

Seria muito poderoso sabermos, além do que os EUA podem nos ajudar, o que houve e qual o estágio de funcionamento dos 15 Centros Integrados de Comando e Controle já instituídos no Brasil, todos com grande infraestrutura de TIC, computadores, videowall, sistemas, etc, além de ambientes acessórios,  regulamentos e efetivo capacitado.

Seria bom o Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgar o que ocorreu com:

  • o Centro Integrado de Comando e Controle Nacional – CICCN, localizado em Brasília/DF;
  • o Centro de Cooperação Policial Internacional – CCPI, localizado em Brasília/DF, com projeção no Rio de Janeiro/RJ;
  • o Centro de Integrado Antiterrorismo – CIANT, localizado em Brasília/DF, com projeção no Rio de Janeiro/RJ;
  • os 12 Centros Integrados de Comando e Controle Regionais – CICCR, localizados nas cidades de Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Cuiabá/MT, Curitiba/PR, Fortaleza/CE, Manaus/AM, Natal/RN, Rio de Janeiro/RJ, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Salvador/BA e São Paulo/SP;
  • os 24 Centros Integrados de Comando e Controle Móveis (CICCM);
  • os 12 Plataformas de Observação Elevada (POE) e Sistemas de Imageadores Aéreos (SIA);
  • os 4 Aeróstatos de Monitoramento Permanente de Grandes Áreas (AMPGA).

A experiência do CICC revela que já temos tecnologia e doutrina para boa parte dos problemas da área. Assim, mais do que um problema tático e operacional, os dilemas da segurança pública dependem de aspectos políticos e de governança institucional. E tais dilemas precisam ser enfrentados nos planos nacional e subnacional pelas polícias e pelos demais Órgãos e Poderes do país.

A política não pode ser substituída pelos fetiches tecnológicos ou ideológicos.

 

 

 

 

 

 

 

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União ignora Pacto Federativo na criação de sistema nacional de dados criminais https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/07/08/uniao-ignora-pacto-federativo-na-criacao-de-sistema-nacional-de-dados-criminais/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/07/08/uniao-ignora-pacto-federativo-na-criacao-de-sistema-nacional-de-dados-criminais/#respond Mon, 08 Jul 2019 11:19:51 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/07/Avener-Prado_Folhapress-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=956 Faces da Violência publica versão ampliada de análise sobre o SINESP (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas), feita por Renato Sérgio de Lima, Daniel Cerqueira* e Isabel Figueiredo*, publicada na edição impressa da Folha de S.Paulo de hoje (7).

Reportagem de Mariana Zylberkan ontem (6), na Folha (veja aqui), escancara a fragilidade dos sistemas de informações estatísticas na segurança pública. A repórter constatou como os dados criminais brasileiros compilados pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública são ainda bastante precários e carentes de padronizações e critérios que possam garantir a fidedignidade das informações compiladas e das comparações.

O Brasil produz estatísticas criminais desde 1871 e existe normativa sobre o assunto que remonta ao final do Império e começo do Século XX (Artigo 809, do Código de Processo Penal, de 1941, por exemplo). Mas, mesmo após 148 anos e com o SINESP (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas), o país não conseguiu estruturar um sistema de informações efetivamente apto a servir de instrumento de gestão e governança da segurança pública.

Até hoje ficamos em um jogo de cada agente público ou instituição ter um dado para chamar de seu e não há coordenação política e estratégica em torno de metas e objetivos comuns. Temos mais 1400 agências públicas cujas atividades impactam na segurança da população e quase nenhum esforço de integração que não seja focada na dimensão meramente tática e operacional.

Busca-se criar grandes plataformas tecnológicas e bancos de dados, porém evita-se discutir políticas, metas e critérios de cooperação federativa e republicana (entre Poderes e Órgãos de Estado). Falta-nos capacidade de articulação e, nesta ausência, proliferam-se o “achismo” e o uso político dos dados. Em síntese, o Sinesp, criado em 2012 após presidente Dilma Rousseff sancionar a Lei 12.681 que o instituía, ainda não é um sistema nacional de informações criminais confiável.

E por quê?

Para responder a essa questão, deveríamos primeiro refletir sobre os três atributos desejáveis que um bom sistema de informações administrativas sobre crime deveria ter: a) controlabilidade e auditabilidade; b) consistência metodológica; e, c) transparência.

A qualidade de um sistema de informações depende, crucialmente, da qualidade da informação na ponta. Se o dado que municia o sistema é de má qualidade, a informação que saíra ao final do processo será de qualidade naturalmente duvidosa. Não há milagre ou solução tecnológica mágica.

No caso de registros criminais, duas questões em particular surgem, que dizem respeito a diferentes classificações do tipo penal (um homicídio em um estado pode ser a soma de várias categorias criminais que não apenas as previstas no Artigo 121, do Código Penal) e a acurácia do registro em si, que pode ser fragilizada por inúmeros motivos. Por esta razão que o gestor de informações precisa monitorar, auditar e avaliar continuamente a qualidade da produção da informação na ponta, e sugerir soluções para o aprimoramento da produção do dado.

A consistência metodológica não implica apenas na definição e clareza sobre o que cada indicador deseja mensurar, mas requer uma lista de diferentes tipologias que venham a exaurir as possibilidades de classificação, de modo que elas sejam mutuamente exclusivas e que o administrador do sistema consiga agregá-las de forma a fazer comparações consistentes.

Por exemplo, o Ministério da Saúde utiliza a Classificação Internacional de Doenças, da Organização Mundial da Saúde, que atualmente contém 12.422 códigos diferentes de morbidade/mortalidade, que além de exaurirem as possibilidade médicas de classificação, permitem que elas possam ser agregadas em grandes grupos de modo a mensurar, em diferentes localidades, um mesmo fenômeno, um homicídio ou suicídio, por exemplo. O UNODC (órgão da ONU para drogas e crimes) também possui um sistema parecido para a classificação de crimes, a “International Statistics on Crime and Justice”.

Assim, não existe um dado melhor que outro, ou seja, o dado da saúde não é melhor que o dado da polícia. Eles são produzidos para propósitos distintos. O que eles precisam é seguir a mesma tendência, pois do contrário problemas ou lacunas de preenchimento em um dos dois sistemas podem estar influenciando o movimento e a curva dos registros e não servem para auxiliar políticas públicas.

A transparência implica que o usuário do dado (e não só os gestores) possa ter acesso à documentação sobre a produção dos indicadores e acesso a toda a base de microdados (ainda que resguardada as características individuais da vítimas), de modo que cada pesquisador possa por si mesmo avaliar a consistência e qualidade dos dados.

O fato é que, desde a criação do Sinesp, os gestores se perderam no fetiche da tecnologia, em que se objetivou produzir grandiosas soluções tecnológicas e impingir às Unidades Federativas (UFs) um modelo único digital para registro de informações, não obstante o nosso Pacto Federativo dotar os estados e do Distrito Federal de autonomia em matéria de administração das polícias Civil e Militar.

Os esforços vão sendo dissipados em diferentes frentes, desde o apoio operacional às corporações na ponta à produção de uma base nacional de crimes, sem muita clareza de atribuições, propósitos e finalidades. Em seu formato atual, o SINESP não é um sistema estratégico que ajuda a integrar e monitorar as ações da área, bem como prestar contas à população. Ele está desenhado para ser um sistema operacional, que tem sua função e pode ajudar no trabalho das polícias, mas está limitado pelas opções político-institucionais que tiveram origem na gestão Dilma Roussef e foram mantidas por Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Tanto é que, em março, o Ministro Moro anunciou, a publicação de dados do Sinesp sem a presença de nenhum representante das Unidades da Federação, que são, legalmente, as proprietárias e as responsáveis diretas das informações. A União, mais uma vez, tentou substituir as UF ao invés de ajudá-las na coordenação do sistema de justiça criminal e segurança pública. Dito de outra forma, a União não faz sua parte e ainda quer controlar e subordinar os estados e o Distrito Federal.

Sem a padronização e/ou coordenação, a produção de dados em muitos estados é caótica, sem que ninguém saiba ao certo nem quantos registros existem. Um exemplo pode ser observado quando olhamos rapidamente para os números do Sinesp divulgados de 2018. Ao fazer isso sabemos apenas que: três UFs estavam com seus sites fora do ar (AC, PB e RR); não achamos (ou não existe) estatísticas para oito UFs (AP, ES, MA, MT, PA, SC, SE e TO); em seis UFs só havia dados agregados dos Crimes Violentos Letais Intencionais ou dos crimes contra a pessoa (AL, CE, PE, PI, PR e RN); em três UFs (AM, BA e MS) havia dados sem especificar se eram relativo ao número de casos ou de vítimas (mas que não batem com as informações de ambas as categorias disponíveis no Sinesp); além de vários outros detalhes.

Nota-se que a consistência metodológica e a transparência então estão longe do minimamente aceitável, uma vez que não há documentação detalhada, não se conhece o sistema de classificação e nem os protocolos utilizados pelos gestores do Sinesp para fazer a agregação de indicadores, nem se tem acesso à base inteira de microdados.

A criação do Sinesp foi uma iniciativa louvável e necessária para se pensar na política de segurança pública com base em dados e evidências empíricas. Contudo, depois de muitos milhões gastos, estamos ainda longe de ter um sistema de informações criminais, no plano nacional, minimamente aceitável e confiável, do ponto de vista técnico.

E, ao explicitar isso, estamos defendendo que o Sinesp seja mais bem tratado pelas autoridades e investimentos não só em tecnologia sejam feitos. É necessário prioridade para que o SINESP assuma seu papel de produtor e organizador dos microdados da área. Somente aqueles que estão “ideologicamente informados”, nas palavras de um dos 27 comandantes gerais das polícias militares brasileiras, insistem em desconsiderar que exigir qualidade, transparência e rigor metodológico é a base para que possamos de fato reduzir a violência e não ficarmos de bravatas ou de usos políticos e ideológicos do dado de ocasião.

*Integrantes do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

 

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Sergio Moro amplia operações da PF e reduz convênios com estados e municípios https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/06/15/sergio-moro-amplia-operacoes-da-pf-e-reduz-convenios-com-estados-e-municipios/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/06/15/sergio-moro-amplia-operacoes-da-pf-e-reduz-convenios-com-estados-e-municipios/#respond Sat, 15 Jun 2019 14:30:04 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/Moro-e-Bolsonaro-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=916 Faz nove dias que o Brasil foi abalroado pelos vazamentos de mensagens atribuídas aos procuradores do Ministério Público Federal em Curitiba e ao ex-Juiz Sergio Moro, pelo site The Intercept, e meio que navega à deriva e à mercê das correntezas da política. Como bem ilustrou Luis Francisco Carvalho Filho em sua coluna na Folha de hoje (15), o país vai caminhando de escândalo em escândalo para o abismo do populismo e da devastação ética.

Luis Francisco resumiu com perfeição o que é integrar o governo de Jair Bolsonaro, “político profissional que convive com milicianos, admira torturadores, […] e conspira contra povos indígenas, gays e florestas”. Segundo o colunista, integrar um governo com este perfil não é ambição de humanistas, pois temos um governo incapaz de lidar com o significado da Constituição e das cláusulas pétreas.

O que tem emergido para a superfície da relação entre justiça e política é extremamente preocupante para quem, independente das preferências partidárias e eleitorais, está preocupado com o devido processo de um Estado Democrático de Direito. Porém, para quem se dedica a pensar tecnicamente no processo de formulação e implementação de políticas mais eficientes de segurança pública, o cenário também é de expectativa e cautela.

Isso porque, se olharmos os números disponíveis, o Governo Federal, no âmbito do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, de Sergio Moro, divulgou na quarta-feira (12) a continuidade da queda dos homicídios iniciada no começo de 2018 e que, só primeiro bimestre de 2019, atingiu 23%. E, ao contrário do que matraqueiam os adeptos cegos ou interessados, o Governo Federal não é o responsável por esta queda e, pior, não tem a menor ideia do que ocorre no país para justificá-la.

Quem trabalha seriamente na área sabe que homicídio é um fenômeno multicausal e que múltiplas variáveis interferem no movimento e na tendência deste tipo de ocorrência. Na esfera estatal, não existe mágica, mas trabalho e dedicação em torno da melhoria das políticas públicas da área. E, indiscutivelmente, os estados e o Distrito Federal ocupam um papel-chave na segurança pública. Se não são os únicos responsáveis pelo setor, são eles que gerenciam as polícias Civil e Militar, encarregadas de manter a ordem pública e investigar crimes e delitos.

Temos 54 polícias estaduais que atuam no limite de suas capacidades institucionais, muitas delas sucateadas e carentes de investimentos. E isso em um contexto em que recursos para as polícias estão, dadas as condições econômicas do país, cada vez mais escassos. Com exceção de São Paulo, todas as demais Unidades da Federação dependem quase que exclusivamente de recursos federais para poderem fazer investimentos e adquirirem novos equipamentos e tecnologias.

E o que faz o Ministério da Justiça? Sobrecarrega as polícias estaduais com demandas para que efetivos sejam alocados na Força Nacional e, o que seria uma contrapartida para esse envio de homens e mulheres, praticamente não repassa recursos para as Unidades da Federação por intermédio de convênios (é necessário conferir repasses diretos fundo-a-fundo). Levantamento inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública identificou que, em 2019, o MJ assinou 234 convênios com estados e municípios, sendo 228 no dia 02 de janeiro, em um claro indício de que eram parcerias que estavam sendo negociadas e analisadas na Gestão Temer. De lá para cá, somente 6 convênios foram assinados.

E, mesmo considerando que 234 convênios foram assinados, nota-se que foram empenhados apenas cerca de R$ 168 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública, principal fonte de parcerias com as polícias estaduais, mas quase nenhum dinheiro desse valor ainda foi liberado. Ainda segundo o levantamento, que é preliminar, no MJ como um todo, foram empenhados cerca de R$ 355,4 milhões para os estados mas liberados irrisórios R$ 857,7 mil.

Em paralelo, organiza e coordena nacionalmente operações integradas das Polícias Civis, o que é positivo, mas apenas dá suporte de inteligência pois esta é uma atividade em que mobiliza quase nenhum recurso federal e o mérito maior deveria caber às polícias locais. O mesmo ocorre com o SINESP, que é o sistema nacional de dados e é um consórcio pactuado entre União, estados e Distrito Federal. Em seu anúncio, no começo do ano, os secretários estaduais não estavam presentes e todos os louros ficaram apenas para o Governo Federal.

E, ainda em fase de planejamento e cujo anúncio deve ocorrer por volta do dia 26/06, finaliza um plano de enfrentamento aos crimes violentos (o planejamento da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), com detalhamento de ações, matriz de responsabilidades e definição de enfoques merece aqui elogios, pois ao contrário de outras ações improvisadas está sendo feito com grande profissionalismo. Importante saber se teremos métricas e previsão de mecanismos de monitoramento e avaliação).

No plano das atribuições exclusivamente federal, zona em que o Ministro Moro sente-se mais confortável pois não exige negociar prioridades com Governadores e Secretários Estaduais, levantamento do Professor Rogério Arantes, da Universidade de São Paulo, revela que houve um incremento de 43,3% no número de operações noticiadas pela Polícia Federal entre 01 de janeiro e 14 de junho de 2019 em relação ao mesmo período de 2018. Até ontem, a PF havia noticiado 427 operações em 2019, enquanto em 2018, no mesmo período, tinham sido noticiadas 298.

O problema aqui é que, da mesma forma como as polícias estaduais, esse crescimento é feito com o mesmo efetivo existente na PF faz anos e só recentemente o Presidente Bolsonaro anunciou a convocação de quase 1 mil novos policiais aprovados em concurso, que ainda precisam passar pela Academia Nacional de Polícia antes de serem alocados nas unidades da PF pelo Brasil. A PF está com sua capacidade operativa comprometida e tendo que dar conta das opções e políticas de segurança do Governo Bolsonaro que a sobrecarregam.

Enquanto isso, para a população, o Governo enviou um pacote de medidas legislativas que funciona mais como lance de marketing e diversionismo ao ser intitulado como “anticrime”, uma vez que quem for contra ele seria a favor da criminalidade, o que é uma estultice completa – há formas e formas legítimas de se combater o crime e o Congresso tem legitimidade e voto de propor alterações. Isso para não falar dos Decretos sobre Armas, que têm várias inconstitucionalidades já apontadas por diferentes segmentos, porém o STF parece intimidado a se manifestar e sustar ao menos o último, que autoriza porte generalizado quando uma lei o restringe.

Em suma, não existem ações ou políticas federais em curso que possam ser reconhecidas como responsáveis pela queda recente nos índices de criminalidade e violência urbana no país. Há esforços e trabalho, mas há sobretudo espuma e pirotecnia política. As polícias estão abandonadas à própria sorte e os estados precisam se virar caso queiram manter a redução da violência. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública ainda não disse ao que veio e deu sorte de o momento ser de queda da violência. Mas, se nada for feito, a violência ainda é alta e voltará a crescer. E, politicamente, mais esta conta recairá nas costas do Ministro Sergio Moro.

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Sinal dos tempos: quase 1/5 dos seguidores de Sergio Moro no Twitter seriam robôs https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/28/sinal-dos-tempos-quase-15-dos-seguidores-de-sergio-moro-no-twitter-seriam-robos/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/28/sinal-dos-tempos-quase-15-dos-seguidores-de-sergio-moro-no-twitter-seriam-robos/#respond Sun, 28 Apr 2019 15:06:10 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/Twitter-Moro-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=795 Em uma semana em que a mídia dá mostras da vitalidade do jornalismo de dados e revela a queda dos homicídios dolosos, o crescimento das mortes decorrentes de intervenção policial, bem como a tragédia do nosso sistema prisional, o Brasil ficou, mais uma vez, tomado pela cortina de fumaça ideológica que o Governo de Jair Bolsonaro insiste em propagar.

São tantas as frentes de batalha que são abertas todas as semanas que os temas fundamentais de políticas públicas vão sendo esquecidos e ficam, em geral, em segundo plano, sobretudo nas redes sociais. Não discutimos como identificar boas práticas governamentais e promover avanços na melhoria da Segurança, da Saúde, da Educação, da geração de Emprego e Renda, da Economia, da Assistência Social, do Meio Ambiente, dos Direitos Humanos, entre outros temas.

Ficamos reféns da agenda bolsonarista que discute o bem contra o mal. Somos reféns da ideia equivocada de que tudo o que existe é ruim e que agora a administração Bolsonaro precisa “resgatar” o Brasil da “corrupção da esquerda” e da “depravação moral” em que fomos submersos. A gestão Bolsonaro está conseguindo avançar aceleradamente na desconstrução da institucionalidade das políticas públicas estabelecida pela Constituição de 1988, que se assenta no pressuposto de que devemos pensá-la a partir da ideia da universalidade de direitos e reconhecimento das identidades e diferenças.

Engana-se quem acha que os conflitos internos da coalizão que nos governa está impedindo – ou ao menos retardando – a reconfiguração política e institucional do Brasil.

Na ausência de uma ética pública baseada na não violência e na cidadania, tudo o que não é espelho é visto como imoral (aliás, ética é um campo da Filosofia e que agora também é combatido). Atualmente, ao que tudo indica, o governo Bolsonaro está conseguindo estabelecer, mesmo que no contraponto contínuo, o frame (as fronteiras) do debate público, em muito apoiado pelo pretenso papel democrático das redes sociais.

Diz a lenda que as redes sociais são territórios de democratização da informação, aparentemente sem donos e leis. Mas, de fato, elas são tomadas e manipuladas pelos senhores da guerra ideológica que comandam exércitos de robôs e buscam fortalecer posições, interesses econômicos e porta-vozes de seus projetos de Poder.

Análises conduzidas por João Akio, no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, trazem dois exemplos que resumem o argumento aqui exposto. A primeira mostra que na semana da divulgação da prisão dos acusados de matar Marielle Franco, que foi alçada pela ultra direita a símbolo do que deve ser combatido em termos morais e políticos, houve um esforço de diminuir o impacto da notícia relacionando-a com questões sobre o atentando sofrido pelo Presidente Jair Bolsonaro e sobre o assassinato do ex-prefeito de Santo Andre, pelo PT, Celso Daniel.

Já a segunda análise, que teve o caráter exploratório e objetivou testar técnicas e algoritmos disponíveis para análise do comportamento das redes sociais (que não são isentos e estão sujeitos a distorções que exigem conhecimentos das Ciências Humanas, como Sociologia e Filosofia, para que não se tornem instrumentos totalitários), revelou como as autoridades públicas precisam ficar atentas.

Usando a aplicação disponível no site https://mikewk.shinyapps.io/botornot/, criada por Michael W. Kearney, professor da Escola de Jornalismo do Instituto de Informática da Universidade do Missouri, foi possível calcular a probabilidade de robôs serem seguidores do Ministro Sergio Moro. Com base nesta técnica, analisamos 583.171 seguidores do ministro em 09/04/2019 e, assumindo 75% de probabilidade de respostas positivas e refazendo a conta três vezes, com amostras diferentes, é possível dizer que ao menos 17,3% dos seguidores de Moro naquela data eram bots.

Ou seja, quase 1 em cada 5 seguidores do perfil do Ministro Sergio Moro naquela data tinham as características de perfis robotizados. Em geral, esse perfis são utilizados para combater ou ampliar determinadas causas ou propostas e, por isso, todas as cautelas são necessárias quando se discute “apoios” ou “tendências” medidos pelas redes sociais. Elas podem conter vieses difíceis de serem filtrados e ponderados.

O debate político não pode e não deve se resumir a uma guerra de hashtags ou likes; não podemos resumir a vida política do país aos ecos e repercussões oriundas da manipulação da guerra de narrativas.

Mais do que nunca, política pública deve ser baseada em evidências, estudos de impacto e monitoramento. O planejamento rigoroso e a observância de uma ética pública plural e democrática podem ser aliados poderosos contra as tentações autoritárias da nossa histórica cultura política violenta e pouco afeita ao contraditório. As vozes da diferença não podem ser caladas.

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