Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O soldado e o Estado no Brasil https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/11/o-soldado-e-o-estado-no-brasil/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/06/11/o-soldado-e-o-estado-no-brasil/#respond Fri, 11 Jun 2021 21:05:08 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/ppp-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1794 Precisamos que o pensamento democrático balize, de fato, as instituições públicas, mormente as que detém o exercício do poder coercitivo do Estado. 

Catarina Corrêa*

 

Pagamos por nossas escolhas. Não há maior verdade, quando falamos de política. E o Brasil tem um histórico de adiar o futuro, de deixar os conflitos para depois, porque estamos em crise. Mas sempre estamos em crise. Então, a reforma das instituições sempre fica para depois.

No final do século XIX, passamos de uma monarquia institucionalmente falida para uma república disfuncional. E não é nenhuma novidade que sistemas presidencialistas, sobretudo quando dependem de amplas coalizões, oferecem poucas ferramentas para manejar crises políticas. Não temos “recall”, nem dissolução de governos politicamente ineptos. Temos o “impeachment”, que depende da existência de crimes de responsabilidade. Nome infeliz, já que, tecnicamente, não parece muito com o que vemos no Direito Penal. Mas, no final, para quem perde, “impeachment” sempre será golpe.

Pois o Brasil, quando iniciou sua história republicana – e lembre-se, por meio de um golpe militar –, adotou uma estrutura institucional que oferece, como dito, poucas ferramentas para debelar crises. E, para nosso infortúnio, temos, desde o fim do século XIX, uma superposição de crises constitucionais.

Temos a crise da federação – que já existia quando ainda éramos um país unitário –, em que todos os seus membros estão sempre descontentes, culpando-se mutuamente por seus infortúnios. 

Temos a crise do sistema representativo, gerada por partidos sem permeabilidade, que não permitem que a sociedade participe de suas estruturas, que se estabelecem como feudos, e cujo único interesse é, em regra, a manipulação da política mais rasteira ou simplesmente a divisão do butim chamado fundo eleitoral.

Temos mais crises do que o espaço desse artigo permite relatar. Importante mesmo é lembrarmos como essas crises (não) foram administradas.

No momento em que a debilidade institucional – que inviabiliza a construção do futuro, ao sonegar a implementação de políticas públicas de longo prazo coerentes – toma conta do Estado, não há nada que ele possa fazer além de permanentemente tentar apagar incêndios.

O resultado desse quadro é impaciência e frustração com a falta de resultados. O que os cidadãos percebem é tão-somente injustiça. Injustiça na cobrança dos impostos, na repartição das receitas tributárias, na distribuição dos serviços públicos, na criação da desejada igualdade de oportunidades.

Em nossa experiência histórica, essas situações de profunda frustração política acabam sendo mediadas, em seus momentos mais agudos, pelos militares. Quando as instituições não dão conta, os militares se sentem legitimados a oferecer uma solução. 

Não houve força institucional ou social que fosse suficientemente poderosa para estabelecer um limite claro para essas intervenções. Refiro-me a todos os tipos de intervenções, até mesmo tweets em véspera de julgamento no STF.

Voltando à nossa história política, a própria república surgiu também de uma crise militar, a do Império. A República Velha, por sua vez, revelou a presença quase permanente dos militares no protagonismo político. A Revolução de 1930, primeiro ímpeto de modernização (para o bem e para o mal) na história do Brasil, teve o dedo do tenentismo. O fim do Estado Novo se deu pela mão dos militares, que, depois de lutar pela democracia (dos europeus), desistiram de Getúlio Vargas. Depois disso, a precária democracia brasileira continuou precisando da tutela de militares (antigolpistas): Marechal Lott, por mais de uma vez, e Leonidas Pires Gonçalves, só para citar os mais destacados.

Certamente, o clima de intransigência e de intolerância política, que, de tempos em tempos, nos assola, alimenta a disfuncionalidade mais grave de todas: a perda da fé de que o sistema político, com todas as suas imperfeições, seja capaz de ajudar-nos a enfrentar a tempestade. 

Certamente, o General no palanque nos serve de alerta. Precisamos de limites institucionais mais claros. Precisamos que o pensamento democrático balize, de fato, as instituições públicas, mormente as que detém o exercício do poder coercitivo do Estado. 

Samuel Huntington, em “O Soldado e o Estado” (1957), sustenta que os militares operam em uma esfera separada, mas subordinada. Sua teoria – criticada como excessivamente idealizada – ensina que os líderes políticos fazem a política e fornecem a orientação abrangente do que deve ser feito, enquanto os militares se atêm à sua área de competência – a aplicação do poder militar. Essa estrutura oferece uma orientação clara e precisa, mas exige musculatura institucional, que, aparentemente, ainda não temos.

 

Juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

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Na edição desta semana, leia também “A política entrou nos quartéis” e “Autonomia financeira e o impacto da violência contra as mulheres brasileiras“.

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Em 10 anos, ‘aposentadoria’ de militares cresce em 41,7% https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/10/11/em-10-anos-aposentadoria-de-militares-cresce-em-417/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/10/11/em-10-anos-aposentadoria-de-militares-cresce-em-417/#respond Sun, 11 Oct 2020 13:12:07 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/diferente-do-projeto-para-civis-proposta-de-aposentadoria-para-militares-mantem-beneficios-de-integralidade-e-paridade-1571652594587_v2_900x506-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1539 O Brasil contava, em 2018, com mais de 4,3 milhões de militares “aposentados”. E, ao mesmo tempo, pagava mensalmente, em média, R$ 6.528,46 para o seus policiais militares da ativa; R$ 11.472,93 para os policiais civis e federais; e, por fim, R$ 7.630,50 para os bombeiros militares.

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Ao se analisar os grandes números do Imposto de Renda Pessoa Física, disponibilizados pela Receita Federal, referentes aos anos-calendários de 2009 e de 2018, constata-se que o Brasil tinha, em 2018, 4.312.755 militares reformados, na reserva e/ou familiares pensionistas que pagaram imposto de renda (militares das FFAA, das Polícias e Bombeiros Militares estaduais). Esse é um número 41,7% superior ao observado em 2009, quando existiam 3.044.019 militares inativos, sem contar os com moléstias graves – que igualmente cresceram 38,1% no mesmo período e atingiram 387.850 pessoas.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública está conduzindo um estudo especial sobre o impacto da questão previdenciária das polícias e deve divulga-lo nos próximos meses. Mas, antes, os grandes números do IPRF permitem algumas estimativas preliminares. Em primeiro lugar, se separarmos os rendimentos das polícias civis, militares e bombeiros militares, iremos observar que, em 2018, os policiais militares que recolheram imposto de renda tiveram um rendimento médio mensal, incluindo o 13º salário, de R$ 6.528,46.

Já os policiais civis, cujo efetivo total é menor e incluí os delegados estaduais e federais, carreiras mais bem remuneradas, o rendimento médio mensal sobe para R$ 11.472,93. E, por fim, os bombeiros militares tiveram um rendimento médio mensal de R$ 7.630,50.

Como comparação, na média, cada integrante do Ministério Público teve uma remuneração mensal de R$ 34.749,90, com 13º salário. Esse valor é maior do que a média dos juízes, que receberam, segundo a Receita Federal R$ 33.550,01 como remuneração mensal em 2018, sem contar indenizações e rendimentos isentos.

Importante frisar que esses valores são médias e não consideram as disparidades internas de cada polícia, com policiais da base muitas vezes recebendo bem menos que os policiais do teto da categoria.  E isso é ainda mais emblemático pois pouco sabemos sobre a estrutura de financiamento das polícias brasileiras e não há dados sistematizados e/ou organizados que permitam análises mais detidas e precisas. E, na falta de tais informações, ganha quem grita primeiro e convence.

Em 2018, os policiais e bombeiros militares brasileiros pagaram 7,7% dos seus rendimentos, em média, a título de previdência social e/ou sistema de proteção social. Foram quase R$ 5 bilhões arrecadados dos policiais para custear suas aposentadorias. Como não temos dados desagregados por carreira e faixa salarial, que são definidores das novas alíquotas a serem aplicadas sobre os rendimentos dos policiais, podemos apenas estimar alguns impacto da reforma da previdência do ano passado.

Por essa simulação, na alíquota intermediária de incidência, a expectativa é gerar uma receita adicional de ao menos R$ 1,24 bilhão com as novas alíquotas. Assim, deve ocorrer um aumento de arrecadação da ordem de 24,9%, custeado pela retenção maior nos contracheques dos policiais. De R$ 4,97 bilhões  arrecadados a título de previdência em 2018, o valor deve passar para R$ 6,22 bilhões, em 2020, isso em uma média simples entre as diferentes carreiras.

Agora, se estes valores serão suficientes para equacionar o dilema previdenciário existente, ainda é cedo para afirmar apenas com os dados da Receita Federal. É preciso cruzar novas fontes de dados e aprofundar algumas informações. Todavia, este rápido panorama serve para jogar luz a números impressionantes e que precisam fazer parte do debate sobre os rumos e sentidos das políticas de segurança pública no Brasil. Mas, logo de cara, é possível chamar atenção para os dados sobre a quantidade de militares na reserva, que são fortes e exigem uma reflexão sobre a estrutura de carreiras e do tempo de serviço das Forças Armadas e Polícias Militares do país.

Outro dado que chama bastante a atenção é aquele que foca na proporção de membros dos Ministérios Públicos em relação ao número de policiais. Para cada um dos 14.365 promotores e procuradores dos Ministérios Públicos há, na média nacional, 41,3 policiais. Se considerarmos apenas os números das polícias civis e federal, responsáveis pela atividade de polícia judiciária, havia 9,1 policiais para cada promotor/procurador de justiça no Brasil em 2018. Já a proporção de juízes neste mesmo ano é levemente maior, de um juiz para cada 24,5 policiais.

Trata-se de um funil importante para compreendermos o fluxo do sistema de justiça criminal brasileiro e sobre os papéis e funções que cada uma destas instituições deve desempenhar para melhorar a eficiência da Justiça brasileira. Vale lembrar que tal número gera impactos diretos na capacidade de processar crimes e evitar impunidade.

 

Versão reduzida do artigo publicado originalmente no Boletim Fonte Segura 58, do FBSP,

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