Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A crise de segurança pública na Amazônia https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/24/a-crise-de-seguranca-publica-na-amazonia/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/24/a-crise-de-seguranca-publica-na-amazonia/#respond Thu, 24 Jun 2021 12:54:32 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/Amazônia-faces-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1799 Cocaína entra no país pela Amazônia sem barreira física devido à falta de efetivo da Polícia Federal e pela ausência de policiamento específico de fronteira.

Mario Aufiero*

Há tempos, a falta de uma política de segurança para as fronteiras brasileiras, em especial a da Amazônia, vem caracterizando diversos problemas na segurança pública em dezenas de cidades amazônicas. Recentemente, todo o país assistiu às ações do crime organizado na cidade de Manaus, capital do maior estado da federação brasileira, o Amazonas, e em municípios vizinhos. Ataques a escolas, hospitais, ônibus, carros públicos e particulares foram realizados de forma coordenada pela facção criminosa que domina essa parte do território.

Vários especialistas na área de segurança pública como também diversos atores da segurança que vivem e trabalham nessas localidades já registraram que a droga, o cloridato de cocaína, entra em nosso país pela Amazônia, sem nenhuma barreira física ou do estado. Isso ocorre por falta de efetivo da Polícia Federal como também pela ausência de um policiamento específico de fronteira para Amazônia. Dessa forma, as facções conseguem garantir de forma fácil a entrada de entorpecentes no Brasil dentre outras atividades criminosas, apesar dos esforços das polícias estaduais em vigiar e combater esse tipo de criminalidade.

O que ocorreu em Manaus e nas cidades vizinhas na primeira semana de junho de 2021 foi uma demonstração de força do crime organizado contra o Estado, deixando milhares de pessoas com medo. Isso é inaceitável, mas deriva justamente da ausência de uma política nacional macro de segurança para a Amazônia.

Essa região do país é diferente de tudo que conhecemos no restante do Brasil. Logo, as políticas de segurança pública devem ser planejadas levando-se em conta as especificidades da região, pois suas características territoriais e sociais diferem do restante do país.

O próprio Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que já completou três anos e ainda não foi implementado, precisa ser revisto para trazer elementos especiais de tratamento para a segurança pública na Amazônia. Assim, poderia atender velhas demandas para a área de segurança para a região, especialmente em suas regiões de fronteira.

O policiamento de fronteira na região se faz necessário há décadas. Portanto, a União tem o dever, por meio do SUSP, de criar e amparar os estados e municípios amazônicos. No momento, o reduzido efetivo da Polícia Federal não é capaz de guardar as fronteiras amazônicas.

A União e os estados amazônicos devem incentivar os munícipios da Amazônia no desenvolvimento de planos municipais de segurança como meio de prevenção, controle e repressão da criminalidade. Para tanto, é necessário alocar recursos nos municípios para que possam integrar os esforços de provisão de segurança.

A questão social também tem que ser tratada de forma especial, com ações de prevenção à violência juvenil, além do foco nas famílias em situação de vulnerabilidade social. Sem uma visão completa do problema e de ações baseadas nas características amazônicas, a possibilidade de ocorrência de eventos semelhantes não deve ser descartada.

Portanto, este é o momento de a União, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, desenvolver políticas concretas de segurança para a região levando em consideração as suas características e a voz de seu povo. Para tanto, uma política concreta para as fronteiras deve ser estabelecida, de modo a construir um sistema efetivo de proteção da Amazônia. O problema da segurança impacta diretamente na questão ambiental, pois sem instrumentos efetivos de aplicação da lei, tais problemas permanecerão em evidência.

Por fim, a população de Manaus e dos municípios vizinhos que sofreram recentemente com os ataques das organizações criminosas não deve mais ser penalizada pela ausência de uma política concreta para a região.

*Superintendente-geral do Centro de Estudos de Segurança da Amazônia- CESAM, mestre em Administração Pública com ênfase em Segurança Pública – FGV/EBAPE, doutorando em Função Social do Direito pela FADISP e delegado de polícia PC-AM.

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Na edição desta semana, leia também “Máquina de moer gente negra” e “O invisível assédio nosso de todos os dias“.

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Passadas as eleições, a hora dos planos municipais de segurança https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/18/passadas-as-eleicoes-a-hora-dos-planos-municipais-de-seguranca/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/11/18/passadas-as-eleicoes-a-hora-dos-planos-municipais-de-seguranca/#respond Wed, 18 Nov 2020 18:03:13 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/17023268-320x213.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1587 As eleições foram uma boa oportunidade para discutir o papel dos municípios na Segurança Pública. Agora é hora de planejar as ações.

Arthur Trindade Maranhão Costa*

No último domingo (15/11), os brasileiros foram às urnas escolher os novos prefeitos e vereadores dos quase 5600 municípios do país. Como das últimas vezes, as eleições transcorreram num clima de tranquilidade e a apuração dos votos aconteceu dentro da lisura de costume. Mais uma vez pudemos dizer que foi uma festa da democracia.

A segurança pública esteve entre os principais temas do debate eleitoral, o que não chega a ser uma novidade. Desde os anos 2000, os municípios vêm aumentando sua participação na segurança pública. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, entre 2002 e 2019 verificou-se um crescimento de 286% no total de gastos com segurança pública, que saltaram de cerca de R$ 1,7 bilhões para R$ 6,4 bilhões. Entretanto, a participação municipal varia significativamente de acordo com o estado.

O aumento da participação municipal se deveu a três fatores. Primeiro, houve uma mudança da percepção do eleitorado com relação a responsabilidade pela segurança pública. Até a década de 90, questões relativas à segurança pública eram tratadas essencialmente como responsabilidade dos governadores de estados. A partir da década de 2000 este quadro se alterou. E, com isso, passou-se a cobrar maiores investimentos em segurança pública, reforma nas estruturas das polícias e implantação de políticas públicas mais eficientes.

Segundo, houve uma forte indução do governo federal para que os governos municipais se engajassem mais no tema. A partir de 2002, o Fundo Nacional de Segurança Pública e, mais tarde, o PRONASCI, passaram a transferir recursos para aqueles municípios que contassem com estruturas administrativas voltadas para segurança pública. Esse dinheiro, em certa medida, acabou, considerando que a União tem reduzido suas despesas com segurança pública – ainda segundo o Anuário do FBSP, entre 2018 e 2019, a União reduziu em 3,8% o gasto com a área.

A principal resposta dos prefeitos foi a criação das guardas municipais. O crescimento das guardas foi significativo. Segundo a Munic/IBGE, entre 1980 e 2015, último ano com dados disponíveis, o número de guardas municipais cresceu de 120 para 1081. Onde já existiam guardas municipais foram contratados mais efetivos e adquiridos viaturas e equipamentos.

Mas não só. Um terceiro fator precisa de atenção. Com a estagnação dos investimentos estaduais na área e com a necessidade de dar respostas à população, muitas cidades optaram por criar programas de bonificação e pagamento de horas de trabalho dos policiais estaduais em suas folgas. Em outras palavras, muitas cidades aumentaram seus gastos aportando recursos para a manutenção e ampliação do policiamento em seus territórios.  Não à toa, dos 5570 municípios existentes no país, 2423 declararam gastos com segurança pública em 2019.

Analisando as guardas municipais brasileiras, podemos distinguir pelo menos três funções desempenhadas por elas. Algumas seguem o modelo de guarda patrimonial. Estas guardas possuem atribuições bem delimitadas: defesa do patrimônio, do espaço público e proteção dos prédios municipais. Outras, atuam como se fossem polícias municipais. Estas guardas têm assumido as funções de policiamento ostensivo, substituindo as outras organizações policiais. Elas realizam o patrulhamento das ruas, buscando aplicar a lei aos comportamentos desviantes. Há também as guardas que atuam como força apaziguadora. Elas utilizam seu poder de polícia para administrar conflitos, prevenir crimes e solucionar problemas colocados pelo público. As atividades de repressão são raras e controladas.

Quanto à organização, embora os municípios tenham liberdade de estruturar suas guardas da forma que acharem conveniente, na prática eles seguem o modelo organizacional das polícias militares. Isso se deve aos processos de mimetismo aos quais estas organizações foram submetidas. Em muitos casos, os primeiros comandantes das guardas foram oficiais das polícias militares que acabaram por copiar as carreiras, os manuais e os protocolos utilizados pelas suas instituições de origem.

O papel dos municípios na segurança pública não se resume à criação das guardas municipais. Talvez a maior vocação dos municípios sejam as políticas de prevenção de violências. Alguns municípios desenvolveram políticas sociais de prevenção de violências muito bem-sucedidas. Especialmente onde estas iniciativas foram abrangentes e tiveram foco em áreas, grupos e situações de risco.

Mas, para implantar políticas abrangentes, foram elaborados planos estratégicos de segurança municipais, articulando as ações dos diversos órgãos e agências municipais, estaduais e até mesmo federais. Os planos também incluíam indicadores de acompanhamento e metas de desempenho, além de estabelecerem claramente as responsabilidades de cada um dos atores envolvidos na política pública.

Resumindo. Passada a festa da vitória, é hora de trabalhar e planejar as ações de segurança pública. Não basta contratar efetivos e comprar viaturas e equipamentos. É preciso elaborar planos estratégicos que definam claramente objetivos, metas e indicadores. Parabéns aos vencedores e boa sorte!

*Professor da UnB e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

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Na edição desta semana, leia também“Violência política no Brasil: da negligência ao estímulo”

 

 

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Os municípios e as prisões https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/10/26/os-municipios-e-as-prisoes/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/10/26/os-municipios-e-as-prisoes/#respond Mon, 26 Oct 2020 18:42:12 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/1627268-320x213.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1548 Sistema prisional e segurança pública, temas da mais alta relevância na agenda nacional, são vistas tradicionalmente como responsabilidade dos estados e da união. Mas será que os municípios não incidem nesses temas?

Por Renato De Vitto*

Sistema prisional e segurança pública, temas da mais alta relevância na agenda nacional, são vistas tradicionalmente como responsabilidade dos estados e da união. Mas será que os municípios não incidem nesses temas?

As pessoas vivem na cidade, é ali que se dão as ações de urbanização, moradia, cultura, educação, assistência e saúde. As possibilidades de existir e ser no território permitem uma ambiência mais ou menos conflitiva que alimenta situações que acabam por desembocar no sistema penal.

Da mesma forma, equipamentos de segurança pública e das políticas penais situam-se no território das cidades, como quartéis, delegacias, centrais de monitoração eletrônica, e de alternativas penais, fóruns e estabelecimentos prisionais. Essas estruturas movimentam serviços, geram demanda de emprego, e impactam na economia local.

É também na cidade que as pessoas que passaram pela prisão tentarão se inserir ao retornarem ao convívio social. Seus familiares são munícipes que trabalham e têm demandas que são atendidas nesse espaço.

Apenas por tais aspectos seria possível constatar que os municípios já incidem diretamente nas políticas penais e de segurança pública. Porém, por uma série de razões que vão desde a falta de empatia e baixa visibilidade social da pauta, até as dificuldades de financiamento destas políticas pelos municípios, a sua atuação não têm sido organizada de forma planejada e articulada, o que representa uma grande oportunidade perdida.

A permanente tensão quanto a repartição de recursos públicos no sistema federativo reforça os receios dos dirigentes municipais para abraçarem o tema. No exercício de 2018, enquanto os estados destinaram dotações de 15 bilhões para a política penal e penitenciária, o Fundo Penitenciário Nacional dispensou apenas 570 milhões para o campo, o que representa uma participação de singelos 3,7% no financiamento da política.

Porém, há boas razões para se abordar o assunto de forma diferente. Se o município adotar uma postura ativa na condução das políticas penais, que ocorrem a partir do momento em que alguém é processado ou condenado por um crime, poderá conduzir um processo de construção de uma cidade mais inclusiva e segura, além de fomentar o desenvolvimento local.

Para explicitar como a Câmara Municipal, a Prefeitura, as organizações da sociedade civil e outras instituições podem repensar o assunto o Laboratório de Gestão de Políticas Penais – LabGEPEN/UnB, o Instituto Veredas, e o Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC, com apoio do Instituto Igarapé lançaram uma Agenda Municipal de Políticas Penais (http://bit.ly/AgendaPenalMunicipal ). São dez pontos, que incluem a articulação e facilitação de acesso a serviços de saúde, educação, trabalho, assistência social e cultura; estruturação de serviços especializados como centrais de alternativas penais e serviços de atendimento a pessoas egressas e familiares; abarcando, ainda, caminhos para a capacitação de trabalhadores das redes municipais, o fomento a parcerias,  e a criação de fundos municipais de serviços penais.

O documento aponta que o Município pode sim protagonizar a articulação de ações intersetoriais e de qualificação dos seus serviços para incidir de forma mais efetiva no tema, Também sinaliza as possibilidades de captação recursos, a exemplo do Fundo Penitenciário Nacional e do Fundo Nacional de Saúde, para viabilizar um salto de qualidade. As parcerias com a iniciativa privada que geram oportunidade de qualificação e renda para população presa, também representam um grande potencial de novos negócios para o município, a partir de atividades que venham a produzir uma relação de ganha-ganha entre pessoas privadas de liberdade ou egressos e a comunidade.

Um exemplo trazido na Agenda ilustra isso: no Rio Grande do Sul, o Programa Recomeçar, organizado a partir de um convênio firmado entre a Superintendência dos Serviços Penitenciários e o Município de Canoas, tem contribuído decisivamente para a inclusão social das pessoas presas por meio de serviços prestados à cidade, com remuneração e aprendizagem de novas competências profissionais. Os apenados atuam em reformas e restauração de locais públicos e revitalização de praças e parques do município, além de outras atividades.

Para permitir que as pessoas possam construir suas histórias de maneira digna e contribuir com as cidades, os serviços que atuam com pessoas que cumprem alternativas penais e com pessoas egressas precisam ter forte conexão com o território. Outro exemplo virtuoso é o Presp – Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional que fomenta parcerias com o judiciário, com diversos municípios mineiros e com a sociedade civil promovendo condições mais favoráveis para a retomada da vida em liberdade e minimizando os riscos de reentrada na prisão.

Candidatos que nesta eleição municipal discutem com alguma propriedade as políticas penais revelam conhecimento mais aprofundado das políticas públicas e da relação interfederativa. Em um momento em que a superficialidade e a adoção de soluções imediatistas, simplistas e ineficazes são celebradas no cenário político, eles saem muitos passos à frente no caminho da construção da civilidade.

*Defensor público, ex-diretor geral do Departamento Penitenciário e pesquisador do LabGEPEN/UNB.

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