Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Segurança à deriva https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/09/seguranca-a-deriva/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/02/09/seguranca-a-deriva/#respond Sun, 09 Feb 2020 16:14:44 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/17226438-150x150.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1287 Números não chocam mais na mesma intensidade; violências são reproduzidas e defendidas mas parcelas significativas da população acham que não passam de bravatas retóricas, já que a retomada econômica se avizinha (sic) e o importante é pensarmos no curtíssimo prazo; instituições de Estado são cooptadas ou testadas cotidianamente mas vale mais dizer que elas estão funcionando; desigualdades estruturais deixam de ser prioridade e voltam a ser cobertas por mantos hipócritas de invisibilidade política e/ou marcar posição e antagonizar o debate, sem espaço para o contraditório ou o convencimento; injustiças sociais não geram mais indignação; entre vários exemplos dos rumos do nosso tempo social.

Vivemos em um tempo em que o tom bélico nos impõe ou a conversão/submissão do outro à nossa justa causa e/ou o seu aniquilamento simbólico e, até mesmo, real. E, sendo bem transparente, não sou louco de dar exemplos à direita, ao centro ou à esquerda, pois isso seria um ‘sincericídio’ político pouco construtivo e pedante da minha parte.

Mas o fato é que esse tempo social nos exige silêncios obsequiosos sobre certos territórios explicativos e dimensões do social e da política. Vamos nos guetificando em zonas de conforto e de saber técnico e fortalecendo figuras messiânicas como Jair Bolsonaro, Damares Alves e Sergio Moro, Witzel, que pouco falam de políticas públicas e embalam até pastéis de vento com seus altos índices de popularidade e com suas promessas salvacionistas.

E tudo leva a crer que assim continuarão a fazer pois falsas equivalências éticas e morais são ao mesmo tempo causa e consequência da eterna espera pela procissão de milagres, que Sérgio Buarque, descreveu nas últimas linhas do seu livro ‘Visão do Paraíso’. A violência não é eticamente interditada e ficamos em um redemoinho de valores, ressentimentos e visões de mundo que aniquila a empatia.

As políticas públicas viram exceção e, na segurança, a empolgação com a queda de alguns índices de criminalidade virou motivo para um cortejo de “vivandeiras alvoraçadas” e para culto ao líder e à personalidade. Deixamos de prevenir a violência e reprimir o crime para surfar na política.

E falo isso pois, em quase 28 anos de carreira na área de estatísticas públicas e monitoramento de políticas de segurança pública, acostumei-me a ver certos temas e propostas que são recorrentes e que são, na prática, palco de disputas quase que insanáveis. Um exemplo é, com a retomada do ano legislativo de 2020, a prioridade do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, em aprovar proposta de emenda constitucional que tornaria permanente a Força Nacional de Segurança Pública.

Essa proposta é exatamente a mesma que fez, em 2013, a então Secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki. No entanto, em ambos os casos, não tivemos estudos de impacto e/ou projetos de desenho institucional que mostrem aos parlamentares porque tal medida é mais vantajosa de ser conduzida do que, por exemplo, rever o ciclo de policiamento, que divide a atividade policial em duas e, segundo muitas associações, reduz a efetividade do serviço prestado e a qualidade das investigações.

No limite, a regra vira exceção e todos que falam da importância de monitoramento, avaliação, capacitação, regras de financiamento, mecanismos de controle, transparência e supervisão viram os chatos ou os inimigos das corporações, que precisam de “liberdade para fazer o que tem que ser feito” (que se resume, basicamente, em gastar sempre mais e mais em armas, viaturas e sem controles do uso da força).

Dito de outra forma, a regra só vale na hora de impor a vontade conveniente, como a que escolheu, na semana que passou, o novo Ouvidor das Polícias de São Paulo. A escolha foi feita de acordo com a legislação e João Doria optou por um dos três nomes da lista tríplice. Quem chega desavisado acha que isso é um avanço e exemplo de vitalidade democrática.

Mas, prova do esgarçamento social e da radicalização de posturas, foi que o antigo Ouvidor, Benedito Mariano, que estava na lista tríplice e poderia ser reconduzido, só soube da escolha do Governador por outro nome pelo Diário Oficial. A troca é legítima. Mas um telefonema na noite anterior à publicação seria o mínimo que se poderia esperar.

O respeito passou longe e mostra que ele é um conceito distante na política atualmente – a declaração do Ministro Paulo Guedes sobre os servidores públicos serem parasitas é outro exemplo deste fenômeno e que, felizmente, a Associação de Delegados da Polícia Federal – ADPF foi uma das primeiras a repelir.

Mal estamos no meio de fevereiro e a agenda da segurança já está congestionada e muitos estão fatigados. Em quase todas as situações, a lógica é a da emergência e dos interesses políticos eleitorais, inclusive com vários policiais ativos e inativos mobilizados para serem protagonistas das eleições municipais deste ano. Mesmo programas pensados na lógica do planejamento, como o Em Frente Brasil, tem seus resultados anunciados antes das avaliações serem devidamente concluídas e todos os seus impactos calculados.

O esgarçamento do social não se dá porque antes era coeso e coerente, mas porque vamos perdendo um sentido coletivo de cidadania e de urgência de acesso a direitos civis, políticos e sociais. Acreditamos em cantilenas e deixamos de nos chocar; de nos indignar diante da violência e da injustiça. Tudo vira narrativa. Se não nos agrada, não é válido e é desqualificado. Indicadores, dados, evidências viram sinônimos de magia, alquimias, dogmas.

O drama desse processo é que estamos repetindo o que foi magistralmente narrado em ‘1917′, filme que concorre ao Oscar hoje à noite e que conta a saga de dois soldados britânicos enviados para além das linhas inimigas para avisarem sobre uma armadilha das tropas alemãs.

No filme (alerta de spoiler), um dos soldados morre assassinado pelo próprio piloto inimigo cujo avião havia sido abatido pela aviação britânica e cuja vida ele estava tentando salvar. O segundo, após várias dificuldades para cumprir sua missão, sobrevive e consegue evitar a morte de 1600 soldados mas, ao final, é dispensado pelo comandante militar que ele deveria avisar da armadilha de uma forma extremamente rude e ofensiva.

Em suma, estamos presenciando um tempo social no qual todos que sinalizam empatia social morrem ou são destratados/desqualificados ao cumprirem suas missões, mesmo que estas sejam defender vidas e direitos, valores máximos da nossa Constituição.

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A morte do ex-policial militar do Rio de Janeiro, Adriano Magalhães da Nóbrega, investigado pela morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, na Bahia, merece ser analisada com muito cuidado e atenção. Várias são as variáveis a serem consideradas. O secretário Maurício Barbosa, que foi um dos líderes da proposta de recriação do Min. da Segurança Pública, precisa dar máxima transparência às investigações sobre a morte do ex-PM Adriano Nóbrega para não existirem dúvidas sobre o que ocorreu

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Na marcha da insensatez, deputado do PSL propõe a extinção da Ouvidoria de Polícia de São Paulo https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/13/na-marcha-da-insensatez-deputado-do-psl-propoe-a-extincao-da-ouvidoria-de-policia-de-sao-paulo/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/13/na-marcha-da-insensatez-deputado-do-psl-propoe-a-extincao-da-ouvidoria-de-policia-de-sao-paulo/#respond Sun, 14 Apr 2019 00:06:45 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/15343431065b7437c249881_1534343106_3x2_md-320x213.jpg true https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=764 Com Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Esta semana o Datafolha divulgou pesquisa que mostra que 51% da população brasileira tem mais medo do que confiança na Polícia, e que 79% acredita que policiais que matam devem ser investigados. Ainda assim, o deputado estadual Frederico D’Ávila, do PSL de São Paulo, apresentou um projeto de lei complementar para extinguir a Ouvidoria de Polícia do Estado.

O primeiro fato que chama a atenção é que a justificativa do parlamentar para a proposta é a de redução dos gastos públicos. Talvez o parlamentar não saiba, mas a Ouvidoria nem tem orçamento próprio e depende do apoio da Secretaria da Segurança Pública para poder se manter. São Paulo gastou, em 2017, cerca R$ 11,6 bilhões com segurança pública e o deputado acha que cortar gastos com uma estrutura que custa cerca de R$ 1 milhão por ano com salários de 16 pessoas (média R$ 5 mil brutos mensais para cada) e desempenha um papel-chave no governança da segurança pública é uma “boa ideia”.

Também é curioso que o projeto afirme que “o papel da Ouvidoria tem sido o de injustamente acusar, desmoralizar e desestimular o policial no desempenho de suas funções, gerando, como consequência, insegurança na população”, dado que o órgão é o único canal oficial de comunicação entre o Estado e a Sociedade, criado por Mario Covas em 1995, quando era governador.

Os 80 tiros que mataram Evaldo dos Santos Rosa são a prova de que o deputado está querendo pegar carona na marcha da insensatez que toma conta do país e não percebe que não existe corporação policial sem controle e supervisão. E isso é reforçado até mesmo pelos argumentos diversionistas do Presidente Jair Bolsonaro, para quem o “Exército não matou ninguém“, ou do Ministro do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, que afirmou que o comandante da operação “deu uma bobeada” e que o caso deve ser visto apenas como um desvio de conduta individual dos soldados.

Sem um espaço externo de denúncias, não só perde a população, mas também as instituições que terão que depender apenas das informações de seus integrantes e, como o caso dos 80 tiros demonstrou, a versão inicial dada pelos envolvidos na operação era parcial e falsa. Quem tem medo da transparência? Ela não produz “monstros” a abusar da fé pública das instituições; ela os revela quando os ecos ideológicos são explicitados.

Mas o mais revelador do projeto de lei apresentado pelo deputado é o total desconhecimento sobre a atividade policial e a função da Ouvidoria em uma democracia. Soa como um parlamentar querendo surfar no pânico da população e no sentimento de abandono que muitos dos nossos policiais precisam aprender a lidar diante da dura vida que levam.

O fato é que a Ouvidoria é uma instituição comum em países com democracias mais consolidadas e não é tratada como inimiga; ela pode ser um poderoso instrumento de reconquista da confiança nas instituições. O equivalente da Ouvidoria de Polícia de Nova Iorque, nos EUA, foi criado em 1950 e tem como missão o recebimento de denúncias envolvendo policiais, a realização de atividades com a comunidade e recomendações para o aperfeiçoamento da atividade policial.

Na Irlanda, a Ouvidoria de polícia data de 1998 e além de produzir boletins com as estatísticas de denúncias e encaminhamentos duas vezes por ano, também promove discussões sobre política salarial e orçamento das instituições policiais. Até mesmo a África do Sul, que passou por um profundo e longo regime de segregação racial que durou até 1994, possui uma ouvidoria de polícia desde 1995, que publica anualmente relatórios sobre desvios e abusos envolvendo policiais, sanções e campanhas de conscientização.

A função da Ouvidoria é justamente a de receber denúncias e apurar eventuais desvios envolvendo policiais, funcionando como um canal direto de comunicação com a população. Mas sua missão também envolve cuidar dos direitos dos próprios policiais, não à toa, tese de doutorado defendida pela pesquisadora Viviane Cubas em 2013 no Departamento de Sociologia da USP demonstrou que, entre 2006 e 2011, os próprios policiais civis e militares foram responsáveis pelo registro de 1.716 denúncias na Ouvidoria de Polícia, a maioria por episódios de assédio e abusos envolvendo escalas de trabalho.

Sem a Ouvidoria de Polícia, policiais subalternos perderiam um canal importante de comunicação e denúncia de violações sofridas por eles próprios. Ou seja, a Ouvidoria de Polícia tem a prerrogativa de olhar para os principais fatores de vitimização dos policiais e isso ajuda na identificação de fatores epidemiológicos que muitas vezes são invisibilizados.

Relatório divulgado pelo Ouvidor de polícia, Benedito Mariano, no início deste ano mostrou que no último ano ocorreram mais episódios de suicídio envolvendo policiais do que mortes em confrontos. Para se ter ideia da magnitude, enquanto 3 policiais militares morreram em situações de confronto com criminosos no horário de trabalho, 35 PM suicidaram-se, número quase 12 vezes maior.

Enquanto em todo o país políticos como o Deputado Frederico D’Ávila discutem propostas populistas que visam dar carta branca aos maus policiais para fazerem uso da força letal, ignoram que parte significativa do efetivo policial sofre com as péssimas condições de trabalho e os baixos salários, o que tem levado muitos a tirarem a própria vida.

Se o deputado tivesse o cuidado de ao menos pedir à sua assessoria um estudo prévio, ele veria que o último relatório da Ouvidoria também traz uma proposta de estabelecimento de piso salarial para os policiais de São Paulo. Segundo o próprio relatório, “apesar de São Paulo ser o Estado mais rico da Federação, os policiais de São Paulo estão, em média, no 23º lugar no ranking de piso salarial brasileiro”. Também veria que existem cerca de 13 mil vagas em aberto na Polícia Civil e, ao invés de gastar tempo querendo desconstruir o que a duras penas tem dado certo, ajudaria a aperfeiçoar o sistema de segurança do estado.

Polícia é a única instituição que está autorizada a matar em nome do Estado e, para que isso seja legítimo, os políticos precisam compreender que todas as mortes precisam ser minuciosamente investigadas e apreciadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Não se protege o policial aniquilando o mensageiro das eventuais más condutas cometidas por eles, mas, por exemplo, fortalecendo a institucionalidade de medidas que deem credibilidade e isenção às investigações.

São Paulo foi pioneiro na criação da Ouvidoria de Polícia e, por mais que ela possa ser aprimorada e modernizada, aprovar a extinção de uma instituição modelo no país e no mundo seria de uma estultice gigantesca. Aliás, seria interessante observarmos o que acha a Deputada Janaína Paschoal da proposta, que com seus mais de 2 milhões de votos ajudou a eleger o Deputado Frederico D’Ávila, que teve 24.470 votos, já que ela trabalhou no início de sua carreira na SSP e conheceu o trabalho da Ouvidoria de Polícia na sua origem. Isso nos ajudaria a saber se o PLC (Projeto de Lei Complementar) é uma iniciativa isolada e/ou um projeto de Poder do PSL como um todo.

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Enquanto políticos surfam no pânico da população, policiais e bombeiros dão a vida em nome da profissão de salvar vidas. Hoje faleceu o 3o Sargento PM do Corpo de Bombeiros de São Paulo,  Júlio César Delfino, que não conseguiu sair de uma edificação comercial situada na Cidade de Araçatuba, interior de São Paulo, que ruiu em razão de um incêndio de grandes proporções e que ele estava tentando combater. Solidariedade à sua família, ao Corpo de Bombeiros e à Polícia Militar de São Paulo.

 

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