Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Morte de Ecko fortalece a expansão política miliciana https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/morte-de-ecko-fortalece-a-expansao-politica-miliciana/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/25/morte-de-ecko-fortalece-a-expansao-politica-miliciana/#respond Fri, 25 Jun 2021 15:27:01 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/ecko-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1802 Por trás da morte midiática do homem mais procurado pela polícia do Brasil está uma construção política de consolidação da milícia, ao invés do seu enfraquecimento

José Cláudio Souza Alves*

O assassinato de Wellington da Silva Braga, o Ecko, em uma operação da Polícia Civil, no dia 12 de junho de 2021, representa mais um capítulo de uma guinada política da atuação policial pelo governo do estado do Rio de Janeiro em direção ao fortalecimento da estrutura miliciana que vem se expandindo de forma acelerada nos últimos anos. Por trás da morte midiática daquele que seria o homem mais procurado pela polícia do Brasil, e o líder da maior milícia do estado, está uma construção política de consolidação da milícia, ao invés do seu enfraquecimento, como afirmado pelas autoridades policiais e pela mídia. Para entender isso, é preciso relacionar essa morte a uma sequência de eventos que se iniciaram em outubro de 2020.

Naquele momento, a um mês das eleições municipais, uma operação conjunta da Polícia Civil e Polícia Rodoviária Federal assassinou 17 pessoas, sob a justificativa de serem “narcomilicianos”. Esse termo passava a dar a tônica da atuação policial. Com ele, desvincula-se a atuação miliciana da ligação com os agentes de segurança pública, dentro do Estado, atribuindo-a às práticas de traficantes. A consequência seria a liberação para matar tais indivíduos, já que não passavam de bandidos. O marketing da ação policial “antimilícia”, ocultando o engajamento crescente dos policiais ao empreendimento miliciano, soma-se à lógica do “bandido bom é bandido morto”, tão cara à extrema direita, naquele momento, em plena campanha eleitoral.

O segundo evento foi a implantação de um destacamento do 39º Batalhão da Polícia Militar no Complexo do Roseiral, na cidade de Belford Roxo, em janeiro de 2021, a partir das articulações entre o prefeito reeleito, Wagner dos Santos Carneiro, e o governador Cláudio Castro. As mais de 20 mortes produzidas por operações policiais nessa área vitimando membros do Comando Vermelho (CV) se incluem na geopolítica de expansão das milícias, que há décadas dominam os bairros do São Bento e Pilar, na cidade vizinha de Duque de Caxias, seguindo o eixo da Avenida Leonel Brizola.

O terceiro momento surge na operação da Polícia Civil que assassinou 28 pessoas em uma operação na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Tal desproporcionalidade de mortes, quando comparadas ao histórico mais recente das operações na capital, relaciona-se tanto ao confronto com o STF e a ADPF que restringe operações policiais nas favelas, em decorrência dos efeitos da pandemia de Covid-19, como à disputa geopolítica miliciana que vem isolando o Jacarezinho a partir dos conflitos com o CV em três favelas próximas: Arará, Mandela 2 e Bandeira 2, as duas últimas, do Complexo de Manguinhos.

A morte de Ecko, a aproximadamente um mês da chacina do Jacarezinho, dá prosseguimento ao projeto em curso. A aliança entre milícia e Terceiro Comando Puro (TCP), tendo o aparato policial como fiador, perpetua-se, a despeito dos assassinatos de “narcomilicianos”, ligados ao TCP, presentes na Liga da Justiça ou ex-bonde do Ecko, numa espécie de “preço a ser pago” pela manutenção dos negócios e marketing “antimilícia” que tenta ocultar a expansão miliciana.

Há, igualmente, uma intensificação do controle territorial, econômico e político eleitoral feito pela milícia em cima das áreas do CV. Projeta-se um alinhamento midiático com o discurso do extermínio, praticado pela política de segurança pública, com destaque para as redes de televisão, notadamente o SBT, com sua penetração popular. Essa correlação de acontecimentos deixa nítida a estratégia política voltada para as eleições de 2022, nas quais os candidatos ao governo do estado, Câmara estadual e federal, Senado e Presidência da República, com projetos de extrema direita, visam aprofundar seus ganhos a partir das disputas entre si, engalfinhados para ocupar o palanque bolsonarista.

O cenário de aprofundamento do fosso social e crescimento do mundo do crime, como alternativa real frente à crise multidimensional que se estabelece, projeta a área de segurança pública como grande palco de operações psicológicas, sociais, midiáticas e assassinas cujo objetivo é consolidar uma hegemonia inconteste da extrema direita sob a batuta bolsonarista. A morte de Ecko, apenas mais um soldado transformado em chefão para justificar a lógica do extermínio como solução, tem, igualmente, uma outra dimensão, que não se pode desprezar. Ela abre um cenário de disputas, internas e externas à milícia, quanto à liderança e condução do legado miliciano na Zona Oeste e Baixada Fluminense que juntas congregam quase 50% do eleitorado do estado.

Danilo Dias Lima, o Tandera, emerge como novo “Lampião” a ser degolado, mas provoca instabilidade na disputa interna à milícia ao ser alçado, pela morte de Ecko, à categoria de novo “chefão” que enfrenta a resistência dos herdeiros familiares de Ecko, como é o caso de Luís Antônio da Silva Braga, seu irmão. Essa instabilidade da disputa interna miliciana se junta, por sua vez, ao risco da retomada, pelo CV, de áreas perdidas para a milícia, produzindo uma intensificação do terror nas comunidades em disputa, que são muitas. Esse agigantamento da onda de instabilidade e medo reforça o pano de fundo para a manutenção do extermínio como prática da segurança pública, retroalimentando mais operações e chacinas enquanto cortina de fumaça que oculta a expansão miliciana como projeto de controle de amplo espectro e, principalmente, político eleitoral.

Todos esses eventos projetam a milícia como grande palanque para 2022. Quem tiver mais milicianos ao seu lado, com controle territorial, econômico e político de áreas, sai na vantagem. Quem mais matar os “narcomilicianos”, troféus criados para as prateleiras da extrema direita, também ganha pontos. Quem soma as duas estratégias tem mais pontos ainda. Desse modo, o a região metropolitana do Rio de Janeiro mantém o seu papel de grande laboratório, repercutindo para o resto do país, dentro do projeto bolsonarista hegemônico, as novas etapas da “milicialização” da segurança pública.

 

*Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”.

 

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Na edição desta semana, leia também “O que nos ensina o Big Brother Policial que envolve a caçada a Lázaro Barbosa” e “Segurança Pública 4.0 : tecnologia e inovação no combate à criminalidade”.

 

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O Rio sob o domínio das milícias https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/05/o-rio-sob-o-dominio-das-milicias/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/05/o-rio-sob-o-dominio-das-milicias/#respond Thu, 05 Nov 2020 14:27:32 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/fs62-1-320x213.gif https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1563 O controle territorial é uma das características históricas e distintivas da dinâmica dos grupos armados. Conheça mais o mapa que mostra que a expansão das milícias é o fenômeno mais notável da cidade nos últimos anos. Este artigo inaugura a parceria de conteúdo do blog com o Fonte Segura, boletim de análise do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Daniel Hirata*

Maria Isabel Couto** 

Desde o final dos anos 1970, “falanges” ou “facções” se formaram no interior de prisões e rapidamente ampliaram suas atividades para fora dos muros dos presídios, gradativamente deslocando o foco da sua atuação dos assaltos a banco para o tráfico de drogas[1]. A fixação espacial própria à venda de drogas, os fluxos intensos entre bairros e prisões e a necessidade de defesa das violentas incursões policiais foram fatores decisivos na caracterização do modelo de controle armado de territórios no Rio de Janeiro, até então sob hegemonia do Comando Vermelho (CV). Ao longo dos anos 1990 o CV sofreu segmentações que originaram o Terceiro Comando (TCP) e o Amigo dos Amigos (ADA)[2]. A lógica de enfrentamento bélico entre esses grupos, e desses com as polícias, marca até hoje a dinâmica espacial fluminense, estabelecendo fronteiras que afetam a rotina dos moradores e condicionam o provimento de serviços públicos, a economia local e as chances de sobrevivência.

Em meados dos anos 2000, as chamadas milícias passaram a entrar nessas disputas[3], a partir de um novo modelo de negócios, baseado na extração de recursos econômicos provenientes do controle de serviços públicos e do achaque de moradores e comerciantes, bem como em relações de tolerância e conivência de servidores públicos, especialmente agentes de segurança[4]. Trata-se de formas de territorialização distintas daquelas das facções do tráfico de drogas, mas que aprofundaram as dinâmicas de disputas e negociação dos grupos criminais, entre si e com as polícias.

Nesse rápido percurso, o que procuramos destacar é que apesar das transformações e rearranjos, a disputa violenta pelo espaço permanece uma constante. O controle territorial é uma das características históricas e distintivas da dinâmica dos grupos armados no RJ e elemento incontornável não só para a área de segurança pública, mas também importante para outras políticas públicas urbanas, desde transporte e habitação até educação e cultura. Por essa razão, surpreende que a cartografia do domínio territorial armado não tenha sido realizada até hoje ou que, quando feita, não tenha se tornado de conhecimento público. Sabe-se da existência de levantamentos, muitas vezes apócrifos e que não apresentavam procedimentos metodológicos explícitos ou conceitos bem definidos, o que dificulta o seu uso como ferramenta para informar o debate público e especializado, típico de sociedades democráticas.

Procurando atuar justamente sobre essa lacuna, o Fogo Cruzado, o GENI-UFF, o NEV-USP, o Disque-Denúncia e o Pista News se reuniram no projeto “Mapa dos grupos armados do Rio de Janeiro”. O objetivo é finalmente construir a cartografia histórica do controle territorial armado no estado, de forma que a mesma permita não apenas informar a opinião pública, mas também auxiliar o trabalho de pesquisadores, jornalistas, gestores públicos e operadores do sistema de justiça criminal.

Um protótipo para o ano de 2019 foi elaborado a partir do repositório do Dique-Denúncia. Das 37.883 denúncias analisadas, 10.206 foram consideradas válidas para comporem uma base própria, de acordo com três critérios característicos do que chamamos de domínio territorial: controle territorial, controle social e atividades de mercado. Posteriormente às denúncias foram classificadas segundo a menção aos principais grupos armados do Rio de Janeiro – CV, TCP, ADA e Milícias – e plotadas no mapa. Para o caso da presença de diferentes grupos armados em um mesmo território, definimos um limiar que seguiu a porcentagem de denúncias para cada grupo a fim de determinar o controle de dado grupo armado ou a caracterização daquela área como “em disputa”.

Gráfico 1: Porcentagem de bairros, da extensão e da população sobre controle de grupos armados na cidade do Rio de Janeiro em 2019

Fonte: Disque-Denúncia (Elaboração Fogo Cruzado, GENI-UFF, NEV-USP, Pista News)

O resultado inicial da análise por bairros ajuda a exemplificar a importância desse projeto. Em 2019 as milícias já abrangiam um território maior que os demais grupos na cidade do Rio (57,5% da superfície da capital do estado). A extensão do domínio das milícias é o fenômeno mais notável dos últimos anos visto que, mesmo sendo um modelo de negócios mais recente e tendo enfrentado uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 2007/2008, isso não impediu seu avanço. No entanto, antes da existência desse mapa, a sua expansão transcorria sob um véu de desinformação e medo. Muitos pesquisadores, a partir de suas intuições e pesquisas, expunham-se ao risco pessoal, afirmando o crescimento das milícias sem, contudo, conseguir demonstrá-lo no contexto geral da cidade e do estado do Rio. Agora, a partir da concretude do mapa, a presença e abrangência das milícias torna-se mais difícil de negar e pode ser comparada com indicadores de criminalidade disponibilizados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), com dados da realização de operações policiais produzidos pelo GENI-UFF e pelo CESEC, bem como com dados gerais de tiroteios produzidos pelo Fogo Cruzado e com dados de desempenho eleitoral obtidos através do TRE. Abre-se com isso um conjunto de possibilidades de análise que enfim podem permitir uma melhor compreensão das dinâmicas violentas de disputa pelo espaço urbano no Rio de Janeiro, jogando luz, inclusive, sobre o papel do Estado na conformação das mesmas.

Este é o propósito do grupo que se reuniu para confeccionar o presente mapa, que, cabe destacar, não se propõe a ser um retrato totalmente preciso da presença dos grupos armados no Rio de Janeiro, mas sim uma ferramenta em construção e aperfeiçoamento que possibilite estimar a dimensão do controle armado por diferentes grupos. Seguindo esse objetivo, os próximos passos do grupo são: (i) a elaboração de uma série histórica, tendo como início o ano de 2005; (ii) a atualização permanente do mapa em plataforma aberta para consulta pública; e, (iii) o desenvolvimento de uma análise mais granular a partir de favelas, conjuntos habitacionais e sub bairros.

[1] MISSE, Michel. (1999). Malandros Marginais e Vagabundo: A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 416 p. Tese (doutorado). Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro

[2] BARBOSA, Antonio Carlos Rafael. (1998), Um abraço para todos os amigos. Algumas considerações sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Niterói, EDUFF.

[3] SOUZA ALVES, José Cláudio (2003). Dos Barões ao extermínio: uma história da violência na baixada fluminense. Duque de Caxias: APPH, CLIO.

[4] Ver nota técnica da Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos, disponível em: http://estaticog1.globo.com/2020/10/26/textodaredesobremiliciaversaoampliadafinal.pdf?_ga=2.14377200.690116268.1604050293-1773541129.1603388616

* professor de sociologia e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense.

** Doutora e mestre em sociologia pelo IESP/UERJ. Atualmente é gestora de dados do Fogo Cruzado.

 

Este artigo é parte do Boletim Fonte Segura, no qual assinantes Folha têm 50% de desconto na assinatura. Conheça mais em https://fontesegura.org.br.

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A economia política das milícias https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/07/19/a-economia-politica-das-milicias/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/07/19/a-economia-politica-das-milicias/#respond Sun, 19 Jul 2020 13:39:55 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/07/Milícias1.gif https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1471 ‘Milícia não sobrevive sem braço político de apoio,  favores, vantagens, privilégios e carteiradas’.

Por Jacqueline Muniz*

As milícias são governos autônomos ilegais que operam nos territórios populares, exploram a vida econômica e regulam a vida social dos moradores. Para existirem e exercerem o seu domínio armado, com fins lucrativos, elas precisam contar com a tolerância e a vista grossa dos poderes públicos e as costas quentes de setores políticos. As milícias saem de dentro do Estado. Elas são compostas, na sua maioria, por agentes da lei. Milicianos não estão escondidos e nem são invisíveis.  Ao contrário, eles têm endereço e trabalho fixos no Estado,  são conhecidos, circulam entre autoridades, participam de festas VIPs, fazem a segurança de gente importante.  Eles são bem relacionados, posam de cidadão de bem e são chegados aos poderes políticos para os seus negócios poderem funcionar.

O negócio da milícia é produzir ameaças para vender proteção. É promover a guerra para vender a paz. Como um governo criminoso ela cobra taxas sobre a oferta de bens  e serviços essenciais.  Quem mora em locais sob domínio armado miliciano é coagido a pagar  o mesmo imposto várias vezes: paga para o Estado, paga para o governo miliciano.  Para o seu negócio funcionar tem que aumentar o sentimento de medo e a insegurança da população com tiroteios, falsas operações. Tem que ter apoio político velado.

Milícia não sobrevive sem braço político de apoio,  favores, vantagens, privilégios e carteiradas. Por isso, ela é financiadora de campanhas eleitorais. As carreiras políticas servem como um ótimo investimento criminoso. Estas carreiras políticas são uma importante lavanderia do dinheiro extorquido da população pela milícia.

Assim, mesmo com a Pandemia, a cobrança de taxas pela milícia não parou. Ela tem obrigado os comerciantes abriram as portas, moradores a pagarem as taxas de proteção. Sem arrecadação a milícia enfraquece, perde poder no território e influência política por cair sua contribuição para o Caixa 2 de candidaturas políticas [Nota do Blog: informações parciais estimam que algumas milícias do Rio de Janeiro chegam a arrecadar mais de R$ 300 milhões por ano].

A milícia é a Polícia ‘DOS BENS’  que tem acuado e tirado das ruas a Polícia ‘DO BEM’, deixando os moradores reféns do Estado duas vezes: da polícia miliciana e a polícia de operações que não é capaz de policiar territórios e população.  Faz tempo que os policiamentos em certas regiões são feitos por grupos criminosos.  A segurança pública tem que voltar a ser administrada pelo Estado e não ser mais terceirizada para firmas clandestinas, grupos armados, etc.

É preciso que o executivo, o legislativo e o judiciário, juntos, retomem o controle da segurança. Só assim a insegurança deixará de ser um projeto político-criminoso  milionário que tem dado certo entre nós.

*Professora da UFF

 

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Medo das milícias supera medo dos traficantes em favelas e bairros nobres do Rio, diz Datafolha e FBSP https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/02/18/medo-das-milicias-supera-medo-dos-traficantes-em-favelas-e-bairros-nobres-do-rio-diz-datafolha-e-fbsp/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/02/18/medo-das-milicias-supera-medo-dos-traficantes-em-favelas-e-bairros-nobres-do-rio-diz-datafolha-e-fbsp/#respond Mon, 18 Feb 2019 16:28:11 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/info_mapa_desk2-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=624 Os milicianos, que ganharam as manchetes nacionais neste início de 2019 com o caso de Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro, são hoje mais temidos que os traficantes de facções criminosas dentro das comunidades e entre os moradores da zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

Segundo o Datafolha, que ouviu 843 pessoas na capital fluminense entre os dias 23 e 25 de janeiro deste ano em pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgada nesta segunda (18), 29% dos entrevistados nas comunidades têm mais medo das milícias do que de traficantes e policiais – 25% têm mais medo do tráfico, 18% da polícia e 21% de todos na mesma proporção.

Na zona sul, onde se concentram os bairros mais ricos da cidade, esse índice é ainda maior: 38% temem mais as milícias contra 20% dos traficantes, 24% de todos, e 12% da polícia.

O fato é que as milícias não são um fenômeno recente e já há vários estudos e reportagens sobre como elas funcionam e, basicamente, vão ganhando legitimidade política; vão dominando cada vez mais territórios pela violência e pelo terror; e vão almejando o poder do Estado. Em época em que o debate sobre terrorismo volta à tona no Brasil, as milícias seriam as organizações que, no país, mais se assemelham a grupo terroristas à luz do direito internacional, pois almejam rivalizar e substituir o Estado de Direito.

Seja como for, uma pesquisa rápida na web conseguirá localizar boas análises de pesquisadores como Alba Zaluar e Ignácio Cano, ambos da UERJ, que aprofundam esta discussão. Afinal, este é um tema que merece toda a dedicação das autoridades comprometidas com a manutenção do Estado de Direito e com a integridade da nação e do seu território nacional.

E esse dado chama ainda mais a atenção pois aparece em uma pesquisa que foi elaborada para avaliar o impacto da intervenção federal na segurança pública, encerrada em 31 de dezembro do ano passado. Ou seja, surge em um momento em que o Rio de Janeiro poderia estar vivendo uma reversão positiva do cenário de medo e violência, após inúmeros esforços feitos ao longo dos quase 11 meses de ação das Forças Armadas na cidade.

Mas a intervenção federal fez com que os militares tenham trabalhado muito mas não tenham conseguido mudar o quadro de medo, risco e insegurança encontrado no Rio de Janeiro antes da ação das Forças Armadas, já que esteve, conforme relatório do Observatório da Intervenção, em muito baseada na premissa do enfrentamento e que, resultados de médio e longo prazo, ainda demorarão a chegar e estão em risco pelas posições ideológicas do novo governador.

Se forem levados em consideração os dados colhidos em toda a cidade, o medo dos traficantes de facções ainda supera o das milícias, com 34% e 27%, respectivamente. Outros 12% tem mais medo de policiais e 22% tem medo de todos na mesma proporção. Entre as pessoas que declaram ter mais medo dos traficantes, 39% são favoráveis à intervenção federal na cidade, 17% foram contra e 16%, indiferentes. No caso de quem teme as milícias, foram 27% a favor, 30% contra e 18% mostraram-se indiferentes.

O levantamento também questionou se os entrevistados foram de fato vítimas de algum tipo de violência nos últimos 12 meses. Os dados mostram um contraste entre o medo e a realidade dos cariocas. Nesse caso, 29% se viram no meio de fogo cruzado entre policiais e criminosos, em um indicativo de que há algo de muito equivocado nas políticas de segurança implementadas na cidade.

Diante de tais números, não é difícil compreender o quanto é ineficiente e, até mesmo, tosco, investir em receitas que não coordenem esforços e que não articulem, simultaneamente, prevenção da violência e repressão qualificada da criminalidade. Pacotes ou medidas que não levem isso em consideração e/ou apostem na lógica do confronto só agravarão o cenário de devastação moral do Rio de Janeiro – e, sendo sincero, do Brasil todo.

Aliás, não adianta nos indignarmos de cima dos nossos pedestais acadêmicos e sociais e falarmos que as favelas são lugares que amontoam gente e são abandonados pelo Estado. Isso é importante para fazer a sociedade refletir, mas soluções efetivas precisam ser construídas em conjunto e ouvindo as próprias comunidades. Do contrário, não seremos em nada diferentes dos higienistas do começo do século XX.

A pesquisa do Datafolha é a segunda do gênero realizada a pedido do FBSP para monitorar os resultados da intervenção federal no Rio de Janeiro, que terminou em dezembro do ano. Uma primeira foi realizada poucos dias depois do início da operação. Os dados de 2019 não diferem muito desta primeira. Ou seja, os levantamentos realizados em março do ano passado e em janeiro deste ano mostram um aspecto pouco debatido no que diz respeito à segurança pública que é a dimensão do medo. As pessoas continuam apavoradas e de nada adiantará políticas criminais e penitenciárias que foquem apenas na esfera penal e processual penal.

Se queremos superar as anacrônicas e ineficientes políticas criminais e penitenciárias brasileiras, temos que começar dando voz para as comunidades e para os policiais que estão na ponta da linha atendendo a população. A sapiência das leis reside não em silenciar as vozes da cidadania, mas em potencializá-las em um novo modelo de segurança pública e justiça criminal que seja capaz de verdadeiramente reduzir a violência e o medo; seja capaz de tornar o Brasil mais seguro sem atalhos ou soluções mágicas.

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