Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A Polícia Federal resiste? https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/a-policia-federal-resiste/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/05/28/a-policia-federal-resiste/#respond Fri, 28 May 2021 14:02:31 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Salles-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1783 Ao manter sua expertise na manutenção da qualidade da investigação e ao demonstrar, via operação, que continua fazendo seu trabalho, a PF emite sinais de resistência

Andréa Lucas Fagundes*

Nos últimos tempos, a Polícia Federal tem estado no centro de disputas que envolvem diretamente o campo político. Para relembrar, os casos mais ilustrativos:

a) caso Bivar (2019), ocasião em que fizemos para o Fonte Segura uma breve revisão da PF e seu possível aparelhamento político;

b) a exoneração do então Diretor Geral, Mauricio Valeixo, alvo de acontecimentos políticos que implicaram a saída do então Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, Sergio Moro;

c) a nomeação relâmpago do delegado Alexandre Ramagem, que não chegou a tomar posse do cargo;

d) episódio envolvendo a família Bolsonaro (esquema das rachadinhas), que coloca em xeque a independência de investigação da Polícia Federal com acusações de vazamento de informações por um delegado da PF;

e) a mudança ocorrida recentemente no Ministério da Justiça e Segurança Pública, em que assume a pasta Anderson Torres, delegado de Polícia Federal que há alguns anos vem exercendo atividades políticas e automaticamente troca o comando da Polícia Federal, hoje dirigida por Paulo Gustavo Maiurino, também delegado com perfil de articulação política;

f) o afastamento do então Superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, após ter enviado ao STF pedido de investigação contra Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente;

g) nos últimos dias, a deflagração da operação Akuanduba, que tem entre seus investigados o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, Eduardo Bim, com autorização do STF, e;

h) na última sexta-feira, a notícia de proposição ao STF, pelo Diretor Geral Paulo Maiurino, de um documento propondo reestruturação interna do órgão e “implementação de mecanismos de supervisão administrativa e estruturação organizacional, nos moldes dos adotados pela PGR”, após a solicitação ao STF, pela Polícia Federal, de autorização para investigar o ministro Dias Toffoli.

Contudo, observa-se uma peculiaridade nos dois últimos casos, pois, ao contrário dos demais, a operação Akuanduba não se configura como uma ação do Executivo com tom de interferência política na instituição e sim a atuação da Polícia Federal realizando operação que tem como investigado um ministro de Estado, seguida da notícia de uma tentativa do Diretor Geral de controlar a autonomia dos delegados após pedido da PF para investigar ministro do STF. Cogita-se, então, a hipótese de uma possível resistência institucional, ou de ao menos uma parcela da instituição, à crescente interferência política na Polícia Federal. O que nos leva a revisitar alguns argumentos que vêm sendo apresentados nos últimos anos sobre o desenvolvimento institucional da PF, configurando o que acadêmicos e os próprios policiais federais consideram a independência administrativa e investigativa da Polícia Federal, frequentemente “testada” ultimamente.

Nos últimos 20 anos a instituição passou por significativo processo de mudança e desenvolvimento que envolveu reestruturação e modernização organizacional,  renovação e qualificação de seu quadro, fortalecimento da imagem institucional e especialização, culminando no refinamento da investigação via um processo que fortaleceu a capacidade de investigação e a qualidade da prova. Avanços que ocorreram mesmo enfrentando desafios como a disponibilidade orçamentária, que teve incremento na primeira metade dos anos 2000, mas que na última década e até os dias atuais passou a enfrentar cortes e restrições impostas pelo Poder Executivo.

Tal reestruturação interna colocou a PF em outro patamar institucional, tanto pelos resultados apresentados nas operações, como pela articulação com demais instituições do sistema de controle e pela imagem e confiança junto à sociedade brasileira. Entretanto, a independência administrativa e investigativa atingida parece não garantir bloqueio contra eventual ingerência do Poder Executivo, por sua subordinação ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), condição necessária em democracias.

Tais características institucionais e a insistente interferência do Executivo têm resultado em tensas relações entre a PF e o governo Bolsonaro, que parecem refletir a resistência de quadros do órgão, que ao longo dos anos 2000 e até o primeiro ano do governo atual, teve em sua cúpula lideranças com fortes características de atuação técnica, defensores da autonomia de investigação, que influenciaram a formação de novas gerações. Perfil que, muito provavelmente, opõe a resistência interna à gestão atual – representada pelo perfil político -, por meio da utilização de sua “maior/melhor arma”: a capacidade investigativa e qualidade da prova. Até aqui parece-nos que a instituição vem resistindo. Seja ao manter sua expertise na manutenção da qualidade da investigação e da prova, seja por demonstrações constantes, via operações, de que a PF continua fazendo seu trabalho mesmo contra grupos ligados ao presidente da República.

Contudo, os últimos acontecimentos, em especial após as mudanças no Ministério da Justiça e Segurança Pública e a entrada do Diretor Geral, Paulo Maiurino, exigem atenção. Primeiro o DG afasta um superintendente regional que opôs resistência pública e solicitou pedido de investigação envolvendo ministro e, em seguida, propõe reestruturação interna do órgão que pode tirar a autonomia dos delegados em investigações de autoridades com foro especial.

Sabe-se das clássicas disputas entre classes na PF, principalmente entre delegados e agentes. Entretanto, delegados sempre foram ferrenhos defensores da autonomia investigativa, sua principal bandeira e forte argumento de “blindagem” institucional. Movimentos como este podem acirrar disputas internas que pareciam latentes, como uma divisão entre delegados: de um lado o perfil técnico, de outro o perfil político. As manifestações de representações de classe e reações internas merecem acompanhamento e atenção. Cabe observar e verificar se a trajetória de desenvolvimento institucional da Polícia Federal, de fato, resistirá às novas diretrizes.

 

*Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas na UFRGS. Mestre em Sociologia pela UFRGS.

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Na edição desta semana, leia também “Medidas estratégicas reduzem a letalidade da Polícia Militar de São Paulo” e “Dia internacional de Combate à Homofobia: o que celebrar?

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A regulação do mercado da maconha no Uruguai https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/12/04/a-regulacao-do-mercado-da-maconha-no-uruguai/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/12/04/a-regulacao-do-mercado-da-maconha-no-uruguai/#respond Fri, 04 Dec 2020 12:58:02 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/15987179205f4a7fe03cc7f_1598717920_3x2_rt-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1612 Três anos após sua implementação integral, o modelo de regulação uruguaio parece responder às expectativas de funcionamento. Apesar de alguns obstáculos, os usuários têm aderido ao mercado formal proposto pelo governo.

 

Laura Girardi Hypolito*

Em 2013, o Uruguai se tornou o primeiro país a aprovar um modelo de regulação do mercado da maconha em nível nacional com o controle da produção, venda e consumo reservados ao Estado. O projeto de lei surgiu a partir de uma iniciativa do Poder Executivo do país em 2012, durante o mandato do então presidente José Mujica, dentro de um contexto de expansão da agenda de direitos individuais e também de resposta ao aumento dos índices de violência e criminalidade no país.

No contexto de atuação do governo no sentido de enfrentar problemas relacionados à segurança pública, é criada a Estrategia por la Vida y la Convivencia, um pacote de quinze medidas para abordar a questão da segurança no país. Dentre estas estavam propostas como alterações sanitárias vinculadas ao atendimento de usuários de drogas, mudanças associadas aos problemas de corrupção policial e falta de transparência nas atividades da polícia, planos vinculados à diminuição da violência doméstica, propostas de fortalecimento do tecido social e medidas com a finalidade de intervir nas cidades para promover espaços de integração entre diferentes grupos sociais. E, dentre estas quinze medidas, estava a proposta de legalização regulada e controlada da maconha no Uruguai.

Assim, em 2013, a Lei 19.172 é aprovada no Uruguai e o Estado passa a assumir o controle e a regulação das atividades de importação, exportação, plantação, cultivo, colheita, produção, aquisição de qualquer forma, armazenamento, comercialização e distribuição de cannabis e seus derivados, ou cânhamo quando correspondente. Com a finalidade de supervisionar todo o processo, foi criado o Instituto de Regulación y Control del Cannabis (IRCCA).

É importante salientar que a lei de regulação da maconha configura uma exceção dentro da lei geral de drogas vigente no Uruguai. Deste modo, ainda que o país nunca tenha criminalizado o consumo e porte de nenhuma substância considerada ilícita, a nova lei estabelece um regime especificamente para permitir as atividades previstas pelo modelo regulador da cannabis.

A partir da vigência da lei, o consumo da maconha com fins recreativos é assegurado aos usuários do país mediante três modalidades de acesso previstas na lei: o cultivo doméstico, os Clubes de Membresía Cannábicos e a compra em lugares autorizados (farmácias). As autorizações são permitidas às pessoas capazes, maiores de idade, com cidadania uruguaia natural ou legal, ou aos que possuírem comprovação de residência fixa no país. Além do mais, cada consumidor só pode ter acesso legal à droga através de uma das três vias de permissão.

A legislação fixou quantidades específicas para cada um dos três casos. Em relação ao cultivo doméstico para consumo pessoal, a lei estabelece o cultivo de até 6 plantas com efeito psicoativo por residência, sendo permitida uma produção anual de no máximo 480 gramas. Aos cultivadores também é autorizada a posse de materiais que cumpram com a função do cultivo, da colheita e do armazenamento. Os Clubes de Membresía Cannábicos podem ter no mínimo 15 e no máximo 45 sócios e têm permissão para o cultivo de até 99 plantas e uma produção máxima de 480 gramas anuais por membro. Referente ao acesso por meio da compra em farmácias, os usuários podem adquirir 10 gramas semanais, ou até 40 gramas por mês.

O texto legal determina uma série de mecanismos de controle, dentre os quais são apontados como principais: venda proibida para menores de idade, sanções para aqueles que dirigirem sob os efeitos da droga, e também para os que a produzirem sem prévia autorização. Além de diretrizes adotadas para o uso, muito semelhantes com as já aplicadas para o tabaco – a conduta está sujeita às normas de consumo em espaços públicos e a publicidade é vedada.

Após cerca de sete anos desde a aprovação da lei – e três anos desde o início de sua implementação integral – ao que tudo indica o modelo uruguaio de regulação parece estar respondendo às expectativas de funcionamento. Não obstante alguns obstáculos relacionados com a institucionalidade do modelo, como a baixa adesão por parte das farmácias e a resistência anunciada por algumas instituições financeiras, os usuários têm aderido ao mercado formal proposto pelo governo.

De acordo com os dados mais recentes publicados pelo IRCCA, em outubro deste ano 42.614 pessoas já estavam registradas para compra através das farmácias e 9.106 para o cultivo doméstico. Além disso, 156 Clubes de Membresía já estavam devidamente cadastrados, somando um total de 4.939 membros. Estes números, que são muito significativos, demonstram que o modelo de regulação tem recebido aderência por parte dos usuários, de modo que mais de 60% dos consumidores uruguaios já acessam a droga pela via legal.

No campo da segurança pública, cabem algumas considerações. Ainda que existam tentativas em associar o aumento das taxas de homicídio no país no ano de 2018 com a regulação do mercado da maconha, não existem evidências que corroborem essas alegações. Um estudo publicado em dezembro de 2019, promovido pela Junta Nacional de Drogas e pelo Observatório Uruguaio de Drogas, apresentou importantes resultados sobre o impacto da Lei 19.172 e demonstrou que não existem evidências que possam associar a regulação do mercado da maconha como uma causa desse aumento.

Em contraponto, a pesquisa que monitorou a evolução da regulação a partir de seus três objetivos principais – saúde, segurança e repressão – demonstrou que a alteração na atividade policial, que passou a atuar de maneira mais repressiva em relação ao mercado ilegal, bem como o aumento das disputas internas, visto que o mercado formal da cannabis limitou as chances de crescimento do narcotráfico, podem estar relacionadas ao aumento dos indicadores de violência no mercado de drogas informal e, como consequência, nas taxas de homicídio. A pesquisa também demonstra que no período analisado também houve aumento nas taxas de consumo, expansão do mercado informal da cocaína e uma diminuição dos aprisionamentos femininos por tráfico.

Visto que se passaram apenas três anos desde a implementação integral do modelo de regulação da maconha no país, ainda não é possível afirmar resultados estruturais. Como toda política pública, o tempo é peça chave para que avaliações concretas sejam realizadas. No entanto, já é possível afirmar que desde a proposição do projeto de lei de regulação e sua posterior aprovação, os olhos do mundo se voltaram para o Uruguai, que se tornou uma das principais referências no movimento antiproibicionista global.

 

*Laura Girardi Hypolito é advogada, doutoranda em Ciências Criminais na PUCRS e pesquisadora vinculada ao GPESC.

 

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Na edição desta semana, leia também: “Narcotráfico e assassinato de mulheres” e “Morte no Carrefour e a responsabilidade penal de pessoas jurídicas”.

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Polícias Militares têm 32,5% de defasagem entre efetivos existentes e previstos; 10 poderiam reduzir postos de coronéis https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/11/10/policias-militares-tem-325-de-defasagem-entre-efetivos-existentes-e-previstos-10-poderiam-reduzir-postos-de-coroneis/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/11/10/policias-militares-tem-325-de-defasagem-entre-efetivos-existentes-e-previstos-10-poderiam-reduzir-postos-de-coroneis/#respond Sun, 10 Nov 2019 15:37:13 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/15343431065b7437c249881_1534343106_3x2_md-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1160 Mesmo com 32,5% de defasagem entre efetivos existentes e previstos nas PM do país, dados revelam que existem distorções na gestão das Polícias Militares do país que priorizam o topo da carreira das polícias em prejuízo ao trabalho na ponta da linha. Simulação do Boletim Fonte Segura (clique aqui), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sugere que ao menos 10 Unidades da Federação poderiam reduzir o número de postos de coronéis PM hoje preenchidos. Apenas a PM de São Paulo mostrou-se alinhada ao modelo de gestão que equilibra alocação entre oficiais e praças.

 

O Brasil está diante de uma série de desafios macroeconômicos, sociais e de propostas de reforma da sua máquina pública. Falar de reformas modernizantes é um dos mantras atuais, independente do sentido que se queira dar à modernização pretendida e/ou do espectro ideológico dos diferentes atores e instituições postas no debate público. Porém, na segurança pública, essa discussão é quase sempre interditada e carente de dados que ajudem a traçar cenários e avaliar custos e benefícios.

Prova disso é que quase toda a legislação e as normas que organizam o funcionamento das instituições de segurança pública no país são anteriores à Constituição de 1988, que até hoje não foi devidamente regulamentada. Como já extensamente explorado, a Lei que criou a figura do Inquérito Policial (com mudança em 2013 que foca nas prerrogativas dos delegados de polícia e não no fluxo de trabalho), que é a forma de traduzir um fato social em um procedimento formal de investigação e tratamento judicial, é de 1871; o Código Penal é de 1940 (reformado em sua parte geral em 1984); O Código de Processo Penal é de 1941; a Lei de Execução Penal é de 1984; e, por fim, a  norma que organiza as Polícias Militares, conhecida como R200, é de 1983 (uma nova versão está sendo negociada entre um grupo de Oficiais e o Governo Bolsonaro).

Esses são apenas alguns exemplos da dissonância entre teoria e prática que sobrecarregam a atividade policial e que tornam o cotidiano dessas corporações bastante complexo e dotado de uma baixa capacidade de governança, coordenação e supervisão. Não à toa, as propostas legislativas em curso (pacote dos ministros Sergio Moro e Alexandre de Moraes, entre outros) evitam tocar nos aspectos administrativos da área e optam por caminhar na chave das respostas penais e processuais penais. Pouco se fala de carreiras, mecanismos de supervisão e custo-efetividade de padrões de policiamento e/ou condições de trabalho para os cerca de 600 mil policiais brasileiros.

Em um quadro que tem que lidar com quase 160 milhões de atendimentos das polícias militares todos os anos, cada corporação, de acordo com a sua cultura organizacional e/ou condições fiscais e políticas da Unidade da Federação ao qual está subordinada, decide qual o melhor modelo de gestão e administração de modo bastante autônomo; elas são, em várias UFs, as responsáveis pela gestão de suas próprias folhas de pagamento, atribuição que mesmo as Polícias Civis não têm.

A autonomia das Polícias Militares em si não é ruim. O problema é que, da forma como a arquitetura institucional da segurança pública do Brasil está desenhada, essa autonomia pode ser excessiva se mecanismos de controle e supervisão não forem efetivos e independentes. A boa teoria de Estado demonstra que accountability (transparência e prestação de contas) é a melhor forma de se evitar o Leviatã, ainda mais no seu braço armado e militarizado.

Seguindo essa premissa, o Faces da Violência publica dados do Fonte Segura, que obteve junto à Inspetoria Geral das Polícias Militares do Exército Brasileiro (IGPM/EB), via Lei de Acesso à Informação, vários dados de 2018 que, a partir dessa edição especial, começa a analisar.

Se é importante destacar que os dados da IGPM/EB são os únicos atualizados (O Ministério da Justiça e Segurança Pública não divulga sua pesquisa “Perfil das Instituições de Segurança Pública” desde 2017), também é importante ressaltar que eles apresentam problemas que deveriam ser objeto de revisão. Os dados da IGPM/EB indicam, por exemplo, uma previsão legal de 15 coronéis PM (topo da carreira nas PM) no Rio Grande do Norte. Porém, uma pesquisa na legislação estadual mostra que a previsão correta é de 21 coronéis PM. Já no Ceará ocorre situação inversa, ou seja, há a previsão legal de 25 coronéis PM e a IGPM indica uma previsão de 27 cargos desta natureza.

Seja como for, considerando que se trata de uma fonte oficial, os números fornecidos foram analisados e um primeiro e exploratório estudo foi produzido. Nele, diante da multiplicidade de arranjos organizacionais, os dados brutos são apresentados e as análises não partiram de nenhum cenário ideal, mas da média da própria realidade nacional. Assim, os resultados revelaram distorções mas também demonstraram que nos falta estudos de impacto mais detalhados sobre qual modelo de polícia militarizada é mais aderente aos requisitos e funções fixadas pela Constituição.

Essa é uma discussão em aberto. As Polícias como um todo e as militares em particular detêm mais poder coercitivo do que as Forças Armadas, pois só as primeiras são autorizadas a agirem na manutenção da ordem de plano e sem convocação de um dos Poderes da República em território nacional. E é por isso que é tão importante olharmos para as suas opções político-institucionais e para a forma como estão organizadas.

De acordo com dados obtidos junto à Inspetoria Geral das Polícias Militares, órgão do Exército Brasileiro, as PM do país contavam, em 2018, com um efetivo total de 417.451 pessoas. Se considerarmos os efetivos fixados pelas diferentes leis estaduais, essa quantidade de policiais militares representa um déficit de 32,5% em relação aos 618.556 policiais previstos pelas Leis (figura 1)

O gráfico 1 revela também que, se desagregarmos o efetivo por carreiras e patentes, vamos verificar que o déficit de 32,5% é médio, pois entre os praças (cabos e soldados), o déficit é maior ainda, da ordem de 38,1%. Entre os oficiais, o déficit seria de 27,8% e, entre os suboficiais (subtenentes e sargentos), de 17,9%. Porém, esses valores são apenas parte da questão, exigindo que sejam considerados aspectos subnacionais e se discuta os critérios adotados para a fixação dos efetivos pelas referidas leis.

Segundo o gráfico 2, todavia, não bastassem essas distorções entre os postos intermediários de supervisão policiais, quando observamos os dados referentes ao posto de Coronel PM, topo da carreira de oficiais PM, iremos notar que várias Unidades da Federação estão privilegiando o topo da carreira, com casos em que a quantidade existente é superior até mesmo ao limite legal.

Esse não é um padrão para todos os postos de oficiais, mas bastante realçado entre os Coroneis PM. 14 Unidades da Federação possuem, segundo os dados da IGPM/EB, mais coroneis PM ativos do que o limite fixado pelas legislações locais. São elas: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe.

Entretanto, proporcionalmente, 4 UF chamam bastante atenção. Rio de Janeiro tem o maior número absoluto de coronéis na ativa do Brasil (104) e 33% mais postos ocupados do que os previstos na legislação. Amazonas e Rio Grande do Norte têm 50% mais coronéis ativos do que o limite previsto (Os dados do RN fornecidos pela IGPM são diferentes daquele da legislação loca, que prevê 21 coronéis PM, ou seja, se este número fosse o adotado, o estado teria 42,7% mais postos ativos de coronéis do que o previsto e não 50%). Pará tem um percentual ainda maior de coronéis da ativa, com 75,7%. Mas é Rondônia que supera todas as UF e, proporcionalmente, tem 77,8% mais postos ativos do que previstos.

Várias são as explicações para este fenômeno, mas, objetivamente, o que eles representam na gestão das PM hoje no país não é consenso. Há distorções que priorizam o topo da hierarquia policial militar que precisariam ser mais bem avaliadas e novos modelos de gestão adotados.

Isso porque, nesse momento, não apenas o R200 está sendo rediscutido. O Congresso está discutindo a adoção do termo circunstanciado pelas PM, carreira única, ciclo completo e outras soluções para modernizar as polícias no país. Mas, se não considerarmos as estruturas vigentes, dificilmente avançaremos. Há uma concentração de poder real que deve ser refletida, até para a formulação de novos planos de cargos e salários e programas de valorização profissional.

Na prática, com o modelo vigente, mudanças que não foquem em mecanismos de coordenação e governança e em critérios objetivos de controle externo, monitoramento e avaliação só concentrarão poder nas mãos de um pequeno número de profissionais, com quase ou nenhuma contrapartida na qualidade do serviço prestado à população, já que as UF com as estruturas mais verticalizadas não necessariamente são as com menores índices de criminalidade.

Em outras palavras, reformas substantivas virão quando mecanismos de supervisão, controle e transparência estiverem valorizados e implementados, com o uso de novas tecnologias e com a participação da sociedade e de outros Órgãos de Estado.

Veja a íntegra do estudo em https://fontesegura.org.br/news/

 

 

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