Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O Brasil diante de um dos mais difíceis testes de caráter da história https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/03/15/o-brasil-diante-de-um-dos-mais-dificeis-testes-de-carater-da-historia/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/03/15/o-brasil-diante-de-um-dos-mais-dificeis-testes-de-carater-da-historia/#respond Sun, 15 Mar 2020 18:13:53 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/Bolsonaro150320-320x213.png https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1331 A pandemia do Coranavírus está testando a capacidade da humanidade em lidar com um risco de escala global mas que, para ser mitigado, não depende apenas de ações de governos e nações. Depende do caráter dos governantes e dos indivíduos para que a ordem, a segurança e a saúde públicas sejam mantidas e preservadas.

E, no patriotismo de botequim, que vocifera contra as instituições mas que coloca todos em risco em nome do hedonismo egoísta que lota bares e manifestações goumert de tiozões em suas possantes motos e/ou jetskis (emblemático que as duas primeiras fotos compartilhadas pelo Twitter do Presidente Jair Bolsonaro sejam de motoqueiros de meia idade e pilotos de jetskis), a violência simbólica que toma conta do Brasil é de tal ordem que acaba por desconstruir por completo noções mínimos de cidadania e ética pública.

No mau caratismo de alguns, que se acham patriotas sem saberem ao certo o significado histórico deste conceito, o Congresso é atacado como inimigo do povo. O problema é que, por mais sujeito a criticas que esteja, poucos se deram conta que, neste momento de pandemia, Rodrigo Maia e David Alcolumbre têm agido exatamente como aliados da área econômica do governo e resistido a jogar por terra o projeto reformista de boa parcela do mercado financeiro e do setor privado que dá sustentação ao governo Bolsonaro. E por quê?

Como lembra o professor Arthur Trindade, da UNB, caso o Congresso determine o fechamento da Câmara e do Senado por mais de duas semanas em função do Coronavírus, já que mais de 20 mil pessoas circulam diariamente por lá, dificilmente alguma medida que exija alteração Constitucional deve ser aprovada este ano. Uma PEC, para ser aprovada, precisa passar por 40 sessões, independentemente do quórum. E, considerando que este ano é ano de eleições municipais, que deve suspender sessões em outubro, as reformas tributária e administrativa não teriam tempo hábil para serem aprovadas em 2020.

Mas, ao invés de buscar consensos e administrar os conflitos sociais, o governo aposta na capitulação e na submissão dos demais poderes. Adota uma postura tóxica de destruir tudo o que toca e se aproxima, na ideia de imputar aos outros o erro e o pecado, mas esquece-se que, no Estado de Direito Democrático, a fonte sagrada é a Constituição e não a lei do mais forte.

Bolsonaro investe contra um Congresso que tem sido bastante simpático às suas propostas de reformas econômicas. Parece querer o caos para poder justificar uma ruptura institucional que lhe permita governar sem os limites das leis.

Mas ele não está sozinho. Quase como que em uma crise de abstinência de protagonismo causada pela má condução do episódio do motim da polícia militar no Ceará e pelo Coronavírus, que trouxe destaque para o Ministro da Saúde, o Ministro Sergio Moro tentou ressurgir no noticiário divulgando que pretende autorizar nos próximos dias a internação compulsória de pessoas suspeitas de contaminação pelo Coronavírus.

Enquanto Bolsonaro passeia sem máscara no meio da manifestação em Brasília e não assume a coordenação do enfrentamento dos efeitos do Coronavírus, que não são só de saúde pública, vamos acumulando riscos e dilemas. O que era para ser uma discussão sobre ações coordenadas virou ação isolada e fragmentada de cada pasta e na linha da força, sem diálogo ou debate prévio.

Várias Unidades da Federação estão tendo que pensar estratégias para conter a transmissão do vírus no sistema prisional e evitar mortes e rebeliões – considerando a taxa de letalidade anunciada de 3,74%, temos que mais de 26,5 mil presos podem morrer nos presídios nos próximos meses casos a pandemia tomasse todo o sistema (o mais factível é que Cadeias Públicas, superlotadas, sejam as mais afetadas e atinjam, só em São Paulo, cerca de 500 mortes).

Mas não só, a PMERJ contraria recomendação do Governo estadual e não dispersa manifestação de apoio ao Governo Bolsonaro, Gustavo Bebianno morre e, ao invés de afastar qualquer dúvida em relação ao motivo da morte, o corpo é enterrado sem nenhuma informação sobre autópsia, a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes completa dois anos sem avanços sobre a identificação do mandante e da razão dos assassinatos, entre vários outros exemplos.

O mais angustiante é que, ao fim e ao cabo, a sociedade civil também tem dado exemplos de que Jair Bolsonaro e seu projeto populista não chegou de Marte e nos dominou.

Enquanto lotamos bares, praias, shoppings e, no máximo, estocamos papel higiênico, vemos Itália e Espanha, que adotaram duras medidas de contenção, reconhecendo e aplaudindo os profissionais de saúde pelos esforços em salvar vidas. O Brasil está diante de um dos mais difíceis testes de caráter aplicados pela história e temo que sejamos reprovados de forma avassaladora.

Afinal, Bolsonaro é só a tradução mais acabada do caráter de parcela significativa da população.

 

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Excludente de Ilicitude: o primeiro ato do novo AI 5 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/11/22/excludente-de-ilicitude-o-primeiro-ato-do-novo-ai-5/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/11/22/excludente-de-ilicitude-o-primeiro-ato-do-novo-ai-5/#respond Fri, 22 Nov 2019 13:08:38 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/Aliança-Pelo-Brasil-Bolsonaro-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1186 Por Alberto Kopittke*

Os primeiros comentários na grande mídia sobre o PL (veja a íntegra aqui) da excludente de ilicitude apresentado por Bolsonaro ontem (21) não compreenderam de fato do que trata o Projeto. Mesmo os comentários críticos abordaram o PL como se ele fosse uma repetição do PL do Pacote de Sergio Moro, apenas ampliado a excludente para Militares em Operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

No entanto, o Projeto praticamente não tem relação com “Segurança Pública” e com o debate sobre a letalidade policial, que polariza o país e revela o forte protagonismo das polícias militares na vida política. Apesar das Operações de GLO serem utilizadas de forma cada vez mais ampla pelos Governos do PT e agora do PSL, nos últimos 10 anos, o número de mortes provocadas em Operações GLO é muito pequeno se comparado com os números do cotidiano da segurança pública brasileira, por geralmente se tratarem de operações de estabilização de território.

O que não foi percebido, é que o PL de Bolsonaro é praticamente uma cópia do Decreto Supremo 4078 editado há 5 dias atrás pela autoproclamada Presidente da Bolívia, Jeanine Ãnez, que garantiu a excludente de ilícitude para as Forças Armadas bolivianas reprimirem os movimentos que eclodiram no país. Outro sinal que passou quase que desapercebido foi que o Ministério da Defesa e não o da Justiça e Segurança Pública é que foi acionado para construir a minuta da proposta.

Na verdade, o PL de Jair Bolsonaro não tem nenhuma preocupação com o problema da criminalidade do país. Ele tem como alvo a possibilidade de um aumento das mobilizações de rua no país, como está ocorrendo em todo o continente, autorizando policiais e as forças armadas a fazerem uso da força letal contra pessoas envolvidas em manifestações sociais. O Projeto é uma preparação para a possibilidade do Brasil viver um processo de mobilização social e segue a sugestão dada pelo filho 03 do Presidente, Eduardo Bolsonaro, há poucos dias atrás, sobre a necessidade de se tomar medidas duras, como um novo AI5 no país.

É preciso compreender que o Projeto de Lei apresentado por Bolsonaro não está isolado na história. Ele é o ápice de toda uma estrutura jurídica que vem tornando a GLO um verdadeiro regime de exceção nas mãos do Presidente da República, sem a necessidade de aprovação do Congresso Nacional. Há uma aposta na radicalização como tática diversionista de concentração de poderes pelo Presidente e esvaziamento de quaisquer agendas que não sejam por ele emuladas.

Em 2013, findadas as manifestações populares, o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas publicou a regulamentação das Operações de GLO (Portaria Normativa nº 3.461/2013/MD). A Portaria alterou pela primeira vez desde a redemocratização o conceito de Força Oponente, que é o conceito central que autoriza o uso da força por parte das Forças Armadas, o qual desde a redemocratização era entendido como as Forças Armadas de outro país soberano que venha a atacar o território nacional. A partir dessa Portaria, a utilização do uso de força militar passou a ser autorizada contra “qualquer grupo interno que instabilize a ordem social”. Além disso, a Portaria ainda previu pérolas como a possibilidade de realizar operações psicológicas junto a população civil brasileira e a autorização para a restrição do livre exercício do jornalismo nas áreas sob intervenção.

Em razão de forte reação de movimentos sociais, a regulamentação foi suavizada (Portaria Normativa Nº 186/MD/2014), embora tenha mantido como força oponente a ideia abrangente e vaga de “agentes de perturbação da lei e da ordem”. Agora, o novo Projeto de Lei retoma o espírito da Portaria original e incluí terrorismo no rol de situações autorizativas para a excludente de ilicitude. Há uma sutil mas clara reorientação político institucional em curso e que poucos estão percebendo. A questão é que não bastam votos em uma democracia; é preciso que as instituições sejam democráticas e sujeitas a mecanismos transparentes de controle e supervisão.

Em seu brilhante livro “Political (in)justice: authoritarianism and the rule of law in Brazil, Chile, and Argentina” sobre os regimes autoritários na América do Sul, o Professor Anthony Pereira, do Kings College de Londres, destaca uma peculiaridade do autoritarismo militar nacional. Diferentemente dos demais países, a ditadura brasileira, embora constitucionalmente ilegal, sempre se preocupou em garantir a legalidade formal mesmo de seus atos mais autoritários, a começar pelos diversos Atos Institucionais, cuidadosamente escritos até milhares de Inquéritos Militares, que registravam todas as perseguições totalmente arbitrárias.

Embora pudesse ter feito tudo o que fez apenas fazendo uso da força, como fizeram as Ditaduras Argentinas, Chilenas e Uruguaias, a Ditadura Brasileira preocupou-se em ser formalmente adequada, seguindo o “melhor” da tradição jurídica brasileira que prima pela forma em detrimento dos princípios do Estado Democrático de Direito.

O Projeto de excludente de Ilicitude em Operações GLO faz parte dessa tradição do legalismo autoritário brasileiro que vem ressurgindo e ganhando mais forças a cada dia no país. Num momento em que o futuro sobre nossa democracia é incerto, a única certeza é que o primeiro Projeto de Lei do novo AI5 já foi apresentado.

* Diretor Executivo do Instituto Cidade Segura e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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Polícia Militar de Minas Gerais é acusada de censurar bloco no Carnaval de BH https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/03/02/policia-militar-de-minas-gerais-e-acusada-de-censurar-bloco-no-carnaval-de-bh/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/03/02/policia-militar-de-minas-gerais-e-acusada-de-censurar-bloco-no-carnaval-de-bh/#respond Sat, 02 Mar 2019 21:27:56 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/15515638205c7afc2c12e4f_1551563820_3x2_md-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=656 Com texto ao final, especialmente redigido para o Blog, de Jacqueline Muniz, do DSP/INEAC/UFF.

A Polícia Militar de Minas Gerais afirmou à imprensa neste sábado (2) que concorda com a posição do Capitão Lizandro Sodré do 13º Batalhão de Belo Horizonte, que advertiu os organizadores do tradicional bloco mineiro “Tchanzinho Zona Norte”, ontem (1), para que não criticassem o presidente Jair Bolsonaro e elogiassem o ex-presidente Lula.

A Polícia Mineira, que é uma das corporações policiais mais tradicionais do país e que, na contramão deste tipo de medida, tem investido em modernas metodologias de gerenciamento por resultados (que aqui parecem que não foram adotadas), caiu na tentação de achar que pode censurar a população e dizer o que ela pode ou não fazer em um bloco de Carnaval; optou por referendar posição política pessoal de um de seus oficiais e transformá-la em posição institucional.

E neste ponto que o porta-voz da corporação errou feio, mesmo tendo formação jurídica, uma exigência para todos os oficiais da PMMG. Não há norma jurídica que obrigue o manifestante a pautar previamente seus conteúdos à autoridade pública. Os organizadores do ato/bloco têm que antecipar suas estratégias operacionais, como finalidade (o STF já garantiu desde 2011 a liberdade de opinião), trajeto, horário, previsão de participantes.

Se a Polícia constatar excessos indiciários no correr do ato (de natureza criminal ou administrativa), proceda-se conforme a lei, isto é, submeta-se o caso concreto ao sistema de justiça, como de regra (delegacia, juiz de garantias, etc). Fora disso, é censura ideológica. A manutenção da ordem pública não pode ser argumento para censura, já que o Carnaval já é, em termos táticos e operacionais, um operação em que os protocolos de controle de distúrbios civis já consideram complexa e permeada por intercorrências de diversas naturezas.

O Comando Geral da PMMG deveria se manifestar sobre o caso.

Tanto é verdade que em outros estados (veja os casos de RJ e SP), as críticas estão sendo feitas sem nenhum tipo de constrangimento ou controle prévio, em reforço a ideia de que não cabe à polícia definir o que pode ou não ser dito. Mesmo em Minas, em anos anteriores, blocos sempre tiveram caráter profundamente contestador e autoridades eleitas já foram duramente criticadas. Não podemos achar que o Poder é isento de críticas. É mais do que esperado que depois de um processo eleitoral tão polarizado, o Presidente Jair Bolsonaro seja criticado no Carnaval. Não podemos ver problema nisso, sob o risco de enfraquecermos a vitalidade democrática.

Mas qual o limite da ação policial? É possível que o comando de uma operação interdite por juízo de viés ideológico, em pleno exercício de competência legal (proteger a legalidade e quem a exerce no plano da opinião), uma manifestação pública devidamente informada e autorizada a ocupar o espaço público?

Para responder a essa questão, o Blog pediu à Professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública, da Universidade Federal Fluminense – UFF, e hoje uma das maiores especialistas do mundo sobre polícia e policiamento, uma reflexão sobre o limite dos mandatos policiais no Brasil. Em um texto forte, Jacqueline Muniz nos alerta para os riscos das polícias se converterem em corporações sem controle.

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Polícia descontrolada é policia dominada
Por Jacqueline Muniz – DSP/INEAC- UFF

No Brasil, o mandato policial corresponde a um cheque em branco preenchido conforme a conveniência dos senhores da guerra diante da conivência com mercadores da proteção. O mandato policial é intencionalmente uma procuração em aberto que permite a manipulação politico partidária para atender a projetos escusos de poder e, ainda, a sua apropriação particularista para assegurar negócios ilícitos e caixa 2 de campanhas eleitorais.

Entre nós, o poder DE polícia, principal delegação que uma sociedade livre e plural concede ao Estado para agir em seu nome, é propositalmente convertido em mercadoria: o poder DO policial, o poder DA policia para garantir um comercio de valores, direitos e bens que incluem a nossa vida e a vida do próprio policial. Daí a ausência proposital de uma doutrina profissional do uso potencial e concreto de força que estabeleça os meios de ação (logística), defina os modos do agir (táticas) à luz dos fins determinados pela Constituição.

Daí a existência de um limbo normativo-procedimental que mascara a decisão e ação policiais impossibilitando sua aferição de mérito pela própria polícia, pelo governante, pelo MP e pela Justiça. Aqueles que deveriam governar a polícia tornam-se animadores de auditório, eles mesmos reféns da permissividade recíproca que inauguraram. Esta autonomização predatória do poder de polícia tem rendimento politico e econômico: perverte a POLÍCIA DO BEM em POLÍCIA DE BENS. Faz da polícia e dos policiais, uma moeda de troca. Torna a polícia indulgente, torna os policiais indigentes, dependentes eternos de favores de cima, de baixo e ao redor.

Transforma os policiais em mortos-vivos de patrulhamento, iludidos com a síndrome da pequena autoridade, frequentemente desmoralizada na esquina por alguma carteirada dada ou propina oferecida por “filhinhos de papai” que hoje são muitos. É preciso não se esquecer que a polícia é a política em armas! Se seu vigia fica mais forte que você, ele te dá um golpe, senta na sua cadeira e governa em seu lugar. Se seu vigia é fraco demais, ele oferta sua lealdade a quem lhe oferecer mais vantagens.

A história da democracia, da estabilização do exercício do poder nos ensina que a Espada não produz autogoverno e nem é capaz de limitar, por vontade própria, a extensão de seu corte. A espada entregue a si mesma, vira objeto de disputas entre várias mãos oportunistas e cabeças perturbadas por suas razões desiguais de cor, gênero, classe, renda, etc. A espada entregue a si mesma, corta a língua do verbo da política, qualquer política progressista ou conservadora, e rasga a letra da lei, qualquer lei igualitária ou desigual.

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Nota: O Blog deixa aberto o espaço para a PMMG caso ela queira dar sua opinião acerca do episódio.

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A sedução da ordem https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/06/02/a-seducao-da-ordem/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/06/02/a-seducao-da-ordem/#respond Sat, 02 Jun 2018 21:16:08 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/Folha-27-de-fevereiro-2018-Danilo-Vespa-150x150.jpg http://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=32 Ao longo das últimas décadas, o Brasil foi se dando conta da tragédia em torno dos números da segurança pública no país. Crimes em uma espiral crescente de casos, relatos cada vez mais frequentes de mortes violentas e cenas de medo e terror foram se tornando banais no cotidiano. Fomos nos acostumando com números superiores aos de guerras abertas e conflitos étnicos no mundo afora. A violência foi se transformando em uma das principais preocupações da população brasileira e um dos principais motores políticos da atualidade.
E, não à toa, em um momento de profunda crise de legitimidade das instituições democráticas, nos tornamos presas fáceis de grupos que exploram o fato de que os brasileiros estão sedentos por uma perspectiva de ordem que sinalize um projeto de mudança efetiva para uma vida melhor e  tentam vender sua fé na violência como forma de governar e de impor ordem ao “caos” que se transformou o Brasil.
O problema é que, como tenho destacando em vários espaços, convivemos faz anos com uma espécie de vendeta moral e política que nunca tem fim e que parece ganhar cada vez mais adeptos ao reverberar ódios, preconceitos e intolerância. A violência é, se olharmos por trás dos números do medo e da violência, uma permanente marca societária do país e é um dos principais entraves para um novo e virtuoso modelo de desenvolvimento para o Brasil.
E como chegamos até aqui? Com décadas e décadas relegando o tema à terceira divisão das prioridades políticas e institucionais ou, pior, lidando com ele como uma pauta quase que exclusivamente policial. Nesta seara, por sua vez, pouco fizemos para ajustarmos as polícias, em termos normativos e de doutrina, à ordem social democrática inaugurada pela Constituição de 1988 (a legislação que organiza a estrutura das Polícias Militares, por exemplo, ainda é do começo dos anos 1980).
Com isso, em meio à “guerra às drogas” inaugurada na década de 1970 e à caça aos “delinquentes”, nossas políticas criminais e penitenciárias obsoletas não priorizam a prisão de matadores e outros autores de graves e violentos crimes e transformam prisões em celeiros descontrolados de facções. O país pouco fez nos últimos anos para mudar os padrões operacionais das polícias baseados na lógica do enfrentamento ao criminoso e do cartório burocrático que rege os inquéritos policiais.
Contraditoriamente, o Poder Público gasta energias, recursos e esforços, mas não chegamos a lugar algum. Há muito sendo feito, porém com baixa eficiência e efetividade. Cada instituição da área vai tocando suas ações na esperança de que, em algum momento, as coisas se resolvam. No máximo, quando surgem episódios agudos de crises penitenciárias, de greves de policiais ou de fortes confrontos entre gangues/organizações criminosas por controle de territórios, recorremos às Forças Armadas como bálsamo caro e tópico.
É fato que vários têm sido os programas e iniciativas de redução dos crimes violentos tentados pelas Unidades da Federação que, em um primeiro momento, conseguem frear a escalada de mortalidade violenta. Porém, basta uma nova crise ou uma mudança política, tudo volta sempre ao ponto do nosso eterno recomeço. Falta-nos capacidade coordenação federativa e republicana da área e, por esta razão, não temos nenhuma governança sobre as respostas públicas frente ao crime, à violência e ao medo.
Enquanto vemos atônitos o crescimento do movimento em defesa de uma intervenção militar e o percentual de intenções de votos do pré-candidato Jair Bolsonaro, que se esforça para ser o “salvador da pátria” de plantão, a segurança pública não é reconhecida como agenda prioritária no debate político brasileiro. Ficamos surpresos a nos dar conta que chocando o ovo da serpente do autoritarismo.
Tudo isso para dizer que, se o Brasil não encarar de frente o drama da violência e não construir um novo projeto político e institucional para a segurança pública do país, não só veremos as tentações autoritárias crescerem, como correremos sérios e reais riscos de retrocessos civis, políticos, sociais. Nas próximas postagens, a ideia é tentar apresentar e analisar muitas das propostas cidadãs de mudanças. Há outras opções e soluções. Precisamos acreditar e nos mobilizar, sem inocência mas com base em evidências e na agenda de direitos civis, humanos e sociais.
E, para concluir, ao falar de propostas cidadãs de transformação, eu queria de iniciar o blog fazendo um tributo a Paulo de Mesquita Neto, cujo falecimento completou 10 anos no final de março último. Paulo Mesquita foi pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência, da USP, e, junto comigo, José Marcelo Zacchi, Elizabeth Leeds e Josephine Bourgois, ajudou a fundar o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Mas o ponto mais importante da trajetória pública de Paulo Mesquita é que ele foi um dos mais ativos defensores da ideia de modernização cidadã da segurança pública brasileira, pela qual não há nenhuma oposição entre defender enfaticamente direitos humanos e valorizar políticas públicas efetivas e transparentes de prevenção da violência e controle do crime. Em uma era de ódio, polarizações e ressentimentos, Paulo e sua serenidade faz muita falta!

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A lei é para todos https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/05/30/a-lei-e-para-todos/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/05/30/a-lei-e-para-todos/#respond Wed, 30 May 2018 16:22:59 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/15275478655b0c87d9bc320_1527547865_3x2_md-150x150.jpg http://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=12

A forma como o Brasil está enfrentando a crise no transporte rodoviário de cargas, que em muito já ultrapassou as demandas dos caminhoneiros autônomos do país, é evidência cabal da fragilidade das instituições democráticas no Brasil, com ruidosos e agressivos grupos a favor da intervenção militar ganhando um perigoso protagonismo e revelando muito sobre o tempo social em que vivemos.

As tentações autoritárias se multiplicam e, infelizmente, confirmam os achados antecipados em artigo publicado em junho do ano passado na Ilustríssima (Violência e Medo Insuflam Defesa de Autoritarismo-no-brasil).

Nesse artigo, dados de pesquisa realizada pelo Datafolha e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que o país é terreno fértil para ideias e líderes autoritários. Diante do medo provocado pela violência urbana, propostas salvacionistas dão o tom do debate eleitoral: enquanto se valorizam líderes pretensamente capazes de restaurar a ordem e recolocar a sociedade nos trilhos, a democracia perde espaço.

Porém, o paradão dos caminhões, que conseguiu aglutinar demandas legítimas de um segmento profissional com toda sorte de interesses político-ideológicos e insatisfações difusas com o governo de Michel Temer e a classe política, trouxe um elemento adicional que ganhou pouco destaque e que pretendo refletir aqui com todos os leitores e leitoras.

Refiro-me à forma como as polícias e as Forças Armadas lidaram até aqui com a situação. Em paralelo ao crescente esfarelamento da autoridade do governo federal, as instituições mostraram-se bastante reticentes em conter e reprimir atos de quebra da ordem, como bloqueios de pistas, ameaças a quem queria trabalhar e crimes. Mesmo após a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), ter autorizado, se necessário, o uso da força e, sobretudo, multas de R$ 100 mil, essas instituições não quiseram assumir o ônus envolvido na dispersão de um movimento visto como legítimo por parcela significativa da população (pesquisa Datafolha de hoje mostra que os caminhoneiros, face mais visível desta crise, contam com 87% de apoio entre a população).

E, como resultado, a Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, não quis colocar automaticamente em prática a decisão do STF e escudou-se no argumento da necessidade de uma posição da AGU (Advocacia Geral da União). A Polícia Federal, contrariando sua estratégia de comunicação de máxima exposição midiática, está sendo muito cautelosa e evitando dar detalhes de sua atuação. O mesmo estamos vendo nas Forças Armadas e nas Polícias Militares, que foram incumbidas de escoltar cargas vitais e desobstruir pistas, mas evitaram confrontos e estão sendo super-diplomáticas no trato com os manifestantes.

As forças de segurança deveriam ter agido de outra forma? É cedo para fazermos afirmações peremptórias. Mesmo após 10 dias de paralisação, falta-nos dados mais amplos sobre o que de fato está em jogo nesta semana de crise. A princípio, gerenciar crises é sempre mais saudável do que reprimi-las. Mas, como instituições republicanas, é essencial que sejam guiadas por métricas públicas e que prestem contas do que foi e do que está sendo feito. Não há margem para dois pesos e duas medidas. A mesma lei vale para todos.

E porque eu digo isso? Se olharmos para os padrões recentes de atuação dessas instituições, o movimento mostra uma inflexão em relação à narrativa que vem dominando o país e que defende confrontos abertos com “bandidos” e a criminalização de movimentos sociais. Se os grupos políticos fossem outros e a narrativa da criminalização das reivindicações sociais estivesse em pauta, a atitude das polícias teria sido diferente?

Afinal, como relata reportagem do UOL publicada na segunda (28), alguns caminhoneiros estavam se apropriando das cargas para poderem se alimentar nos acostamentos das estradas. E, no limite, se o uso de cargas pelos caminhoneiros foi consentido pelos donos das cargas, teríamos neste ato provas do locaute, que é quando empresários incentivam seus trabalhadores a fazerem greve e é um crime no país. Se eles não pediram, temos um furto qualificado, que também é crime. Em ambos os casos, estamos presenciando situações que autorizariam investigações celeres, detenções e, se fosse o caso, flagrantes. Mas a empatia com a causa dos caminhoneiros modulou até aqui a ação pública e torna o quadro bastante opaco e incerto.

E, por trás dessa aparente mudança de narrativa e de postura, esconde-se uma complexa teia de gargalos e dilemas de governança e coordenação do sistema de segurança pública e justiça criminal que, muitas vezes, funciona em uma lógica fragmentada, pouco transparente e demasiadamente autônoma em relação à ordem social inaugurada pela Constituição de 1988. Teia esta que nos motiva a debater os rumos e sentidos das respostas públicas frente ao crime, à violência, ao medo e à manutenção da ordem social democrática do Brasil contemporâneo.

O blog Faces da Violência pretende, exatamente, ser um espaço que buscará analisar o que está por trás dos números da tragédia de medo e violência que nos assola e, com isso, pensar soluções mais efetivas para todos estes movimentos. Violência, segurança e ordem serão, portanto, debatidas a partir de uma perspectiva que valoriza a vida e a cidadania e que acredita no Brasil.

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