Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Homicídios crescem pelo sétimo mês consecutivo no país https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/04/29/homicidios-crescem-pelo-setimo-mes-consecutivo-no-pais/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/04/29/homicidios-crescem-pelo-setimo-mes-consecutivo-no-pais/#respond Wed, 29 Apr 2020 12:54:07 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/1709227-150x150.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1402 Em coautoria com Samira Bueno*

Com sete meses ininterruptos de crescimento dos crimes violentos letais intencionais (homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios) no país, a gestão de Jair Bolsonaro bate um recorde de meses consecutivos de alta da criminalidade violenta, de acordo com série histórica de dados compilados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública e do Monitor da Violência desde janeiro de 2016.

Mesmo que em patamares ainda menores do que aqueles observados no final de 2017, este é o período de meses mais longo da série histórica analisada e pode indicar o esgotamento dos efeitos das estratégias e políticas adotadas entre 2017 e 2018 e que permitiram a redução dos assassinatos a partir de janeiro de 2018.

E, mais, esse período pode ser o início dos efeitos de medidas como o esforço ideológico inconsequente que o governo Bolsonaro faz de desregulação e ampliação da posse e o porte de armas de fogo e munições, entre outras ações formuladas em sua gestão para a área. Esforço esse que culminou, agora em abril, com a determinação do presidente para a revogação de portarias do Exército Brasileiro que estabeleciam regras para rastreamento e identificação de armas de fogo no Brasil, mesmo após o Exército alertar para o fato de que a medida atentaria aos interesses da segurança nacional.

 

 

No plano subnacional, dados  do Monitor da Violência, parceria do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o NEV/USP e o G1, revelam que 20 das 27 Unidades da Federação apresentaram crescimento de assassinatos entre janeiro e fevereiro de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. No total Brasil, comparando os mesmos períodos, houve um crescimento de 7,6% nos assassinatos.

Dessas 20 Unidades da Federação, chama atenção o Ceará, que enfrentou uma greve/motim de policiais militares em fevereiro que resultou, entre outras questões, no aumento abrupto dos homicídios durante o movimento paredista e que quase anulou o ganho de cerca de mais de 50% de queda nas mortes que o estado havia obtido no ano passado. Mas, tão grave quanto a situação do Ceará, destacamos o crescimento dos crimes violentos letais intencionais em UF que estavam conseguindo, até então, reduzir seus índices de violência criminal por vários anos, a exemplo do Distrito Federal, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Espirito Santo e São Paulo.

 

É muito revelante que quase todas essas Unidades da Federação possuem sistemas de metas e/ou bonificação por resultados e são caracterizadas pelo esforço de articulação e integração entre suas polícias. A capacidade incremental e gerencial que os governos estaduais detêm na segurança pública ficou fortemente constrangida, ao que tudo indica, pela incapacidade do governo federal em articular respostas federativas às novas dinâmicas da violência e do crime organizado, bem como pela crise fiscal que reduziu a margem para o financiamento de um sistema historicamente desfuncional.

Também contribuiu para este quadro um ambiente de excessiva politização das forças policiais que, em nome de justas reivindicações por melhores condições de salário e trabalho, passaram a defender pautas com forte carga corporativista e ideológica. A política invadiu os quartéis e as unidades das polícias e a atividade cotidiana de segurança pública ficou em segundo plano.  E, se esse movimento já vinha sendo estimulado desde os governos do PT, foi sob Jair Bolsonaro e Sergio Moro que a segurança virou de vez bandeira político-partidária.

Em artigo de balanço de gestão de Sergio Moro à frente da pasta da Justiça e Segurança Pública publicado na edição da Folha do último sábado, alguns pontos objetivos foram descritos. Porém, a disputa por protagonismo dos dois políticos mais populares da atualidade teve, como efeito colateral, o abandono da segurança como política pública e o descaso com as demandas histórica de modernização e reforma da área no país.

Como exemplo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, que legalmente é quem coordena as políticas de segurança pública do país, ficou a reboque do Planalto na discussão sobre a já citada ampliação do porte e posse de armas de fogo e munições. Também teve uma atuação omissa no combate às milícias e referendou a mensagem leniente com o uso desproporcional da força letal, com o tecnicamente falso discurso presidencial da excludente de ilicitude para integrantes das forças de segurança. De igual modo, reduziu suas conversas com os secretários de segurança e defesa social dos estados; e não participou das conversas para a modernização do R200, decreto que regula as Polícias Militares no país, que estão sendo tocadas pelo Palácio do Planalto e pelo Ministério da Defesa, e que visam a proposição de Projeto de Lei que instituí a Lei Orgânica das Polícias Militares.

O governo Bolsonaro diminuiu o número de operações da Força Nacional de Segurança Pública em áreas indígenas e de proteção ambiental, com sérias implicações diplomáticas e econômicas. Para se ter uma ideia, vale relembrar que, em 2019, as ações ambientais e/ou em terras indígenas responderam por 12% das operações da FNSP. Em 2018, por 24%. Já dados do Portal da Transparência sobre Execução Orçamentária da União, em 2019, corrigidos pelo IPCA revelam que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública reduziu em 24,9% os gastos com a FUNAI.

Da mesma forma, Sergio Moro rivalizou com governadores para assumir protagonismo da queda de crimes observada até meados de 2019 e sumiu quando percebeu que vários índices voltaram a crescer e que seria cobrado por isso. Ele também politizou demais, no começo do ano, o episódio em torno do motim da Polícia Militar no Ceará, dificultando as negociações do governo estadual com os policiais amotinados. A transferência de lideranças de facções de base prisional para presídios federais foi estimulada mas, sozinha, ela não resolveu a estrutural crise carcerária, com superlotação e domínio das prisões por parte do crime organizado.

O governo Bolsonaro igualmente não apresentou nenhuma política de enfrentamento para a violência contra a mulher, que agora mostra sua face durante a pandemia de Covid-19, quando crescem os feminicídios ao mesmo tempo em que os serviços de acolhimento às mulheres vítimas de violência estão sucateados. Os Ministérios da Justiça e da Saúde não dialogaram entre si e não tiveram a capacidade de planejamento e aquisição em tempo hábil de EPI para as polícias diante da pandemia.

Nesse processo, jabutis começaram a brotar em árvores, como a proposta do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) apresentada ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP para, diante da pandemia de Covid-19,  acomodar presos em contêineres, relembrando as “prisões de lata” dos anos 2000 e, ainda, o alojamento incendiado das categorias de base do Flamengo, no “ninho do Urubu”.

Sergio Moro não obteve êxito em fazer avançar suas principais vitrines, o Pacote “Anticrime” e o programa “Em Frente Brasil”. O primeiro foi alterado no Congresso com apoio tácito do Palácio do Planalto e, o segundo, ficou na esfera da boa intenção, sem ganhar escala e efetividade. Ainda é importante destacar que o ex-ministro sempre manteve rota de conflitos com parcela do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tensionando as relações entre os poderes e diminuindo o espaço para ações coordenadas.

Os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública foram bloqueados por Paulo Guedes e o STF precisou determinar a liberação do dinheiro para que ele pudessem ser repassado aos estados. A Polícia Federal, por uma questão de restrição orçamentária, diminuiu o número de operações especiais. O Fundo Nacional Anti-drogas recebeu mais recursos a partir da facilitação da venda de bens apreendidos, mas eles não foram executados ou foram convertidos em medidas concretas de prevenção.

E, por fim, o Governo Bolsonaro, alegando que uma consultoria da CGU teria encontrado problemas de desenho institucional da Política Nacional de Segurança Pública aprovada no final de 2018 paralisou a implementação do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), que tentava, exatamente, criar um novo ambiente federativo de cooperação e aperfeiçoamento da área. Com a desculpa de que a legislação era falha, o que não é fato, medidas que estavam sendo conduzidas na direção da coordenação federativa foram abandonadas.

Em suma, construir uma política de segurança eficiente leva anos e é obrigatoriamente uma construção coletiva. Porém, destruí-la é sempre muito rápido e quase sempre decorrente da irresponsabilidade política ou institucional de quem prefere surfar na onda da sua fugaz popularidade e/ou de quem fica cego por concepções ideológicas toscas e não mede as consequências de seus atos na vida real da população.

Várias hipóteses podem ser mobilizadas para compreendermos essa reversão de tendência, mas, em uma síntese política, a aliança entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro teve, na prática, resultados pífios para a segurança pública. Ao contrário do que disse o ex-ministro Sergio Moro no início de janeiro deste ano, na segurança não existe Mago Merlin ou feitiços prestidigitadores mas evidências e trabalho árduo.

 

*Diretora Executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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Covid-19 e as pirotecnias que colocam policiais em risco https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/04/02/covid-19-e-as-pirotecnias-que-colocam-policiais-em-risco/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/04/02/covid-19-e-as-pirotecnias-que-colocam-policiais-em-risco/#respond Thu, 02 Apr 2020 21:37:26 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/Pedro-Ladeira2.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1360 Com Rafael Alcadipani*

Há um desfiladeiro entre o que  Jair Bolsonaro e Sergio Moro prometem na segurança pública e o que é feito na prática. Com isso, aumenta-se o risco de contaminação por Covid-19 dos policiais do país, que hoje estão abandonados à própria sorte.

A experiência internacional tem demonstrado que durante a pandemia de COVID-19, as polícias desempenham papel fundamental. Quer seja no controle para que as pessoas cumpram de fato a quarentena, quer seja para coletar material na casa das pessoas para exame da doença. A passagem da COVID-19 tem mostrado que além de uma crise sanitária, a doença também constitui uma crise de segurança pública.

O Brasil possui uma configuração de segurança pública muito diferente de países como Itália, França e Espanha, com várias agências e corporações tendo que se virar sem maiores apoios ou parâmetros de atuação. Impressiona que, no começo do ano, o trabalho dos policiais brasileiros na redução da criminalidade foi apropriado pelo discurso político do Governo Federal, em especial pelo Ministro Sergio Moro, e em um momento de crise cria-se um “distanciamento sanitário” dos temas de interesse das carreiras policiais e do sistema prisional.

Os policiais enfrentam condições de trabalho muito aquém de seus colegas do Atlântico Norte. Altos índices de doenças ocupacionais e suicídio fazem parte do cotidiano dos policiais brasileiros. Muitos policiais possuem comorbidades que os fazem ser mais vulneráveis a COVID-19. Eles enfrentam dificuldades financeiras para arcar com os custos de vida, principalmente em grandes metrópoles. Não é exagero afirmar que muitos policiais não moram em residências onde consigam manter uma distância segura de seus familiares para não os expor à contaminação pelo coronavírus que, sem a devida proteção, estão sujeitos. Mas, mesmo assim, estão junto com os profissionais da saúde na linha de frente do combate da pandemia.

E, os resultados de mais uma vez mandarmos os policiais para a ponta da linha e acreditarmos que isso por si só já absolve os políticos de suas responsabilidades começam a aparecer. Estamos no início da epidemia e, sozinho, São Paulo já possui 600 policiais, segundo matéria do Rogério Pagnan nesta Folha, afastados com suspeita de coronavírus. Muito embora os problemas causados pela doença já fossem claros no início deste ano no mundo, inúmeros estados e o próprio governo federal não criaram planos de contingência e têm dificuldades para fornecer a seus policiais equipamentos de proteção individual (EPIs) para que policiais se protejam.

A mesma coisa acontece no nosso superlotado sistema prisional. Há uma forte prevalência do crime organizado exercendo o controle de populações inteiras dentro e fora dos presídios, mas, quando o Conselho Nacional de Justiça – CNJ edita uma recomendação, validada pelo Plenário do STF, para que os juízes brasileiros levem em consideração a pandemia e as condições prisionais do país, Sergio Moro, amparado pelo pânico da população, repete sua estratégia de enfrentamento do Poder Judiciário que adotou quando da criação do “juiz de garantias” e pressiona para a mudança da política criminal. Se algo o contraria, bate o pé e assume, cada vez com mais desenvoltura (e até mesmo com informações açodadas e sem comprovação), a postura de príncipe herdeiro a disputar o projeto de poder da república absolutista de Jair Bolsonaro.

Só que o governo federal fala muito e deixa a desejar na prática. Enquanto o que vemos hoje é que os governos estaduais estão começando a articular respostas à COVID-19 e há inúmeros relatos de forças policiais pelo país pedindo favores de empresários para que doem itens de proteção para os policiais como álcool gel, luvas e máscaras, não percebemos uma articulação do Governo Federal para lidar com as dificuldades do COVID-19 para a Segurança Pública.

Além de medidas meramente pirotécnicas como dizer que a Força Nacional (um consórcio de policiais estaduais, diga-se de passagem) irá atuar na pandemia, não se vê o Governo Federal articulando um plano nacional de ações em segurança pública que lide com questões fundamentais como ajudar os Estados na aquisição de EPIs para as forças de segurança de todo o país e do próprio governo federal e/ou, até mesmo, para mitigar e prevenir as tensões geradas pelo desarranjo do crime organizado em situação de declínio econômico.

E, quando a corda do caos não prevenido estourar, mais uma vez ela terá que ser remendada pelas Forças Armadas, que terão de exercer papéis de segurança pública. Não há prioridade para as demandas e necessidades dos policiais.

Uma das primeiras lições de uma Academia Militar é que guerras são vencidas e derrotadas pela logística e pela capacidade de, por meio de ações de inteligência, antecipar possíveis riscos e situações. Não adianta informes vagos e/ou discursos “técnicos”, se a ponta da linha fica desguarnecida.

A verdade é que a crise de Covid-19 explicita algo que os policiais brasileiros precisam refletir. O atual presidente da República foi eleito com um discurso pró-polícia e parte expressiva dos policiais votaram nele por acreditarem que suas demandas seriam, enfim, atendidas. Porém, na medida em que o governo federal fica batendo cabeça e nossas autoridades ficam fazendo cálculos eleitorais e não enfrentam os problemas de Segurança Pública causados pela pandemia, nossos policiais estão abandonados à própria sorte.

Há um desfiladeiro entre o que foi vendido para os policiais e o que é feito na prática. E, muito provavelmente, quando os índices criminais começarem a sair do controle, não tenhamos dúvidas que o protagonismo reivindicado por Moro e Bolsonaro em 2019 será, rapidamente transferido para os governadores. Mas a realidade costuma tardar mas não falhar. Para além do extremismo político, manter a ordem social democrática exige compromisso inalienável com a transparência, com a verdade das evidências e, sobretudo, com valorização das instituições policiais e de seus profissionais.

 

*Professor da FGV-EAESP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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O Brasil diante de um dos mais difíceis testes de caráter da história https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/03/15/o-brasil-diante-de-um-dos-mais-dificeis-testes-de-carater-da-historia/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/03/15/o-brasil-diante-de-um-dos-mais-dificeis-testes-de-carater-da-historia/#respond Sun, 15 Mar 2020 18:13:53 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/Bolsonaro150320-320x213.png https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1331 A pandemia do Coranavírus está testando a capacidade da humanidade em lidar com um risco de escala global mas que, para ser mitigado, não depende apenas de ações de governos e nações. Depende do caráter dos governantes e dos indivíduos para que a ordem, a segurança e a saúde públicas sejam mantidas e preservadas.

E, no patriotismo de botequim, que vocifera contra as instituições mas que coloca todos em risco em nome do hedonismo egoísta que lota bares e manifestações goumert de tiozões em suas possantes motos e/ou jetskis (emblemático que as duas primeiras fotos compartilhadas pelo Twitter do Presidente Jair Bolsonaro sejam de motoqueiros de meia idade e pilotos de jetskis), a violência simbólica que toma conta do Brasil é de tal ordem que acaba por desconstruir por completo noções mínimos de cidadania e ética pública.

No mau caratismo de alguns, que se acham patriotas sem saberem ao certo o significado histórico deste conceito, o Congresso é atacado como inimigo do povo. O problema é que, por mais sujeito a criticas que esteja, poucos se deram conta que, neste momento de pandemia, Rodrigo Maia e David Alcolumbre têm agido exatamente como aliados da área econômica do governo e resistido a jogar por terra o projeto reformista de boa parcela do mercado financeiro e do setor privado que dá sustentação ao governo Bolsonaro. E por quê?

Como lembra o professor Arthur Trindade, da UNB, caso o Congresso determine o fechamento da Câmara e do Senado por mais de duas semanas em função do Coronavírus, já que mais de 20 mil pessoas circulam diariamente por lá, dificilmente alguma medida que exija alteração Constitucional deve ser aprovada este ano. Uma PEC, para ser aprovada, precisa passar por 40 sessões, independentemente do quórum. E, considerando que este ano é ano de eleições municipais, que deve suspender sessões em outubro, as reformas tributária e administrativa não teriam tempo hábil para serem aprovadas em 2020.

Mas, ao invés de buscar consensos e administrar os conflitos sociais, o governo aposta na capitulação e na submissão dos demais poderes. Adota uma postura tóxica de destruir tudo o que toca e se aproxima, na ideia de imputar aos outros o erro e o pecado, mas esquece-se que, no Estado de Direito Democrático, a fonte sagrada é a Constituição e não a lei do mais forte.

Bolsonaro investe contra um Congresso que tem sido bastante simpático às suas propostas de reformas econômicas. Parece querer o caos para poder justificar uma ruptura institucional que lhe permita governar sem os limites das leis.

Mas ele não está sozinho. Quase como que em uma crise de abstinência de protagonismo causada pela má condução do episódio do motim da polícia militar no Ceará e pelo Coronavírus, que trouxe destaque para o Ministro da Saúde, o Ministro Sergio Moro tentou ressurgir no noticiário divulgando que pretende autorizar nos próximos dias a internação compulsória de pessoas suspeitas de contaminação pelo Coronavírus.

Enquanto Bolsonaro passeia sem máscara no meio da manifestação em Brasília e não assume a coordenação do enfrentamento dos efeitos do Coronavírus, que não são só de saúde pública, vamos acumulando riscos e dilemas. O que era para ser uma discussão sobre ações coordenadas virou ação isolada e fragmentada de cada pasta e na linha da força, sem diálogo ou debate prévio.

Várias Unidades da Federação estão tendo que pensar estratégias para conter a transmissão do vírus no sistema prisional e evitar mortes e rebeliões – considerando a taxa de letalidade anunciada de 3,74%, temos que mais de 26,5 mil presos podem morrer nos presídios nos próximos meses casos a pandemia tomasse todo o sistema (o mais factível é que Cadeias Públicas, superlotadas, sejam as mais afetadas e atinjam, só em São Paulo, cerca de 500 mortes).

Mas não só, a PMERJ contraria recomendação do Governo estadual e não dispersa manifestação de apoio ao Governo Bolsonaro, Gustavo Bebianno morre e, ao invés de afastar qualquer dúvida em relação ao motivo da morte, o corpo é enterrado sem nenhuma informação sobre autópsia, a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes completa dois anos sem avanços sobre a identificação do mandante e da razão dos assassinatos, entre vários outros exemplos.

O mais angustiante é que, ao fim e ao cabo, a sociedade civil também tem dado exemplos de que Jair Bolsonaro e seu projeto populista não chegou de Marte e nos dominou.

Enquanto lotamos bares, praias, shoppings e, no máximo, estocamos papel higiênico, vemos Itália e Espanha, que adotaram duras medidas de contenção, reconhecendo e aplaudindo os profissionais de saúde pelos esforços em salvar vidas. O Brasil está diante de um dos mais difíceis testes de caráter aplicados pela história e temo que sejamos reprovados de forma avassaladora.

Afinal, Bolsonaro é só a tradução mais acabada do caráter de parcela significativa da população.

 

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No ES, violência cresce mais em cidade com projeto-piloto de Sergio Moro https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/29/no-es-violencia-cresce-mais-em-cidade-com-projeto-piloto-de-sergio-moro/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/29/no-es-violencia-cresce-mais-em-cidade-com-projeto-piloto-de-sergio-moro/#respond Sat, 29 Feb 2020 15:00:44 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/Moro-Papuda-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1323 Análise inédita do economista Daniel Cerqueira* mostra que nos  quatro meses após o início do “Programa Em Frente Brasil”, de Sergio Moro, o número de homicídios em Cariacica (ES) não apenas não diminuiu, como aumentou mais do que no resto do estado.

Fonte: Governo do Espírito Santo

O projeto-piloto “Em Frente, Brasil” (PEFB), de enfrentamento à criminalidade violenta foi lançado em 29 de agosto do ano passado pelo Governo Federal. Naquele momento, cinco municípios foram escolhidos para a sua implantação inicial, sendo eles: Ananindeua (PA); Paulista (PE); Cariacica (ES); São José dos Pinhais (PR); e Goiânia (GO).

Desde então várias autoridades e veículos de comunicação alinhados ao governo têm louvado e feito panegíricos à tão esperada política pública de segurança, finalmente implementada e que teria sido responsável por fazer diminuir o número de homicídios nas cidades escolhidas. Naturalmente, um total exagero, mesmo porque não há como avaliar o sucesso ou o fracasso de qualquer programa em lapso de tempo tão curto.

No entanto, podemos apontar aqui alguns aspectos positivos e limitações do programa, bem como analisar alguns poucos dados.

O PEFB possui algumas virtudes, que precisam ser exaltadas. Em primeiro lugar, ele abandona a retórica do enfrentamento, da ênfase no aparato repressivo e no endurecimento penal (que nunca funcionou), para uma abordagem de prevenção ao crime, por aliar um trabalho de repressão policial qualificada com inteligência e ações intersetoriais, que envolve educação, esportes, saúde, entre outras dimensões.

Em segundo lugar, o programa seria focalizado nos territórios mais violentos com ações voltadas para a juventude. Em terceiro lugar, a implementação do PEFB seria precedida por um planejamento baseado em um diagnóstico prévio das dinâmicas criminais e sociais locais. Ou seja, a abordagem do programa segue em linha ao que vários estudiosos no campo da segurança pública têm preceituado há vários anos, inclusive ao que o Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública recomendaram explicitamente no “Atlas da Violência 2018 – Políticas Públicas e Retratos dos Municípios Brasileiros.

No entanto, além de boas cartas náuticas, para se alcançar um porto seguro é necessário construir navios que permitam superar um mar revolto. Em outras palavras, além de estabelecer a direção da política é fundamental fazer um planejamento que contemple a construção de uma arquitetura institucional que alinhe incentivos dos atores e proveja os mecanismos de governança da política. Nesse ponto reside a maior fragilidade do PEFB.

A condução de políticas intersetoriais e o alinhamento de interesses e objetivos dentro de um governo é sempre uma tarefa árdua e difícil, que exige planejamento acurado, mecanismos de incentivos e a coordenação e envolvimento da principal autoridade política local. A condução de políticas intersetoriais que envolva diferentes níveis de governos federativos é mais complexa ainda.

No caso, da implementação do PEFB em Cariacica, por exemplo, enquanto um breve diagnóstico foi entregue pelo Instituto Federal do Espírito Santo em finais de setembro e início de outubro (ou seja, dois meses depois de iniciado o programa), não consta que tenha havido nenhum planejamento, com o estabelecimento de metas intermediárias por ação, responsabilidades, objetivos e meios institucionais, conforme o jornalista Vitor Vogas, da Gazeta, depreendeu da entrevista com o ministro Sérgio Moro em 31/10/2019, quando resumiu: “Tudo em aberto: Nada muito determinado”.

Uma segunda limitação do projeto diz respeito à questão orçamentária que, segundo consta, seria de R$ 4 milhões para cada município. Para se ter uma ideia, o Programa Estado Presente do Espírito Santo, um dos mais exitosos programas de segurança pública do país, implementado em 30 aglomerados territoriais no estado, consumiu R$ 523 milhões em quatro anos.

Sem uma definição de prazos e de metas intermediárias por ação fica inviável calcular qual seria o orçamento mínimo necessário, mas R$ 4 milhões é claramente um orçamento insuficiente para a consecução de um programa de prevenção ao crime, mesmo se considerar que, na base do voluntarismo, outras pastas ministeriais aloquem um orçamento para o projeto, a despeito de qualquer planejamento prévio.

Ainda a respeito dos recursos, 100 homens da Força Nacional foram enviados a Cariacica, para ajudar no patrulhamento da cidade. Isso significa que, por turno de trabalho, o Governo Federal enviou um contingente de 25 policiais para patrulhar 28 bairros, o que, obviamente, é um quantitativo residual, ainda mais que tais profissionais desconhecem o território e suas dinâmicas criminais [1] .

Um último ponto, levado a cabo pelo Governo Federal, diz respeito ao liberou geral das armas de fogo, um gol contra qualquer aspiração de um programa efetivo de prevenção ao crime.

Para finalizar, no gráfico do início deste texto analisamos os registros oficiais de homicídios dolosos em Cariacica nos quatro meses após a implementação do PEFB e nos quatro meses antes. Olhamos também a evolução dos mesmos indicadores para a Região Metropolitana de Vitória e para o estado do Espírito Santo, excluindo Cariacica.

Como resultado, constatamos que, ao contrário do que diz a propaganda oficial, enquanto as trajetórias dos índices de homicídio são parecidas, verificamos que o número de homicídio em Cariacica aumentou 22,2% após a implementação do PEFB, ao passo que na Região Metropolitana e no Estado, o número cresceu 17,2%. Ou seja, nos quatro meses após o início do PEFB não apenas o número de homicídios em Cariacica não diminuiu, como aumentou 5% mais do que no resto do estado.

* Doutor em economia, autor de “Causas e Consequências do Crime no Brasil” e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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[1] Nota do Blog: em texto publicado aqui em 5 de janeiro, destacamos que esse dado destacado por Daniel Cerqueira é ainda mais emblemático na medida em que o Programa Em Frente Brasil demandou, sozinho, o uso de 15% do efetivo da Força Nacional de Segurança Pública, revelando as dificuldades que o Governo teria para ampliá-lo.

Nota 2 do Blog: A discussão de modelos de monitoramento e avaliação de projetos proposta no texto de Daniel Cerqueira, acima, é ainda mais importante quando vemos que, quando foram publicados os números que dão conta da redução de cerca de 19% nos homicídios dolosos no Brasil (Ceará representando 20% desta queda), o Ministro mostrou-se bastante ativo nas redes para assumir protagonismo e paternidade pela realidade. Agora, com crise nas polícias e vários governadores tendo dificuldades em gerir as demandas das polícias civis e militares, o Governo Federal mudou o tom e fica ausente, não assumindo suas responsabilidades estruturais.

 

 

 

 

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Segurança à deriva https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/09/seguranca-a-deriva/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/09/seguranca-a-deriva/#respond Sun, 09 Feb 2020 16:14:44 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/17226438-150x150.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1287 Números não chocam mais na mesma intensidade; violências são reproduzidas e defendidas mas parcelas significativas da população acham que não passam de bravatas retóricas, já que a retomada econômica se avizinha (sic) e o importante é pensarmos no curtíssimo prazo; instituições de Estado são cooptadas ou testadas cotidianamente mas vale mais dizer que elas estão funcionando; desigualdades estruturais deixam de ser prioridade e voltam a ser cobertas por mantos hipócritas de invisibilidade política e/ou marcar posição e antagonizar o debate, sem espaço para o contraditório ou o convencimento; injustiças sociais não geram mais indignação; entre vários exemplos dos rumos do nosso tempo social.

Vivemos em um tempo em que o tom bélico nos impõe ou a conversão/submissão do outro à nossa justa causa e/ou o seu aniquilamento simbólico e, até mesmo, real. E, sendo bem transparente, não sou louco de dar exemplos à direita, ao centro ou à esquerda, pois isso seria um ‘sincericídio’ político pouco construtivo e pedante da minha parte.

Mas o fato é que esse tempo social nos exige silêncios obsequiosos sobre certos territórios explicativos e dimensões do social e da política. Vamos nos guetificando em zonas de conforto e de saber técnico e fortalecendo figuras messiânicas como Jair Bolsonaro, Damares Alves e Sergio Moro, Witzel, que pouco falam de políticas públicas e embalam até pastéis de vento com seus altos índices de popularidade e com suas promessas salvacionistas.

E tudo leva a crer que assim continuarão a fazer pois falsas equivalências éticas e morais são ao mesmo tempo causa e consequência da eterna espera pela procissão de milagres, que Sérgio Buarque, descreveu nas últimas linhas do seu livro ‘Visão do Paraíso’. A violência não é eticamente interditada e ficamos em um redemoinho de valores, ressentimentos e visões de mundo que aniquila a empatia.

As políticas públicas viram exceção e, na segurança, a empolgação com a queda de alguns índices de criminalidade virou motivo para um cortejo de “vivandeiras alvoraçadas” e para culto ao líder e à personalidade. Deixamos de prevenir a violência e reprimir o crime para surfar na política.

E falo isso pois, em quase 28 anos de carreira na área de estatísticas públicas e monitoramento de políticas de segurança pública, acostumei-me a ver certos temas e propostas que são recorrentes e que são, na prática, palco de disputas quase que insanáveis. Um exemplo é, com a retomada do ano legislativo de 2020, a prioridade do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, em aprovar proposta de emenda constitucional que tornaria permanente a Força Nacional de Segurança Pública.

Essa proposta é exatamente a mesma que fez, em 2013, a então Secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki. No entanto, em ambos os casos, não tivemos estudos de impacto e/ou projetos de desenho institucional que mostrem aos parlamentares porque tal medida é mais vantajosa de ser conduzida do que, por exemplo, rever o ciclo de policiamento, que divide a atividade policial em duas e, segundo muitas associações, reduz a efetividade do serviço prestado e a qualidade das investigações.

No limite, a regra vira exceção e todos que falam da importância de monitoramento, avaliação, capacitação, regras de financiamento, mecanismos de controle, transparência e supervisão viram os chatos ou os inimigos das corporações, que precisam de “liberdade para fazer o que tem que ser feito” (que se resume, basicamente, em gastar sempre mais e mais em armas, viaturas e sem controles do uso da força).

Dito de outra forma, a regra só vale na hora de impor a vontade conveniente, como a que escolheu, na semana que passou, o novo Ouvidor das Polícias de São Paulo. A escolha foi feita de acordo com a legislação e João Doria optou por um dos três nomes da lista tríplice. Quem chega desavisado acha que isso é um avanço e exemplo de vitalidade democrática.

Mas, prova do esgarçamento social e da radicalização de posturas, foi que o antigo Ouvidor, Benedito Mariano, que estava na lista tríplice e poderia ser reconduzido, só soube da escolha do Governador por outro nome pelo Diário Oficial. A troca é legítima. Mas um telefonema na noite anterior à publicação seria o mínimo que se poderia esperar.

O respeito passou longe e mostra que ele é um conceito distante na política atualmente – a declaração do Ministro Paulo Guedes sobre os servidores públicos serem parasitas é outro exemplo deste fenômeno e que, felizmente, a Associação de Delegados da Polícia Federal – ADPF foi uma das primeiras a repelir.

Mal estamos no meio de fevereiro e a agenda da segurança já está congestionada e muitos estão fatigados. Em quase todas as situações, a lógica é a da emergência e dos interesses políticos eleitorais, inclusive com vários policiais ativos e inativos mobilizados para serem protagonistas das eleições municipais deste ano. Mesmo programas pensados na lógica do planejamento, como o Em Frente Brasil, tem seus resultados anunciados antes das avaliações serem devidamente concluídas e todos os seus impactos calculados.

O esgarçamento do social não se dá porque antes era coeso e coerente, mas porque vamos perdendo um sentido coletivo de cidadania e de urgência de acesso a direitos civis, políticos e sociais. Acreditamos em cantilenas e deixamos de nos chocar; de nos indignar diante da violência e da injustiça. Tudo vira narrativa. Se não nos agrada, não é válido e é desqualificado. Indicadores, dados, evidências viram sinônimos de magia, alquimias, dogmas.

O drama desse processo é que estamos repetindo o que foi magistralmente narrado em ‘1917′, filme que concorre ao Oscar hoje à noite e que conta a saga de dois soldados britânicos enviados para além das linhas inimigas para avisarem sobre uma armadilha das tropas alemãs.

No filme (alerta de spoiler), um dos soldados morre assassinado pelo próprio piloto inimigo cujo avião havia sido abatido pela aviação britânica e cuja vida ele estava tentando salvar. O segundo, após várias dificuldades para cumprir sua missão, sobrevive e consegue evitar a morte de 1600 soldados mas, ao final, é dispensado pelo comandante militar que ele deveria avisar da armadilha de uma forma extremamente rude e ofensiva.

Em suma, estamos presenciando um tempo social no qual todos que sinalizam empatia social morrem ou são destratados/desqualificados ao cumprirem suas missões, mesmo que estas sejam defender vidas e direitos, valores máximos da nossa Constituição.

***

A morte do ex-policial militar do Rio de Janeiro, Adriano Magalhães da Nóbrega, investigado pela morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, na Bahia, merece ser analisada com muito cuidado e atenção. Várias são as variáveis a serem consideradas. O secretário Maurício Barbosa, que foi um dos líderes da proposta de recriação do Min. da Segurança Pública, precisa dar máxima transparência às investigações sobre a morte do ex-PM Adriano Nóbrega para não existirem dúvidas sobre o que ocorreu

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Moro vira o jogo e agora é Bolsonaro que joga pelo empate https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/26/moro-vira-o-jogo-e-agora-e-bolsonaro-que-joga-pelo-empate/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/26/moro-vira-o-jogo-e-agora-e-bolsonaro-que-joga-pelo-empate/#respond Sun, 26 Jan 2020 18:14:34 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/15202073035a9c85c71bfd0_1520207303_3x2_xl-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1271 Em setembro do ano passado, antes da disputa Moro x Bolsonaro ganhar os atuais ares dramáticos, o Faces da Violência publicou o texto “No xadrez de Bolsonaro, Sergio Moro adota a tática do ‘Rei Afogado’” (ver aqui).

Partindo da premissa de que o Presidente Bolsonaro detinha as peças brancas do tabuleiro e beneficiava-se de poder calcular e fazer os primeiros movimentos da relação entre ele e o ex juiz da operação Lava-Jato, o texto vai identificar todas as tentativas do Presidente da República em manter seu Ministro da Justiça e da Segurança Pública sob controle e sob pressão.

O cálculo de Bolsonaro era que, ao prometer terrenos na Lua, seja na forma de uma futura vaga no STF e/ou a vaga de Vice na sua chapa para a eleições de 2022, Sergio Moro optaria por entrar de cabeça em seu projeto de poder e não fizesse sombra para a sua liderança política. Em troca, Bolsonaro se apropriaria do prestígio acumulado por Moro junto àqueles que acreditam que ele é o paladino do combate contra à corrupção.

Só faltou combinar com o próprio ministro, ou melhor, só faltou aplacar a vontade de poder de Sergio Moro, que muito antes de liderar a operação Lava-Jato já mostrava-se disposto a impor sua visão de mundo ao país como aquela mais correta. Passados alguns meses, diante desta desvantagem inicial, Sergio Moro adotou a tática do ‘Rei Afogado’, que no xadrez consiste em jogar na defensiva e tentar forçar o adversário ao erro, para se reposicionar na tabuleiro e esperar o momento da virada.

Em um cenário normal, essa tática não funcionaria, pois seria um mero recurso protelatório e o jogo terminaria em empate. Mas, Moro soube até aqui planejar seus passos com antecedência e, com isso, sabia que o ritmo vida loka de Bolsonaro e sua família lhe exigiria ter planos de contingência para que o lustro de sua imagem de baluarte da moralidade não saísse chamuscado – Queiroz, Laranjas, Ataque Terrorista à sede do Porta dos Fundos, surto nazista de Roberto Alvim, foram tratados a partir da blindagem da formalidade do cargo de Ministro.

A aparente equidistância mantida por Moro da narrativa bolsonarista irritou ainda mais setores próximos ao Presidente na medida em que não parece haver discordância ideológica, mas de forma e estratégia, reforçando a desconfiança de que há em curso a construção acelerada de uma via alternativa de poder.

E, o principal plano de contingência adotado pelos defensores desta via alternativa pegou os setores mais próximos da agenda bolsonarista raiz da segurança de calças curtas. Por se tratar de um tema presidencial, no qual Jair Bolsonaro construiu boa parte de sua carreira de impropérios ideológicos, ninguém esperava que Moro conseguisse roubar todo o protagonismo pela queda dos homicídios e roubos que está em curso no país dos governadores, dos secretários, do Congresso e do próprio presidente (e neste contexto que precisamos compreender a entrevista do Coronel Alberto Fraga quando este diz que Moro não entende de segurança pública).

Ainda mais quando a blindagem de imagem tem funcionado e pautas delicadas, como a diminuição das operações da Força Nacional de Segurança Pública em áreas ambientais e indígenas, a baixa execução do Fundo Nacional Antidrogas, a Execução abaixo das regras legais do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional Penitenciário, as denúncias de tortura feitas contra a Força Tarefa Penitenciária, entre outras, foram transformados em temas burocráticos e menores.

Até agora temas da gestão da pasta não colaram e Moro jogou todas as derrotas que teve no colo do governo Bolsonaro. Em sentido inverso, ele chamou para si os bônus de imagem pelos méritos da redução da violência, já que teve que recuar na pauta de combate à corrupção e, para não parecer derrota, transformou-se muito mais em um ministro da segurança do que em ministro da justiça.

Somado a esse movimento, no universo bolsonarista em constante ebulição, o reconhecimento de que o adversário tem mais capacidade de mobilização e mais voz ativa nas hostes conservadoras do que o Presidente fez implodir os arranjos populistas que tinham em Jair Bolsonaro o eixo de gravitação do Poder.

Se a eleição fosse hoje, Jair Bolsonaro provavelmente não só perderia para Moro como seria deixado na cova das hienas do vídeo postado no perfil do próprio presidente, no ano passado. Há uma nova correlação de forças sendo construída, com vínculos mais estruturais e históricos com setores de Judiciário, Ministério Público, Órgãos de Cooperação Internacional e do Mercado.

Há uma inversão de papéis que agora dispensa intermediários e a popularidade de uma personalidade como a de Bolsonaro, que serviu para tirar o PT do governo, mas que, como o episódio da crise na Amazônia demonstrou, aumenta riscos e ameaça afastar fluxos de capitais estratégicos para o Brasil.

Moro virou o jogo, está com as peças brancas e determina o ritmo do jogo. Agora é Bolsonaro que joga pelo empate.

E, diante dessa mudança, no debate sobre segurança pública, a postura de muitas polícias que tinham se afastado do diálogo com outros setores da sociedade, precisará mudar. Na atual disputa Moro x Bolsonaro, segurança é a primeira das vítimas e seus operadores foram enfraquecidos (não concentram o poder que imaginavam concentrar).

 

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Novas operações ambientais e em terras indígenas da Força Nacional de Segurança Pública caíram 50% em 2019; operações na Esplanada dos Ministérios chamam atenção https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/05/novas-operacoes-ambientais-e-em-terras-indigenas-da-forca-nacional-de-seguranca-publica-cairam-50-em-2019-operacoes-na-esplanada-dos-ministerios-chamam-atencao/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/05/novas-operacoes-ambientais-e-em-terras-indigenas-da-forca-nacional-de-seguranca-publica-cairam-50-em-2019-operacoes-na-esplanada-dos-ministerios-chamam-atencao/#respond Sun, 05 Jan 2020 14:49:58 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Alan-Marques-320x213.png https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1245 Levantamento preliminar feito pelo Faces da Violência junto ao Diário Oficial da União identificou que, em 2019, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública autorizou, em 53 portarias, o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em 34 novas ações e prorrogou a atuação da Força em outras 34 situações.

Consideradas apenas as novas ações, esse número é 26% menor daquele registrado em 2018, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (dados sobre operações ativas em 2018). Mas o que mais chama atenção não é a queda no número de operações, pois ela pode estar associada à queda de vários índices criminais e não é necessariamente uma má notícia.

O que chama atenção é o tipo de emprego da FNSP que está sendo feito pelo Governo Federal, que parece sobrecarregar os estados com atribuições federativas que deveriam ser de competência e financiadas pela União. Ao fazer uso de policiais cedidos pelas Unidades da Federação e não repassar recursos em níveis suficientes que ajudariam a pagar as despesas que os estados têm com tal cessão (o STF obrigou a liberação desses recursos apenas no final de 2019),  a União compromete uma iniciativa importante de cooperação federativa e compromete os estados em suas capacidades fiscais.

Das novas ações, 23% diziam respeito a operações de controle da manifestações ou distúrbios civis na Esplanada dos Ministérios e de apoio ao Ministério da Educação e outros Ministérios. Aqui, vale explicitar que a Polícia Militar do Distrito Federal, responsável pela Esplanada dos Ministérios, é uma das mais estruturadas e equipadas polícias do país, com recursos para cumprir esta função com excelência – e ela recebe recursos exclusivos do Fundo Constitucional até por proteger a sede da Federação.

Pelos custos envolvidos e pelas características de ser um consórcio federativo, não faz o menor sentido a utilização de policiais de outros estados cedidos para a FNSP para proteger prédios públicos em Brasília.  Mas é isso o que tem ocorrido, pois o emprego da PMDF depende, sempre, de conversas com o Governo do Distrito Federal e a União não gosta, historicamente, de pedir apoio mas apenas de dar apoio (com ela decidindo onde e como).

Para além da ação na Esplanada e o apoio aos Ministérios, de todas as novas ações autorizadas, só 20% foram de emprego direto na segurança e na manutenção da ordem pública nos estados, razão de ser que justificou a criação da Força em 2004.

Já 18% das ações da FNSP dizem respeito a ações em apoio projetos federais e/ou órgãos do Ministério da Justiça, como Polícia Federal, Rodoviária Federal ou Secretaria de Operações Integradas. Outros 15% ao projeto “Em Frente Brasil”, lançado no meio do ano e que focaliza ações em cinco municípios com altas taxas de homicídios dolosos.

Agora, chama bastante atenção e merece destaque as ações em apoio a órgãos como FUNAI, IBAMA ou Instituto Chico Mendes. Em 2019, tais ações responderam por 12% das operações da FNSP. Em 2018, ações ambientais e/ou em terras indígenas respondiam por 24% das operações da Força Nacional de Segurança Pública.

Ou seja, em 2019 há uma queda de 50% neste tipo de operação entre as novas ações autorizadas pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública (ao menos na declaração da razão da operação) – e, neste caso, não há números que comprovem a redução de conflitos ou de casos de violência que poderiam explicar esse movimento.  Há um alinhamento forte do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, que voltou a ser o responsável pela FUNAI, com a agenda ambiental e indígena do Governo como um todo.

 

 

Se excluirmos o apoio direto aos estados, em 2019, a Força Nacional foi empregada em 80% dos casos muito mais na lógica da intervenção e nos interesses da União e não na lógica da cooperação federativa e da pactuação de critérios objetivos de alocação de efetivos e definição de operações.

A Força Nacional de Segurança Pública é um consórcio de policiais de todas as Unidades da Federação (não é uma força policial autônoma) e é gerenciado pela União para ser utilizado em casos de emergências e crises. O que é prioridade e/ou o que deveria ser objeto da ação da Força Nacional deveria ser pactuado também com Governadores e Secretários de Segurança, que, no limite, pagam 81% das despesas com segurança pública no Brasil.

A segurança pública brasileira ainda tem muito a caminhar na direção da profissionalização e da modernização da arquitetura institucional da área. E, ganhamos muito mais se estruturarmos bons e transparentes mecanismos de monitoramento e avaliação das políticas públicas que nos ajudem a compreender e replicar o que de bom tem sido feito, independente de nomes ou de projetos de poder.

Um bom projeto para 2020 será renovarmos nossa crença na razão e tecnicamente explicarmos, sem pensamento mágico ou alquimias, o que tem contribuído para 2019 fechar com quedas tão expressivas em vários estados –  como no Ceará, que registrou uma redução de 50,1% nos Crimes Violentos Letais Intencionais e de 38,5% nas Mortes Decorrentes de Intervenção Policial. Ou no Espírito Santo, que reduziu em 11,8% os homicídios dolosos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Os efeitos da aliança Bolsonaro e Moro na segurança pública em 2019 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/12/14/os-efeitos-da-alianca-bolsonaro-e-moro-na-seguranca-publica-em-2019/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/12/14/os-efeitos-da-alianca-bolsonaro-e-moro-na-seguranca-publica-em-2019/#respond Sat, 14 Dec 2019 14:46:15 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/1tsah3apj0llx24wiepev1c6x-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1215 Desde a redemocratização, todas as gestões anteriores à de Jair Bolsonaro lidaram com o tema da segurança pública na chave da emergência e do gerenciamento de uma grande crise, quando o problema caiu literalmente no colo da União, a exemplo do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, que só foi viabilizado após o fim trágico do sequestro do ônibus 174, em 2000, ou o da Intervenção Federal, em 2018, após cenas abertas de violência urbana e o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, que teve presidente vampiro em destaque, ambos no Rio de Janeiro.

De lá para cá, ministros, policiais, secretários, governadores, universidades, institutos de pesquisa e entidades da sociedade civil se mobilizaram e produziram evidências e novas práticas. Todavia, o fato é que todos os presidentes anteriores, de José Sarney a Michel Temer, não assumiram e/ou foram lenientes com a pauta da segurança pública e em várias ocasiões tentaram dizer que a questão era dos estados e não do governo.

Ou seja, mesmo sem a prioridade presidencial, muito foi feito, importante frisar, mas sem nenhum tipo de coordenação ou fio político e simbólico condutor que traduzisse o emaranhado de ações, programas, políticas e planos em resultados palpáveis para quem precisa utilizar transporte coletivo e está sujeito a ser vítima de violência física, sexual e patrimonial a cada segundo do seu dia. E, como agravante, os índices criminais refletiam esse descontrole e só cresciam. O medo tomou conta da política.

Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente que colocou o tema como central em sua campanha e chamou para si, a seu modo tosco e autoritário, a responsabilidade por resolvê-lo abertamente. E, não só, em um lance que ainda deve lhe cobrar um preço alto no médio prazo, trouxe para o seu ministério, Sergio Moro e seu enorme poder de agenda e mobilização, o que lhe permite tentar a todo momento sequestrar a agenda dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público e pautar a agenda bolsonarista na segurança.

Como analisa Arthur Trindade Maranhão Costa, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da UNB, Bolsonaro assumiu a presidência com as melhores condições político-institucionais na segurança pública em décadas, pois ele se beneficia de não precisar atuar sob pressão da emergência já que a maior parte dos números da criminalidade teve a sua queda nacionalizada no começo de 2018 (sim, vários estados já estavam reduzindo seus índices criminais desde 2014).

Ao mesmo tempo, o Governo Bolsonaro beneficia-se de legados de policiais que atuam no Ministério da Justiça e Segurança Pública faz anos e, sobretudo, de iniciativas de integração que foram desenhadas na breve mas fundamental existência do Ministério da Segurança Pública, em 2018, e em ações locais de governos estaduais no âmbito policial e prisional, que investiram pesado no controle de facções e, sem entrar no mérito/defeitos de cada uma delas, revela que há um enorme esforço acumulado em termos de tecnologia, informação, inteligência, contratação de novos policiais, construção de novas unidades, entre outros.

Só o Ceará, por exemplo, conseguiu reduzir em mais de 50% seus índices criminais entre 2018 e 2019. A Paraíba, por sua vez, tem conseguido reduzir seus índices faz quase uma década. O Espírito Santo, mesmo sem ter praticamente criado nenhuma vaga nova em presídios desde 2015, está conseguindo equilibrar novas prisões e alternativas penais e, com isso, não pressionar o sistema ao ponto de incentivar uma crise que se avizinhava.

Todos esses estados são governados por partidos de oposição ao Presidente Bolsonaro. Mesmo assim, o Governo Bolsonaro, em especial o Ministro Moro, tem insistentemente tentando assumir a paternidade pela queda nacional da criminalidade. A União tem responsabilidade e méritos, mas ao tentar assumir nas redes sociais  protagonismo exagerado não há escusas que escondam a vontade de poder e a pouca disposição para o diálogo e para aceitar a diferença democrática de visões de mundo.

É fato que as tentações são grandes, pois a cadeira presidencial tem um enorme magnetismo político e por isso mesmo a prioridade dada por ela a um tema é tão importante. Já em 2014 eu, Julita Lemgruber e Rodrigo Azevedo falávamos sobre esse efeito do cargo de Presidente (ver artigo aqui).

E, se junto com tal prioridade, há a adesão ideológica como ocorre com parcelas significativas das Polícias Militares, Civis e Federais, pode ficar a sensação de que o projeto defendido é hegemônico e que falar de AI5 é banal ou eticamente aceitável. Não é; e não é independente da quantidade de pessoas diretamente atingidas pois é um ato contra a liberdade e a dignidade do povo brasileiro.

Mas, voltando, os benefícios que Bolsonaro tem com medidas de outros não se restringem ao Poder Executivo. Após fugir do debate sobre segurança e sistema prisional nos últimos anos, o Judiciário, por intermédio do Conselho Nacional de Justiça criou, em 2018, um amplo Programa de ação, o Justiça Presente, que acaba de completar 1 ano de implantação, que, entre outros objetivos, esta usando de tecnologia para reduzir o número de presos provisórios no país, que alguns estados chega a mais de 55%.

Outro exemplo é que o Conselho Nacional do Ministério Público, em parceria com CNJ, incluiu o monitoramento dos homicídios como um dos temas do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, projeto que ambos mantêm.

Em resumo, para além dos gestos visíveis, que fazem com que muitos analistas foquem apenas no vai e vem da pauta normativa e legislativa para entender o primeiro ano do atual governo, que é importante mas é parcial (a leitura só desta faceta vai revelar um esforço de desconstrução dos marcos legais que regulamentam a Constituição de 1988 mas não vai revelar o cenário político institucional mais amplo), a queda da violência e a falta de articulação do trabalho acumulado dos outros garantem que Bolsonaro e Moro não sejam pressionados por crises e possam dar o ritmo da agenda política de acordo com seu projeto autoritário de poder. 

Em 2019, na linha façam o que eu digo mas não façam o que eu faço, Bolsonaro fez o que as evidências sempre disseram que era urgente ser feito, que é dar prioridade ao tema. Agora, Jair Bolsonaro e Sergio Moro deveriam basear efetivamente suas ações em evidências e deixarem a retórica da violência de lado e tratarem segurança pública como política de Estado e não trata-la como bandeira autoritária de poder (mas daí já é querer demais, infelizmente).

 

 

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Segurança: um muro de arrimo para Moro chamar de seu https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/10/06/um-muro-de-arrimo-para-moro-chamar-de-seu/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/10/06/um-muro-de-arrimo-para-moro-chamar-de-seu/#respond Sun, 06 Oct 2019 20:35:37 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/EF9OX8JXYAMuk1D-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1106 Como em política não existe vácuo e o combate a corrupção encontra-se no terreno minado das possíveis pedaladas jurídicas, o Ministro Sergio Moro tem atuado de forma intensa nas redes sociais para se apropriar da agenda da segurança pública e aproveitar a queda de alguns crimes violentos para fortalecer sua posição nas disputas de poder hoje em curso no país. Ele está em busca de uma nova marca.

Posição que, como já foi dito aqui no Faces da Violência, tem construído pontes com militares das Forças Armadas, sobretudo com os Generais Augusto Heleno e Villas Boas, para balancear a força do apoio das polícias militares diretamente ao Presidente Bolsonaro.

Antes uma agenda exclusiva do Presidente Jair Bolsonaro dentro do governo, a segurança pública tornou-se o muro de arrimo de Moro, que tem buscado apresentar várias ações pontuais de sua gestão, de governos locais e das polícias estaduais como “prova” de que a causa da redução é a sua atuação à frente da pasta da Justiça e da Segurança Pública.

Mas, uma análise objetiva dos acontecimentos, não autoriza ninguém a dar crédito à uma narrativa política exagerada e que, em termos práticos, não é de todo verdadeira. Isso não significa que não tenhamos a obrigação de identificar ações das polícias na gestão Moro que parecem surtir efeitos e que deveriam ser mais bem estudadas e avaliadas (para serem replicadas, se for o caso).

Moro parece afetado pela ansiedade e pela vontade de hegemonia que recorrentemente tomam conta dos políticos. Mas segurança não é improviso ou pode ser gerida do faroeste das redes sociais. Se assim fosse, hoje tudo mil maravilhas, mas ao menor sinal de problemas, tudo o que é sólido desmancharia no ar – com o agravante de a culpa recair sempre nos policiais e nos outros, nunca no político.

Na segurança pública, Sergio Moro esta tendo uma atuação muito parecida com Dilma Roussef, que de seu palácio em Brasília olhava o mundo como se tudo soubesse e se de ninguém ou do Parlamento precisasse, sem notar que a sociedade em movimento não segue um destino inexorável. A política serve para construir consensos e não para impor a vontade daquele que conjunturalmente pareça mais forte.

Em termos concretos, ações integradas entre Polícias Federal e Rodoviária Federal e estaduais; envio de policiais mobilizados pela Força Nacional; criação de Centros Integrados e Comando e Controle (com várias marcas e nomes), Planos Pilotos (Em Frente Brasil, Pronasci, GGIs Municipais, etc), SINESP (criado em 2012) são ações e programas importantes e que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública teve a sabedoria de mantê-los e, em alguns casos, ampliá-los. Parabéns!

Porém, não há nenhuma inovação política ou institucional. Eles são o aprimoramento positivo de projetos, na medida em que políticas públicas de segurança não devem ficar à mercê das vontade do dirigente de plantão. Até por isso, muitas dessas importantes ações estão sendo feitas pelo comprometimento de governadores, prefeitos, secretários e policiais, vários de Unidades da Federação governadas por partidos de oposição. E sem o repasse de recursos, já que quase não há dinheiro para cooperação federativa.

A queda da violência no Brasil não é responsabilidade de Moro ou Bolsonaro e precisa ser vista em perspectiva. Ela é devida, em grande medida, a dinâmicas locais e não há estudos fidedignos que estabeleçam relações de causa e efeito entre o que Moro tem feito e a tendência dos homicídios. Se algum fator nacional se fez presente, esse fator são as polícias, porém cujas normas não foram mudadas pela atual gestão e continuam informadas por leis anteriores à nossa Constituição.

O gráfico abaixo (atualizado às 21:07 para incluir as legendas) mostra que a queda da violência letal teve início muito antes de Bolsonaro e Sergio Moro e que o comportamento das linhas de tendência por médias móveis não indicam nenhum fator preponderante que tenha acentuado a curva após a posse do atual governo. Ao contrário, a tendência dos sete primeiros meses deste ano é similar ao mesmo período de 2018 (retângulos em destaque). E mesmo em 2017, a queda ocorreu em vários momentos.

 

Mantidas as condições de 2018, a projeção no gráfico mostra que a violência continuará caindo. Ou seja, o que está provocando a queda está associado às políticas públicas, mas não é exclusivamente pautado/causado por elas. Temos que investir em programas de monitoramento e avaliação que nos digam, de fato, quais as variáveis em jogo. O esforço por vender a ideia de que a violência é fruto exclusivo da gestão Bolsonaro é, em essência, um mero recurso retórico.

Se fosse verdade que a queda dos homicídios é devida ao novo governo federal, teríamos um incremento na tendência da queda desde janeiro e não um comportamento similar. O MJSP tem equipes de excelência no tratamento estatístico de dados que poderiam auxiliar na formatação de um discurso político mais aderente à realidade e, por conseguinte, mais potente.

No máximo, podemos dizer que as medidas desastradas na área da regulação das armas de fogo e munições ainda não surtiram efeitos e não estão atrapalhando (ou ajudando, antes que alguns achem isso). Mesmo algumas das ações de Bolsonaro que parecem ser a mais fortes candidatas a estarem associadas à queda dos homicídios, como a transferência de lideranças de facções e a maior disposição da PF em ir atrás do dinheiro do tráfico de armas e de drogas, são ações que ganharam fôlego nesta gestão, mas não começaram hoje.

É claro que o Governo pode e deve comemorar; pode e deve explicitar que continua políticas de Estado que estão dando resultados e investe em identificar todas as variáveis em jogo. E, se for o caso, inova. Todavia, a incapacidade de diálogo e a necessidade de criar contrapontos o tempo todo para manter a polarização que o levou ao poder estão boicotando a ambiência política e institucional.

Basta ver o impacto da Campanha em defesa do Pacote Anticrime, que gerou um enorme desconforto na Câmara dos Deputados e teve por objetivo acuar os deputados, como o próprio Deputado Rodrigo Maia disse para a Folha de S.Paulo.

Não há escusas eticamente válidas para nos perdermos nos discursos vazios e não garantir que a epidemia de violência seja efetivamente banida da vida social brasileira.

 

 

 

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No xadrez de Bolsonaro, Sergio Moro adota a tática do ‘Rei Afogado’ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/09/15/no-xadrez-de-bolsonaro-sergio-moro-adota-a-tatica-do-rei-afogado/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/09/15/no-xadrez-de-bolsonaro-sergio-moro-adota-a-tatica-do-rei-afogado/#respond Sun, 15 Sep 2019 19:22:02 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Pedro-Ladeira-Moro-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1073 O Faces da Violência antecipa, em primeira mão, versão reduzida de texto inédito escrito em coautoria com Arthur Trindade Maranhão Costa* para a edição 6 do Boletim Fonte Segura, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

***

O Presidente Jair Bolsonaro declarou este mês que a escolha do nome para ocupar a Procuradoria Geral da República era como uma jogada de xadrez. Ele seria o Rei e o PGR, a Rainha. E completou dizendo que Sergio Moro, seu ministro da Justiça e da Segurança Pública, equivaleria à Torre, que no xadrez tem a função tática de ocupar posições, antecipar lances e isolar o adversário.

A declaração de Jair Bolsonaro explicita uma estratégia política que passa longe da ideia de improviso. A analogia do jogo de xadrez faz sentido, pois hoje no Brasil há cinco cargos-chave na República: Presidente da República; Presidente da Câmara dos Deputados; Presidente do Senado Federal; Presidente do STF e o Procurador Geral da República. São esses cinco cargos que detêm o poder real de mando na República.

Já o Ministério da Justiça e da Segurança Pública não tem poder de fato e executa as políticas do Presidente. Desde o início, a presença de Sergio Moro no governo foi precificada como um ativo valioso. Mas também de alto risco, dado a autonomia e o apetite de poder do ex-juiz da Lava Jato. Para cooptá-lo a ingressar no governo, Bolsonaro prometeu-lhe uma carta branca. Mas sem autenticá-la em cartório, o que permitiria revoga-la no primeiro embate. A adesão de Moro foi perfeita para sinalizar a pretensão antissistêmica da gestão Bolsonaro e permitir ao Presidente assumir a direção da agenda política do país, mantendo inclusive o controle da narrativa junto aos demais quatro cargos-chave da República.

Porém, a crise envolvendo o COAF e as denúncias em torno de Flávio Bolsonaro, Queiroz e o histórico desse último com as milícias do Rio de Janeiro mostraram que o risco de manter a carta branca é alto demais, exigindo a adoção de uma série de hedges políticos e institucionais. Jair Bolsonaro percebeu que havia recrutado uma Torre que operava como Rainha e almejava ser o Rei.

Para um perfil inseguro como o do Presidente – que não aceita contestações e precisa reiterar o tempo todo sua autoridade – a desenvoltura e popularidade de Moro deflagrou as atuais disputas que estão afetando não só a PGR, mas a Polícia Federal, a ABIN e a Receita Federal. Isso para não falar das Forças Armadas e das demais Polícias do país.  Mais do que nunca, é importante que as instituições tenham serenidade e saibam separar interesses políticos e projetos institucionais de Estado.

Para retomar as rédeas da situação, Bolsonaro tem explorado um erro de Sergio Moro. O ex-juiz entrou no governo com “porteira fechada”, podendo indicar os principais cargos do Ministério da Justiça e do COAF. Entretanto, ele achou que poderia controlar o campo da segurança pública baseado apenas na sua alta popularidade. Moro não chamou nenhum policial militar ou civil para funções de alta direção no Ministério. Achou que poderia coordenar o campo da segurança pública apoiado por um grupo de auxiliares formado, quase que exclusivamente, por delegados da PF ligados à Lava Jato. Esqueceu-se que os policiais – especialmente os praças e agentes – são um dos principais fiadores do projeto de poder do Presidente.

Bolsonaro e seu núcleo político tem reativado as disputas e os ressentimentos internos às corporações. Alguns desses conflitos corporativos são bastante reais e historicamente silenciados e diminuem a capacidade das instituições democráticas de se auto protegerem e evitarem fraturas irreversíveis. A quase demissão pública do Diretor Geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, trouxe à tona disputas corporativistas. Alguns segmentos da Polícia Federal reclamam que o grupo de delegados do qual Valeixo faz parte ocupa a direção da instituição desde o Governo Lula. Para esses segmentos, a nomeação do Delegado Federal Anderson Torres, atual Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal seria o nome da renovação dada a proximidade com o clã presidencial.

Bolsonaro trabalha para transformar Sérgio Moro em “Rainha da Inglaterra”, com funções cerimoniais e popularidade, mas que não interfere quase nada nas engrenagens do Poder.

Moro sabe que a entrada de um novo Diretor Geral na Polícia Federal representará mudanças em todas as instâncias da corporação, sobretudo nas Superintendências Regionais e nas coordenações gerais. Um diretor geral, indicado diretamente pelo Presidente e com mais acesso ao Planalto e ao Congresso, significará, na prática, o esvaziamento do Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

E aqui que voltamos à analogia do jogo de xadrez. Sabedor desse movimento, Sergio Moro parece construir uma jogada para fugir do papel de rainha que Bolsonaro tenta lhe impor. Para fugir do xeque-mate, Moro tem alimentado notas indicando que aceitaria a exoneração de Maurício Valeixo, contando que o substituto seja alguém de sua confiança. O Delegado Federal Fabiano Bordignon, atualmente no Departamento Penitenciário Nacional, poderia ser este nome, mas há outros.

Afinal, se olharmos com mais atenção, o lugar estratégico para a manutenção da influência real de Sergio Moro não é a Direção Geral da Polícia Federal, mas a chefia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, hoje ocupada pela Delegada Erika Mialik Marena (este mesmo cargo foi ocupado de 2010 a 2016 por Ricardo Saadi, pivô da crise que explicitou a disputa entre Bolsonaro e Moro) .

Isso porque é no DRCI que os acordos de cooperação internacional em matéria de justiça e lavagem de dinheiro são negociados, permitindo que Moro tenha acesso a uma enorme base de informações de inteligência e dialogo facilitado com redes de poder e influência que lhe dão suporte.

Mas, para efeitos midiáticos e das redes, Moro tenta se sustentar nas ações da Secretaria Nacional de Segurança Pública, chefiada pelo General Guilherme Theophilo, um dos raros nomes que não foi escolhido por Moro. Embora também mantenha relação conturbada com setores das polícias militares, Theophilo tem anunciado ações de integração operacional, financiamento e reforma da gestão policial planejadas. Moro também tenta pegar carona na tendência de redução nacional dos homicídios verificada desde 2018. Mas para isso, ele terá que mostrar que estas ações tiveram efeitos de práticos na melhoria das estatísticas criminais. O que não será uma tarefa fácil. É curioso notar que Moro entrou no governo focando no combate à corrupção, mas agora tenta se segurar na área de segurança pública, que inicialmente pareceu desprezar.

Em suma, no xadrez de Bolsonaro, Sergio Moro joga com as peças do adversário e adotou a tática do “Rei Afogado”, que consiste em fugir do xeque-mate e reconhecer que se encontra em uma posição da qual não consegue sair, pois todos os lances legais foram obstruídos pelo Presidente. Ele joga para ganhar tempo, induzir o adversário ao erro e empatar a partida que só termina em 2022, o que já seria uma grande vitória simbólica. A questão de fundo, no entanto, é que se estamos vendo um jogo de xadrez, temos que procurar saber quem são os jogadores e compreender as variáveis e interesses por trás dos dois reis do tabuleiro da política brasileira atual.

 

*Professor da UNB e Membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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