Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 As mulheres nos quartéis também sofrem violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/05/25/as-mulheres-nos-quarteis-tambem-sofrem-violencia/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/05/25/as-mulheres-nos-quarteis-tambem-sofrem-violencia/#respond Tue, 25 May 2021 14:05:10 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/fotofaces-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1758 Casos recentes de assédio e importunação sexual contra profissionais de segurança em suas corporações revelam a necessidade de ampliar o debate sobre o tema no país

Camila Paiva*

Ser mulher no ambiente militar não é nada fácil. Afinal, as instituições militares foram feitas por homens e para os homens. Nesse sentido, as mulheres muitas vezes são vistas com “invasoras” desse espaço, não sendo incomum ouvir que ali não é o lugar delas. Se, em uma sociedade machista e patriarcal, que vê o corpo da mulher como propriedade do homem ou algo público, já é difícil para a mulher lidar com certas situações, imaginem dentro de uma corporação composta por apenas 10% de mulheres. Some-se a isso uma estrutura rígida hierarquizada, cheia de regulamentos, que coloca um superior hierárquico numa posição de poder absoluto acima do seu subordinado, e o resultado não poderia ser outro: casos frequentes de assédio e importunação sexual dentro dos quartéis.

Acompanhamos o caso recente da Soldado Jéssica, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que foi assediada sexualmente pelo seu Comandante de Batalhão, a maior autoridade em seu local de trabalho. Casada e com filhos, ela negou as investidas e, em consequência disso, enfrentou um terror de perseguição, ameaças, humilhações e violência psicológica indescritíveis. Jéssica saiu de sua terra natal para São Paulo em busca do sonho de ser PM, mas se viu dentro de um pesadelo. No final, teve que se afastar do trabalho, inicialmente por dispensa médica em virtude de sua saúde mental ter sido destruída por seu assediador. Mas, sem apoio institucional nenhum, foi além e entrou de licença por dois anos, tendo seu salário suspenso em razão de ser vítima de um crime. Existe alguma lógica nisso? Claro que não, e, como se não bastasse, a única saída que passa pela cabeça dela agora é sair da corporação pela qual tanto lutou para fazer parte, abrindo mão não só de sua carreira, mas também do próprio sustento.

A situação é extremamente revoltante, mas é uma realidade que grita dentro da caserna. Ao mesmo tempo, é um assunto proibido, um tabu, afinal precisamos preservar a “imagem das Instituições”. Mas, diante disso, quem está preservando nossas profissionais? Zelar pela imagem da corporação é, acima de tudo, coibir e punir com rigor qualquer tipo de prática nesse sentido, é defender as mulheres que estão ali arriscando suas vidas para proteger a sociedade e que não estão sendo protegidas. Mais do que nunca, precisamos encarar que esse problema existe e desenvolver políticas institucionais urgentes para combater o assédio sexual dentro dos muros dos quartéis.

Ano passado aconteceu um episódio na Polícia Militar do Ceará, em que um sargento postou um áudio em um grupo de Whatsapp dizendo que as mulheres nos quartéis deveriam servir exclusivamente para “desestressar ” os homens, com o cunho sexual e pejorativo. A mensagem prosseguia com o sargento dizendo que era muito estressante ser policial militar para o homem, e que as mulheres militares deveriam ficar esperando eles retornarem ao quartel para ficar mais uma hora com um, depois meia hora com outro, sugerindo a prestação de favores sexuais por parte delas. Tomada por extrema indignação, fiz um vídeo reproduzindo o referido áudio e compartilhei nas redes sociais, servindo de gatilho para várias mulheres que o assistiram. O resultado foi uma enxurrada de mais de 300 depoimentos em minhas redes sociais de mulheres relatando os casos mais absurdos possíveis de machismo, assédio e importunação sexual sofridos dentro da sua corporação; mulheres que foram aposentadas como loucas, pacientes psiquiátricas incapazes de continuar no serviço ativo; mulheres que foram estupradas, perseguidas, ameaçadas, transferidas, sofreram aborto, perderam o emprego, tentaram suicídio e todo tipo de situação bizarra decorrente dessa prática.

Para tentar enfrentar esse tipo de horror, criamos um movimento nas redes sociais chamado Somos Todas Marias, em que reproduzimos muitos desses relatos para que o poder público e a sociedade tomassem ciência da gravidade dessa realidade e que assim buscássemos uma solução efetiva para tal. Que a repercussão do caso da Jéssica venha fortalecer essa luta e inspirar outras mulheres a não se calarem e a denunciarem esses criminosos. Não descansaremos enquanto nossas mulheres e profissionais de segurança pública possam também sentirem-se seguras em seu ambiente de trabalho, sem qualquer tipo de molestação, e com o respeito e a vigilância de toda a nossa sociedade.

*Tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas e Presidente da Comissão Mulher Segura da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas.

Acompanhe as edições semanais integrais do Fonte Segura, a newsletter com dados e análises sobre segurança pública. Acesse: fontesegura.org.br

Na edição desta semana, leia também “Ciência e erro na investigação policial” e “Uma milícia no Rio Grande do Sul?”.

]]>
0
O aumento das agressões às mulheres em dias de partidas de futebol https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/02/11/o-aumento-das-agressoes-as-mulheres-em-dias-de-partidas-de-futebol/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/02/11/o-aumento-das-agressoes-as-mulheres-em-dias-de-partidas-de-futebol/#respond Thu, 11 Feb 2021 16:56:45 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/fotofutebol-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1665 Estudos apontam relação entre derrotas e aumento nas agressões e demonstram que atos não podem ser vistos como descontrole ou fruto de explosão emocional, mas antes como um dispositivo que fortalece a ideia de um gênero dominante.

Amanda Pimentel*

 

Os primeiros dias do mês de fevereiro deste ano foram marcados não apenas pela comemoração da vitória do Palmeiras na final da Copa Libertadores da América, mas também, e infelizmente, por um caso de homicídio ocorrido em razão de um desentendimento originado por causa do jogo. Um casal que acompanhava a partida em sua casa em um condomínio na Vila Mangalot, zona norte de São Paulo, iniciou uma discussão após comemorações da esposa, palmeirense, pelo título do clube, o que incomodou seu marido, torcedor do Corinthians.

Apesar de parecer uma exceção, casos de violência contra mulheres ocorridos após o término de partidas de futebol são muito mais comuns do que imaginamos. A relação entre consumo de esportes televisionados e o aumento do número de casos de violência contra a mulher começou a receber atenção do público em geral, profissionais de saúde e comunidade acadêmica, já em 1993, quando a rede de televisão NBC transmitiu um programa de combate à violência contra a mulher durante sua cobertura do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano, em razão do aumento de mais de 40% de casos de violência doméstica ocorridos neste dia (Holler, 1993).

Desde então, importantes pesquisas que abordam a relação entre esporte e violência começaram a ser desenvolvidas (ver: Card e Dalh, 2011; Gantz, Bradley e Wang, 2006). A maioria desses novos estudos concentrou-se em analisar os impactos das partidas de futebol no comportamento violento dos seus telespectadores, buscando entender como isto contribui com o aumento de casos de violência doméstica. Controlando as expectativas pré-jogo das torcidas, isto é, se o público esperava que o seu time ganharia ou perderia, e o tamanho da audiência das partidas, a maior parte dos autores descobriram que as perdas fortuitas de times da casa, quando era esperado que ganhassem, aumentavam os incidentes de violência contra a mulher.

Um aumento de 10% das taxas de violência doméstica foi identificado nesses casos e se concentrou, sobretudo, nos momentos mais próximos ao final das partidas. O incremento é ainda maior em disputas entre times tradicionalmente rivais ou ainda em partidas decisivas ou eliminatórias, apresentando 1/3 a mais de alargamento nas taxas de violência do que dias de grandes feriados nacionais, por exemplo. Desse modo, não são todas as partidas de futebol que contribuem para o aumento dos índices de violência doméstica, mas majoritariamente aquelas que ocorrem em finais de semana e em que uma derrota ou vitória contrariam o resultado esperado pela torcida, especialmente em jogos ocorridos dentro da casa e contra times rivais. A mensuração “ganho ou perda” adquire grande importância nesse contexto, assim como a tradição de um time e a rivalidade que ele mantém com outros.

Nas pesquisas realizadas, essas variáveis são importantes porque são capazes de produzir fortes choques emocionais nos homens, principais fãs do esporte, contribuindo assim para o aumento de ações indesejadas, como a violência perpetrada contra a própria parceira. Outrossim, a natureza violenta do esporte futebol americano, constantemente referenciada pelos canais de televisão que os transmitem, parece ter capacidade para influenciar o comportamento dos seus telespectadores.

Em razão dessa intensa associação entre homens, esporte e violência, realizada por grande parte da bibliografia especializada, muitos pesquisadores começaram também a analisar a relação entre masculinidades e perpetração de violência física, em um campo conhecido como “Men’s studies” (estudos de masculinidades). Desconstruindo as narrativas que argumentam que esse tipo de comportamento é natural, esse campo de estudos defende que o cometimento de violência perpassa necessariamente a construção social de uma identidade de gênero. Para eles, esse tipo de violência não pode ser visto como um ato descontrolado ou como mero fruto de uma explosão emocional, mas antes como um dispositivo que fortalece a ideia de um gênero dominante.

Apesar de haver um debate internacional sobre o assunto, no Brasil a relação entre futebol e violência doméstica ainda carece de informações e dados qualificados. É nesse sentido que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Instituto Avon, está desenvolvendo um projeto inédito que visa compreender como essa relação ocorre, a partir da coleta e análise cruzada de dados dos registros oficiais de violência doméstica com informações sobre partidas de futebol em alguns estados brasileiros. A expectativa é que os resultados encontrados nesta pesquisa possam contribuir para um maior entendimento sobre o cenário de ocorrências de violência contra a mulher no Brasil.

 

*Mestre em Direito pela PUC-Rio e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

Referências citadas no texto:

Card, David, and Gordon B. Dahl, “Family Violence and Football: The Effects of Unexpected Emotional Cues on Violent Behavior,” National Bureau of Economic Research Working Paper no. 15497, 2009.

Gantz, Walter, Samuel D. Bradley, and Zheng Wang, “Televised NFL Games, the Family, and DomesticViolence,” pp. 365–382 in Handbook of Sports and Media, ed. ArthurA.RaneyandJenningsBryant, (Mahwah, NJ: Erlbaum, 2006).

Hohler, B. Super Bowl Gaffe. The Boston Globe, p. 1, 1993, February, 2.

 

Acompanhe as edições semanais integrais do Fonte Segura, a newsletter com dados e análises sobre segurança pública. Acesse: fontesegura.org.br

Na edição desta semana, leia também “O legado político da Lava Jato” e “A letalidade como método de ação policial”.

 

]]>
0
O novo protocolo de comunicação de violência contra a mulher https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/02/04/o-novo-protocolo-de-comunicacao-de-violencia-contra-mulher/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/02/04/o-novo-protocolo-de-comunicacao-de-violencia-contra-mulher/#respond Thu, 04 Feb 2021 19:37:44 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/fotoviolênciamulher-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1652 A compreensão da nova lei levanta questões importantes sobre os direitos à privacidade da mulher e ao sigilo médico

Marisa Sanematsu*

A notificação dos casos de violência contra a mulher atendidos em unidades de saúde públicas e privadas é obrigatória desde 2003, quando entrou em vigor a Lei nº 10.778, cujo principal objetivo foi criar uma base de dados estatísticos que permitisse dimensionar uma parcela do problema e subsidiar a criação e implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher.

A saúde sempre foi a principal “porta de entrada” para o atendimento da mulher em situação de violência, tanto por ser o primeiro lugar a que ela recorre após uma violência física como porque as/os profissionais que atuam nesses serviços podem muitas vezes identificar – mesmo que ela própria não indique – se a mulher sofreu ou vem sofrendo violência física, psicológica e/ou sexual.

Desde o advento da lei, profissionais que atuam nas unidades de saúde vêm sendo capacitados a identificar, encaminhar e registrar em formulário próprio os casos de violência doméstica atendidos nas unidades, que alimentam a base de dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) do Ministério da Saúde.

Contudo, desde março de 2020, entrou em vigor a Lei nº 13.931, que altera a Lei nº 10.778/2003 para determinar que “os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher (…) serão obrigatoriamente comunicados à autoridade policial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos”.

Preocupado com o impacto que a mudança poderia produzir sobre as mulheres e profissionais de saúde, em setembro de 2019, o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), da Defensoria Pública de São Paulo, já havia emitido Parecer Técnico recomendando a não aprovação do projeto que deu origem à lei, por considerar que a alteração “viola as garantias da intimidade, vida privada e do sigilo médico-paciente”.

Com a aprovação da Lei nº 13.931, em maio de 2020 o Nudem SP divulgou outro comunicado, em que declara que, após enviar recomendações ao Ministério da Saúde para a garantia dos direitos das mulheres e profissionais envolvidos, a pasta respondera, em abril, que a regulamentação que estava sendo construída iria incluir “recomendações de não envio do prontuário e ficha de notificação de violência às autoridades policiais, bem como da importância da autorização da mulher nas situações em que as informações de identificação pessoal precisarão ser repassadas às autoridades policiais para medidas de proteção emergenciais”.

Embora a lei tenha entrado em vigor em 10 de março de 2020, isto é, 90 dias após sua sanção, somente em janeiro de 2021 o Ministério da Saúde divulgou a Portaria nº 78, com as “diretrizes para a comunicação externa dos casos de violência contra a mulher às autoridades policiais, no âmbito da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003”.

O art. 14-D da Portaria nº 78 determina que “a comunicação dos casos de violência contra a mulher à autoridade policial deverá ser feita: I – de forma sintética e consolidada, não contendo dados que identifiquem a vítima e o profissional de saúde notificador; ou II – em caráter excepcional, com identificação da vítima de violência, em caso de risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável”.

Para quem atua no atendimento de saúde, a medida torna mais complexos os fluxos de atendimento e registro de informações. Além disso, cabe perguntar: esses profissionais estão capacitados a identificar uma situação que envolva risco real para a vítima? E a polícia, está preparada para tomar as “providências cabíveis” sobre as novas denúncias que receber ou estas serão apenas incluídas em uma base de dados inútil?

Além de compreender o que muda com a nova lei, não apenas para mulheres e profissionais de saúde, mas também para agentes da segurança pública, é preciso perguntar: a quem serve essa modificação? Quando se fala em “notificação compulsória” de um agravo de saúde, o objetivo é subsidiar com dados internos a vigilância epidemiológica e orientar ações para aperfeiçoar a identificação, a prevenção e o controle.

Mas, quando se determina a comunicação (externa) à polícia “para as providências cabíveis”, passam a fazer parte do debate, além dos direitos à privacidade da mulher e ao sigilo médico, outras questões complexas e ainda sem respostas, como a garantia de um correto encaminhamento do caso pela autoridade policial, que garanta não apenas a confidencialidade dos dados, mas também a segurança e a proteção da vítima e da/o profissional de saúde, que podem ser alvos de retaliações por parte do agressor.

Importa especialmente perguntar às mulheres se quando buscam assistência na saúde elas querem que seu problema se torne um caso de polícia. Não se trata de defender que os agressores não sejam responsabilizados, mas não se deve condicionar o acesso à saúde ao registro policial, mesmo que apenas em um banco de dados e não em um B.O. Mais uma vez, com o intuito de proteger as mulheres, mais violências serão praticadas.

Quando iremos parar de impor às mulheres aquilo que consideramos “o melhor para elas” e começaremos a ouvi-las e compreendê-las, para atendê-las de forma adequada em suas necessidades e desejos?

 

*Jornalista, mestre em comunicação pela Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo e diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão.

 

Acompanhe as edições semanais integrais do Fonte Segura, a newsletter com dados e análises sobre segurança pública. Acesse: fontesegura.org.br

Na edição desta semana, leia também “Os Desafios do Congresso Nacional na Segurança Pública” e “Um breve panorama dos crimes registrados em São Paulo em 2020”.

]]>
0
Em meio à Covid-19, como ir além do registro online de violência doméstica https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/05/01/em-meio-a-covid-19-como-ir-alem-do-registro-online-de-violencia-domestica/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/05/01/em-meio-a-covid-19-como-ir-alem-do-registro-online-de-violencia-domestica/#respond Fri, 01 May 2020 22:13:42 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/Sebastião-Moreira.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1419 Texto de autoria de Ludmila Ribeiro e Valéria Oliveira*

“Para diminuir as chances da vitimização feminina em âmbito doméstico e o agravamento da violência contra a mulher, os registros on-line devem vir acompanhados da concessão de medidas protetivas de urgência e de estratégias de fiscalização do cumprimento das condicionalidades”

Dizem que no Brasil o ano só começa após o carnaval. Passadas as festividades que varrem o país de norte a sul, é hora de se concentrar no trabalho. Não em 2020, quando fomos tomados pela pandemia de Covid-19. Alguns foram levados ao home office e outros tantos ao desemprego. Fato é que fomos obrigados a passar mais tempo dentro de casa, o que trouxe consequências exponenciais para as mulheres, tradicionalmente representadas como “as donas do lar”.

Como as atividades de cuidado – com as pessoas e com a própria casa – ainda são vistas como tarefas femininas, a pandemia de coronavírus contribuiu para exacerbar as desigualdades de gênero. O problema é que, além da sobrecarga de trabalho, para algumas mulheres, o Covid-19 dá novas cores à violência a que elas estão expostas no lar. Interessa-nos, então, entender se os governos atentaram para o risco de que a mortalidade entre as mulheres na pandemia pode não se dar pela Covid-19, mas por elas estarem “dormindo com o inimigo”.

Como medida relacionada ao coronavírus, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos criou um aplicativo para denúncias de violações de direitos humanos, entre as quais se incluem a violência doméstica. Apesar de disponível apenas para o sistema Android, a promessa é “trazer para o mundo digital os serviços do Disque 100 e do Ligue 180”. Na mesma direção, boa parte das Polícias Civis lançou números de Whatsapp ou aplicativos para o registro on-line de crimes, o que inclui também os casos de violência contra a mulher. Acontece que o registro é só o primeiro passo para quem decide buscar ajuda.

Como indicam pesquisas já realizadas sobre o tema,[1] a efetividade do acionamento da polícia está relacionada à determinação de medidas protetivas de urgência, que passaram a compor o ordenamento jurídico brasileiro com a Lei Maria da Penha em 2006. Elas, contudo, não são concedidas automaticamente, cabendo ao juiz analisar a sua pertinência, escolher as mais adequadas e definir seu tempo de duração. Aí está o primeiro gargalo. Muitas vezes os magistrados evitam a aplicação dessas medidas por achar que o problema é de menor importância, não cabendo à Justiça “meter a colher em briga de marido e mulher”.

Assim, mesmo antes das medidas de distanciamento social decorrentes da Covid-19, era possível identificar situações em que a vítima, após o registro da ocorrência e recebimento da medida protetiva, impossibilitada material ou emocionalmente de cumprir as orientações legais de afastamento, permanecia no domicílio ou em locais de conhecimento do agressor. Basta imaginar o quanto essa situação se agrava quando as possibilidades de mudança de endereço são mais limitadas pela crise econômica decorrente do coronavírus.

Em tempos de “normalidade”, as mulheres já sublinhavam que o sucesso das medidas protetivas dependia de outros mecanismos, como a visita das chamadas “patrulhas Maria da Penha”, que são desenvolvidas pelas Guardas Municipais e Polícias Militares em todo o país. Nas visitas, profissionais de segurança bem treinados e “da área de gênero” conversam com os agressores sobre igualdade de direitos e necessidade de respeito às mulheres, especialmente, em âmbito doméstico. A ação é bem avaliada pelas mulheres porque esses guardas e policiais sabem “onde as violências acontecem”, efetivamente, “tomam providências” para evitar novas agressões e, especialmente, o feminicídio.

Essa história é para dizer que somente os registros on-line de violência doméstica tendem a ser inócuos para prevenir os crimes contra as mulheres em âmbito doméstico durante a pandemia. Talvez ajudem na contabilidade dos efeitos da Covid-19 na sociabilidade familiar, como também indicam os dados extraídos das redes sociais, que apontam para aumento da incidência de brigas e agressões em casa e que nem sempre chegam ao conhecimento da polícia.[2]

Para diminuir as chances da vitimização feminina em âmbito doméstico e o agravamento da violência contra a mulher, os registros on-line devem vir acompanhados da concessão de medidas protetivas de urgência e de estratégias de fiscalização do cumprimento das condicionalidades. Para tanto, há que se ampliar o escopo de medidas e revigorar algumas estratégias, por exemplo, como as mobilizadas pelas patrulhas Maria da Penha, com profissionais com treinamento e perfil adequados para a abordagem que esse tipo de situação demanda. Afinal, ela envolve o medo e o constrangimento da mulher, exigindo a sensibilidade de quem a escuta do outro lado, o que aponta para uma outra questão. Num contexto de agravamento da pandemia de coronavírus, é preciso garantir Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados aos agentes de segurança pública que realizam as visitas. Ou seja, é indispensável pensar o problema holisticamente.

Consideramos que atender aos casos de violência doméstica contra a mulher é papel do estado, por meio da articulação entre os seus serviços de segurança pública, justiça, saúde, assistência social e/ou defesa de direitos humanos. Para tanto, faz-se necessário providenciar, no mínimo: 1) vagas em serviços temporários de acolhimento à vítima, seus filhos e outros familiares também ameaçados;[3] 2) acesso a programas de transferência de renda como o Bolsa Família e mesmo o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; 3) atendimento em serviços de apoio e acompanhamento psicológico, e 4) ampliação dos canais de comunicação com a Defensoria Pública e o Ministério Público.

Reconhecemos que tais medidas são extremamente desafiadoras para o poder público, já que as instituições envolvidas sofrem com alterações significativas decorrentes da própria pandemia. Porém, o planejamento de uma política consistente de apoio às vítimas e de prevenção da violência doméstica em um cenário como o atual implica ter no horizonte essas e outras ações mais concretas. Caso contrário, os aplicativos de registro on-line serão mais um investimento público que não gerará os resultados esperados, fazendo com que, ao final da quarentena, tenhamos um crescimento de vítimas fatais do distanciamento social. Não como decorrência da COVID-19, mas da vivência da mulher com o seu maior algoz: um membro de sua própria família.

 

Ludmila Ribeiro

Professora Associada do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (DSO/FAFICH) e Pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Valéria Cristina de Oliveira

Professora Ajunta do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da Faculdade de Educação (DECAE/FaE), Pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) e do Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares (NUPEDE), todos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

[1] Azevedo, R. G., & de Vasconcellos, F. B. (2012). A Lei Maria da Penha e a administração judicial de conflitos de gênero: Inovação ou reforço do modelo penal tradicional?. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social5(4), 549-568.

[2] Em nota técnica publicada em 20 de abril de 2020, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta o crescimento de menções a brigas entre casais reportadas por vizinhos no Twitter face à evolução menos acelerada e até negativa dos registros de ocorrências e de medidas protetivas de urgência concedidas no mesmo período. FBSP. (2020). Violência doméstica durante a pandemia de COVID-19. São Paulo. Disponível em: http://forumseguranca.org.br/publicacoes_posts/violencia-domestica-durante-pandemia-de-covid-19/.

[3] Como em projeto realizado em países como a França, a Deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo apresentaram proposta emergencial para prover hospedagem a mulheres em situação de violência doméstica. Disponível em:

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/03/30/franca-colocara-vitimas-de-violencia-domestica-em-hoteis-apos-salto-em-numeros-de-casos.ghtml

]]>
0
Banalização da violência e a senilidade do machismo https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/09/29/banalizacao-da-violencia-e-a-senilidade-do-machismo/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/09/29/banalizacao-da-violencia-e-a-senilidade-do-machismo/#respond Sun, 29 Sep 2019 20:39:39 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Foto-para-texto-Samira-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1102 Por Samira Bueno*

No último dia 22 o programa de Silvio Santos achou boa ideia promover um concurso de miss com crianças, algumas de 7 ou 8 anos. Após as meninas desfilarem de maiô, o apresentador disse “agora, vocês do auditório, que estão com o aparelhinho [de votação], vão ver quem tem as pernas mais bonitas, o colo mais bonito, o rosto mais bonito e o conjunto mais bonito“.

O dono de uma grande emissora de televisão resolveu fazer um desfile de maiô com crianças no país que registrou mais de 35 mil estupros infantis apenas no ano passado. No mesmo domingo em que o programa era exibido, outras 96 crianças foram vítimas de estupro, tomando como base os dados de 2018. Três em cada quatro estupros são praticados por alguém conhecido e muitas vezes da confiança da criança. Em 97% das vezes o agressor era homem. Apesar destes números serem de conhecimento público, a sexualização, erotização e espetacularização do corpo infantil seguem a todo o vapor.

Cerca de 53% de todos os registros de estupro do país têm vítimas com idade máxima de 13 anos. Mais de 16 mil vítimas tinham no máximo 9 anos. Para além das lesões físicas e imediatas que decorrem do abuso, as sequelas invisíveis são tão ou mais cruéis e podem persistir por toda a vida. Estudos indicam que crianças que vivenciaram o trauma da violência sexual apresentam problemas de relacionamento com crianças e adultos, depressão e ansiedade, distorção da imagem corporal, dentre outros problemas que afetam o desenvolvimento emocional, cognitivo e comportamental.

Na mesma semana o então radialista Gustavo Negreiros, da Rádio 96 FM, de Natal (RN), criticava a ativista ambiental Greta Thunberg por seu discurso durante a Cúpula do Clima em Nova York. Mas a crítica não foi ao conteúdo do discurso da jovem ativista, e sim ao fato dela ser, nas palavras dele, “mal-amada”, “histérica”, ao que completou: “Ela está precisando de um homem, ou macho ou uma fêmea. Se ela não gosta de homem, que ela pegue uma mulher. Ela tá precisando de sexo”.

Uma garota de 16 anos com síndrome de Asperger, um dos transtornos do espectro do autismo, que mesmo com esta condição se destaca em todo o mundo por sua luta pela preservação do meio ambiente. E a melhor crítica que um homem adulto, formador de opinião e apresentador de rádio tem a oferecer é, na realidade, um ataque vil e machista.

Também esta semana um episódio no programa A Fazenda mobilizou as redes sociais. O participante Phellipe Haagensen beijou a força Hariany Almeida, que prontamente o reprovou e inclusive ameaçou denunciá-lo. O apresentador Marcos Mion está sendo cobrado nas redes sociais sobre qual será o encaminhamento que a emissora dará ao caso.

O que os três episódios têm em comum? Eles ilustram bem o que é o dia a dia de meninas, adolescentes e mulheres, e como a desigualdade de gênero está na raiz de uma cultura machista que gera práticas discriminatórias e violentas que afetam milhões de meninas e mulheres em todo o mundo. Uma pesquisa produzida pelos Instituto Avon e Locomotiva perguntou aos brasileiros se havia desigualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade. Para 88% isso era verdade. Curiosamente, apenas 14% dos respondentes se consideraram machistas. O machismo existe, mas o problema é sempre o outro.

A violência é uma das faces mais visíveis da desigualdade de gênero em nossa sociedade, mas está longe de ser exclusiva. Se as mulheres representam 51,7% da população brasileira, nossa representação está longe de ser equânime. No mercado de trabalho os últimos dados do IBGE mostram que mulheres ganham em média 20,5% menos que os homens, mesmo com maior grau de escolaridade. Olhando para as lideranças de grandes empresas, mulheres representam 3% nos cargos de CEO. Na Câmara dos Deputados apenas 15% das deputadas são mulheres, no Senado 16% das cadeiras são ocupadas por nós.

Em tempos de lacração e busca incessante de cliques e audiência, muitas destas violências vão sendo naturalizadas ou, pior, chamadas de “mimimi”. Mas é justamente por acharmos normal crianças desfilando de maiô que os estupros não param de crescer. É por sermos coniventes com os “beijos roubados” e ofensas verbais que a violência doméstica continua em alta. E é porque deixamos que estas imagens e discursos invadam as nossas casas todo os dias que milhares continuam sendo vítimas de feminicídio. Nada disso deveria ser normal.

*Diretora Executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

]]>
0
Com o ‘Escola sem Partido’, será proibido falar de violência doméstica e sexual nas Escolas https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/11/25/com-o-escola-sem-partido-sera-proibido-falar-de-violencia-domestica-e-sexual-nas-escolas/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/11/25/com-o-escola-sem-partido-sera-proibido-falar-de-violencia-domestica-e-sexual-nas-escolas/#respond Sun, 25 Nov 2018 23:23:55 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/Malala-e-Emma-Watson-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=447 Com Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A ideologia por trás do projeto “Escola Sem Partido” é permissiva e cínica para com a questão da violência sexual e doméstica, já que os grupos que defendem o projeto estão, tácita ou explicitamente, aceitando que 221.238 registros de violência doméstica feitos a partir da Lei Maria da Penha (lesões corporais), em 2017, sejam esquecidos ou desconsiderados.

Se o projeto for aprovado, o Estado ficaria impedido de alertar para o fato de que, segundo o Atlas da Violência, cerca de 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes e que, destes, algo como 50% foram abusadas por alguém próximo e do seu convívio: pais e padrastos, primos, vizinhos.

Se a Escola não falar de papeis de gênero e de violência, os homens vão continuar a achar que podem abusar livremente dentro de casa e/ou no transporte público e a violência continuará a fazer parte do cotidiano de milhões de brasileiros.

E isso vai contra a opinião da própria população. De acordo com pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Datafolha, 91% da população adulta com 16 anos de idade ou mais do país acredita que “devemos ensinar meninos a não estuprar”. Ou seja, devemos ensinar que pouco importa quem é o agressor ou qual a roupa que a mulher está vestida e/ou a profissão ou comportamento das vítimas, “não” é sempre “não”.

Isso significa dizer que, na medida em que a sociedade brasileira ainda é extremamente machista, mulheres e crianças precisam ser protegidas inclusive da família, muitas vezes movida por papéis tradicionais de gênero que moldam o que cada integrante pode ou não fazer e que não estão necessariamente balizados nas leis.

E isso não tem nada a ver com posições que hoje são celeremente rotuladas de “comunistas” ou “esquerdistas” pelos ególatras porém fracos candidatos brasileiros a Martin Heidegger, filósofo alemão antiglobalista e bastante simpático ao Nazismo e a Adolf Hitler. A violência contra a mulher é uma batalha civilizatória mundial que separa as nações e revela o caráter moral e ético de suas populações.

Qualquer cidadão, seja homem, mulher, criança, jovem ou adulto, tem assegurado pela lei o direito à integridade física e psicológica, bem como fazer o que quiser e for permitido pelo Estado. Educar para a cidadania é permitir que os indivíduos tenham clareza de seus direitos e que possam exercê-los em sua plenitude – lembremos que as palmadas eram algo socialmente aceito e que hoje são crime.

O projeto “Escola sem Partido” ignora propositalmente que a Escola é espaço de formação da cidadania, pela qual as regras do Estado do Direito são transmitidas às crianças e adolescentes, incluindo a noção de reconhecimento de si e dos outros como sujeitos de direitos.

As famílias não têm, em um Estado de Direito, o poder absoluto sobre os indivíduos, mesmo reconhecendo que esta seja uma esfera fundamental e legítima de formação moral. A ética e a cidadania se constroem na relação entre público e privado e não só dos ensinamentos do núcleo familiar. O Estado tem a obrigação de oferecer uma formação digna e que permita pluralismo de ideias, pensamentos e posições.

E, entre as obrigações de uma Escola, está sim falar que a violência sexual e de gênero é um problema grave – apenas em 2017 foram registrados mais de 60 mil ocorrências de estupro no Brasil. E, pior, pesquisas em todo o mundo mostram que a maior parte destes casos não chegam as autoridades públicas, dado que as vítimas tem vergonha e medo de notificar.

No Brasil, a última pesquisa nacional de vitimização indicou que cerca de apenas 7% das vítimas o fazem. Segundo esta informação, podemos estimar que ocorreram mais de 600 mil casos de violência sexual apenas no ano passado. E, por estes números, mais de 210 mil casos de estupros ocorreram dentro das próprias casas e por pessoas próximas.

Em resumo, as estatísticas revelam a importância do debate sobre gênero e educação sexual nas escolas. Muitos episódios de violência só foram interrompidos graças aos professores, que perceberam os abusos nos debates sobre educação sexual na sala de aula e acionaram a rede pública de acolhimento. Criança precisa aprender que o abuso é uma violência e não um comportamento naturalizado pelas relações familiares.

Também precisamos falar com nossas crianças sobre respeito e equidade. Meninos precisam aprender que meninas são seres humanos iguais a eles e que merecem respeito. Do contrário, podem tornar-se os estupradores e abusadores de amanhã.

Infelizmente o debate sobre “Escola sem Partido” fica no discurso raso das redes sociais e não reflete sobre as estatísticas indicadas acima, com diversos segmentos acusando as discussões necessárias à formação de nossas crianças como algo ideológico – no fundo, sendo o projeto ele sim uma peça de pura e violenta ideologia.

E, em um país em que se faz necessário uma lei que diga para parte dos homens que ejacular em uma mulher no transporte público é crime, achar que a Escola precisa ser neutra é a forma encontrada por segmentos que buscam dominar corações e mentes da população para seus projetos de poder. E, para tanto, acusam o diferente de “imoral” para alegremente participarem da “reunião de bacana“, muito bem descrita no Pagode de Bezerra da Silva.

O que os bacanas do “Escola Sem Partido” querem esconder é que, ao contrário do que diz o presidente eleito Jair Bolsonaro, não devem ser “papai e mamãe” os únicos a falarem sobre sexo com as crianças pois muitas vezes são eles os agressores. Sim, temos que lidar com cuidado e pudor com o tema, mas a violência doméstica e de gênero não irá desaparecer impedindo-se que ela seja abordada nas Escolas.

O silêncio e a vergonha é que deveriam ser combatidos se a preocupação com a família fosse verdadeiramente fundada numa ética pública de respeito e garantia da integridade física e psicológica de todas e todos.

***
NOTA PÓS PUBLICAÇÃO: Após a publicação do texto, ontem, muitos dos comentários foram no sentido de criticar o argumento aqui exposto com a justificativa de que não há, segundo eles, nenhum impedimento no Projeto de Lei para que tais questões sejam tratadas pela Escola.

Impressiona que as convicções pessoais e morais de alguns leitores estão obnubilando suas capacidades de interpretação de texto e reforçando, exatamente, a postura de acusação do outro. Mas, para transparência no debate, vale citar o Artigo 2o. do substitutivo, que é explícito em vedar a educação sexual: “O Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”.

Se somarmos a redação proposta ao item XIV da LDB pelo Artigo 6o, do PL, a saber: “[…] tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”, fica patente o impedimento criticado neste artigo. Ou seja, se a Escola não pode falar nada sobre sexo que não seja de acordo com os valores familiares e estes têm precedência legal, o PL está silenciando um dos mais graves problemas no campo da violência contra a mulher e a criança no país.

]]>
0