Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O mercado da Segurança Privada no Brasil https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/07/28/o-mercado-da-seguranca-privada-no-brasil/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/07/28/o-mercado-da-seguranca-privada-no-brasil/#respond Wed, 28 Jul 2021 22:43:53 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/Imagem-Amanda-320x213.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1821 Susana Durão*

Como se caracteriza o setor da segurança privada no Brasil? Qual a evolução em número de empresas e de vigilantes nos últimos anos? Em que regiões há mais segurança privada? Qual o perfil socio-profissional dos vigilantes? Aqui pode ler a resposta a estas e outras perguntas, a partir da análise dos dados publicados no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em julho de 2021. Não podemos ser indiferentes a esta área de atuação. A segurança privada é uma atividade expressiva no país, visível nos espaços urbanos, presente nos mais diversos ambientes industriais, comerciais e residenciais. Para se ter apenas uma ideia da sua importância, em 2020 o setor teve um faturamento estimado de R$ 35,7 bilhões.

Volume de empresas e mercado

Hoje o mercado de segurança privada no Brasil, regulado e fiscalizado pela Polícia Federal, é constituído por 2.471 empresas especializadas — que prestam serviços de vigilância mediante contratação — e 1.154 orgânicas, empresas que contratam diretamente os vigilantes.

A quantidade de vigilantes com vínculos ativos aponta um volume de 502.318 trabalhando em empresas especializada e 23.790 em empresas orgânicas. Se compararmos o número de empresas com o número de vigilantes ao serviço, verificamos que, apesar da extrema variação e pluralidade interna, as empresas especializadas são maiores e contratam mais e as orgânicas são mais pequenas e restritas. Se uma empresa especializada pode ter em média 203 vigilantes, uma orgânica não terá mais de 20.

A vigilância patrimonial constitui o grande volume de atividade da segurança privada no Brasil. Mais de 50% nas empresas especializadas e 99,1% nas empresas orgânicas operam exclusivamente na proteção patrimonial. No caso das empresas especializadas, o restante do mercado se distribui por estabelecimentos que, além de vigilância patrimonial, têm autorização para exercer a atividade de escolta armada, segurança pessoal e transporte de valores. Um outro setor também presente são as empresas de formação.

Mercado de trabalho na vigilância e regiões

A evolução estatística ao longo dos últimos anos aponta uma queda do número de vigilantes contratados. Em 2015 eram 631.028 e em 2021 são 526.108. A queda de mais de 100,000 nesse período é em geral atribuída à crise econômica no país, especialmente aguda em 2020, com encolhimento de -4,5% do PIB em todo o setor de serviços. Mas pode também significar uma reorganização interna da segurança privada e avanço de novas soluções de segurança eletrônica no Brasil.

Só entre 2020 e 2021, também devido à pandemia, houve uma redução de 7.239 vagas para vigilantes. Estima-se que em 2021 apenas 50% dos vigilantes aptos a trabalhar estão atualmente empregados. Ou seja, embora exista mais de um milhão com a carteira nacional de vigilante, o curso de vigilante de 200 horas ou as reciclagens obrigatórias realizadas, metade não tem oportunidade de emprego no setor.

Onde a segurança privada está mais presente no Brasil? Indiscutivelmente, na região Sudeste, com quase metade do efetivo total (48,7%), sendo a segunda maior região o Nordeste (19,8%). Noutras regiões a segurança privada é menos expressiva, como no Sul (14,9%) e Centro-Oeste (9,9%), ou mesmo residual, como no Norte (6,7%). Tudo indica que nas regiões onde existem mais armas nas mãos dos cidadãos, a segurança privada formal é mais incipiente.

É de assinalar que São Paulo representa 36,3% do total do setor. Neste estado se concentra grande volume do mercado de emprego da segurança privada. Este e outros mercados de serviços ajudam a estimular o afluxo tradicional de cidadãos de outros estados à capital paulista em busca de emprego.

Perfil socio-profissional dos vigilantes

A vigilância é um mercado de emprego ainda de reserva masculina. Mesmo se a maior parte da vigilância é de âmbito patrimonial, com menor potencial para uso da força, no setor há uma sobre-representação de homens (91%) e um percentual baixo de mulheres (9%).

A população de vigilantes está distribuída nas várias faixas etárias ativas, mas com incidência entre os 30 e 49 anos (representando 69% do total). Isto aponta um mercado não juvenil e a hipótese de que o emprego na atividade se dê mais por necessidade e esgotamento de outras possibilidades de trabalho do que por opção vocacional. O percentual de vigilantes por faixa etária no primeiro emprego acompanha de perto essa mesma tendência.

É notório que a maioria dos vigilantes tenha o ensino médio completo (73%), qualificação muito superior ao mínimo exigido pela Lei 7.102/1983, que é a 4ª série do ensino fundamental.

Uso potencial da força

É de notar que as empresas de segurança privada no Brasil trabalham preferencialmente com armamento letal e menos com armamento não letal. Para dar um exemplo, no ano de 2020, na Região Sudeste, as empresas adquiram 4.438 armas letais para 563 não letais.

Se compararmos, grosso modo, a distribuição das armas de fogo no Brasil em números absolutos, verificamos que o total de armas nas mãos das polícias militares (quase 511 mil armas) já foi ultrapassado pelo número de armas nas mãos dos cidadãos (quase 527 mil). A segurança privada tem registradas quase 260 mil armas. Em vários estados da federação, o registro de armas de fogo de empresas da segurança privada é muito inferior ao dos cidadãos. Isto permite entender que a distribuição potencial de uso da força armada pela sociedade é maior do que nos setores formalmente delegados ou controlados pelo Estado. O quase “exército privado” entre os cidadãos é um dos fatores que ajuda a entender a profusa informalidade dos mercados de proteção privada e os impasses da regulação e fiscalização do uso da força no Brasil.

A sombra da clandestinidade

Desde os anos 90, a segurança patrimonial privada cresceu galopantemente e é parte da malha que compõe a segurança urbana, facilitando e complementando o trabalho dos operadores da segurança pública. Nas últimas décadas, formas de proteção patrimonial redefiniram estilos de vida. A oferta de serviços e possibilidades de contratação direta cresceu de tal modo que a segurança se tornou uma quase mercadoria. Todavia, sem se substituir a outras formas de proteção, variadas, ilícitas e sem fiscalização, o setor de segurança privada no Brasil enfrenta diariamente a sombra competitiva da clandestinidade. Como evidencia o Anuário, hoje podemos ter dados robustos para analisar o setor formal. Mas continuamos reféns do desconhecimento acerca do que se passa do lado das proteções privadas desreguladas. Sem reformas profundas, esse estado de coisas permanecerá assim por muito tempo.

 

*Professora de Antropologia na UNICAMP e Coordenadora Executiva da Secretaria de Vivência nos Campi

]]>
0
Governo reduz gastos com FUNAI e Fundo Antidrogas; despesas com a PF estagnam https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/12/governo-reduz-gastos-com-funai-e-fundo-antidrogas-despesas-com-a-pf-estagnam/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/01/12/governo-reduz-gastos-com-funai-e-fundo-antidrogas-despesas-com-a-pf-estagnam/#respond Sun, 12 Jan 2020 18:30:58 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/EF9OX8JXYAMuk1D-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1260 Dados do Portal da Transparência sobre Execução Orçamentária da União, em 2019, corrigidos pelo IPCA, que foi divulgado semana passada pelo IBGE e que mediu em 4,31% a inflação oficial do país no ano passado, revelam que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública reduziu em 24,9% os gastos com a FUNAI e em 95,7% a execução do Fundo Nacional Antidrogas.

No caso da FUNAI, esses números são preocupantes, pois eles vêm se somar àqueles publicados aqui no Faces da Violência na semana passada e que mostram uma redução no número de operações da Força Nacional de Segurança Pública em áreas indígenas e de proteção ambiental. Há uma premissa de afastamento da agenda indígena por parte do governo federal que desconsidera o barril de pólvora e conflitualidade existente nessas localidades.

Em economia é comum falarmos de indicadores antecedentes, cujo monitoramento prévio permite prever o que deve ocorrer em um período subsequente. Em segurança não é muito diferente. Os sinais emitidos pelo governo com a redução dos gastos com a FUNAI e com operações da Força Nacional podem ser tomados como indicadores antecedentes do aumento do risco de novos conflitos, mortes e recrudescimento da violência em área de disputa de terras. O custo da postura política do governo Bolsonaro em relação aos índios será alto e cobrado em mais vidas perdidas.

No caso do Fundo Nacional Antidrogas, esse número encontrado no Portal da Transparência surpreende. Se a FUNAI está no centro do discurso ideológico do governo por representar algo que é visto como negativo para um visão de mundo obscurantista, a questão da droga também faz parte desse universo, mas com sentido inverso. Era de se esperar maior prioridade à execução do Fundo que financia ações de combate às drogas. Mas os dados revelam que não.

No primeiro semestre do ano passado o Fundo passou por mudanças legais e, entre os objetivos visados pelo MJSP, estava inclusive acelerar a venda de bens apreendidos para aumentar a arrecadação e a transferência direta para estados e outras instituições. Porém, se houve gastos, eles não foram contabilizados nesta rubrica, pois ela foi quase que zerada. E é interessante notar que, no último dia 10, o Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Augusto Heleno, explorou exatamente este tema e pediu um exame de sanidade mental ao Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ), por este último defender a descriminalização de pequenas quantidades de drogas.

Mais do que nunca, precisamos saber qual o custo da droga e da proibição, seja em termos monetários, seja em termos de impactos na sociedade brasileira como um todo.

Ainda no terreno das prioridades que ficaram “peladas com a mão no bolso”, ou seja, ficaram sem dinheiro novo e para parafrasear um vocalista de banda pop dos anos 1980 apoiador de Bolsonaro, também chama a atenção que, ao atualizar os valores pela inflação, os gastos do Ministério da Justiça e Segurança Pública com a Polícia Federal e com a Polícia Rodoviária Federal tiveram uma pequena oscilação negativa e caíram 0,33% e 0,57%, respectivamente, em relação a 2018. Ou seja, não houve novos investimentos financeiros na Polícia Federal e na PRF no ano passado e as operações realizadas precisaram ser realizadas com a reorganização dos recursos existentes.

As operações de combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e de enfrentamento ao crime organizado foram realizadas com o mesmo volume de recursos do último ano do Governo Temer. Seria importante sabermos quais foram os ganhos de eficiência que foram alcançados em 2019 e que estão associados à redução dos índices de criminalidade observados no país todo.

As áreas com crescimento de gastos são áreas ligadas à agenda econômica, como CADE e Secretaria de Defesa do Consumidor. E, em uma informação interessante, em áreas com vínculos diretos ao Gabinete, como o DRCI (Departamento de Recuperação e Cooperação Internacional). O Ministro da Justiça e Segurança Pública conduz uma política interna bastante centralizadora na execução financeira.

Por fim, há crescimento de 129,5% nas despesas com o DEPEN, com transferências e com a Força Tarefa de Intervenção, e de 32,9%, no Fundo Nacional de Segurança, Mas, neste último caso, em proporções insuficientes para atender às demandas dos estados e cumprir a legislação do SUSP que determina que os recursos oriundos de loterias deveriam ser transferidos, sem bloqueios ou contingenciamentos, para as Unidades da Federação. Na média geral, o Governo Bolsonaro gastou 5,8% a mais, em valores corrigidos, do que em 2018.

Diante de tais dados, não existe nenhuma ação, de caráter nacional e em volume suficiente, que justifique o que estamos presenciando em termos de redução de homicídios e roubos. Isso não quer dizer que ações não existam, mas que, para além dos discursos, os desafios são imensos e as questões estruturais continuam presentes.

 

]]>
0
Pacote de Sergio Moro pode gerar um custo adicional com presos de R$ 44,4 bilhões anuais https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/06/pacote-de-sergio-moro-pode-gerar-um-custo-adicional-com-presos-de-r-444-bilhoes-anuais/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/06/pacote-de-sergio-moro-pode-gerar-um-custo-adicional-com-presos-de-r-444-bilhoes-anuais/#respond Sat, 06 Apr 2019 23:12:23 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/presos-de-faccoes-rivais-entram-em-confronto-no-patio-da-penitenciaria-de-alcacuz-no-rio-grande-do-norte-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=744 Informação e conhecimento são insumos fundamentais para que o poder público possa exercer suas “capacidades estatais”, entre elas estão a capacidade política, a capacidade relacional, burocrática, coercitiva, fiscal e regulatória. Em contextos democráticos, a ideia de accountability, que se traduz na possibilidade de controle, participação e transparência é que estrutura o desenho e a implementação de políticas públicas. Sem informações de qualidade é quase impossível planejar ações eficientes e que não só economizem recursos públicos escassos mas valorize a vida, a cidadania e a prevenção da violência.

E é por isso que tenho chamado a atenção para a fragilidade das evidências contidas nas propostas do pacote de medidas legislativas do Ministro Sergio Moro. Por mais experientes que sejamos, só o planejamento detalhado, com estudos de impacto e custos, fará a diferença entre um projeto “dar certo” e atingir seus objetivos ou cair na vala comum de ações bem-intencionadas porém pouco efetivas.

Por esse raciocínio, vale destacar que quase todas as operações de empréstimos internacionais em curso na área da segurança pública, que têm como parceiros os bancos e organismos multilaterais, como BID, Banco Mundial, CAF, OCDE, entre outras agências, utilizam técnicas econométricas de estimação de custo-benefício para analisar se um projeto deve ou não ser apoiado. As regras de boa governança do sistema financeiro não aceitam que sejam feitos empréstimos ou investimentos sem se estimar se o projeto pretendido terá um retorno econômico ou social maior do que se irá gastar.

E, entre as referências utilizadas por estes estudos, existem dois estudos feitos em 1994 e 1998 por Peter Greenwood e coautores, quando os EUA estavam planejando endurecer suas leis penais para reincidentes, naquilo que ficou conhecido como leis “Three Strikes and You’re Out (três faltas e você está fora)”, que tiveram esta expressão inspirada do beisebol, em que um batedor contra o qual três faltas são registradas é eliminado.

Os estudos visaram a analise do impacto de tais leis na justiça criminal para adultos e na justiça juvenil, para adolescentes, bem como no sistema prisional. Elas aumentaram significativamente as sentenças de prisão de pessoas condenadas por um crime que foi anteriormente condenado por dois ou mais crimes violentos ou crimes graves, e limita a capacidade desses infratores para receber uma punição que não seja uma sentença de prisão perpétua.

A partir desses estudos, cientificamente validados, as avaliações de impacto passaram a contar com uma baliza de cálculo que pode ser usada para diferentes contextos e países, incluindo o Brasil, que ainda não tem o hábito de monitorar e avaliar políticas públicas de segurança com rigor metodológico e científico. Existem avaliações, mas pontuais e dependentes do tomador de decisão na ponta de cada projeto.

Mas, diante deste fato, sempre ficava as questões sobre o por quê deveríamos usar os parâmetros estabelecidos para a Califórnia em 1994 para o Brasil e/ou se existem variações entre os diferentes contextos culturais?

Para responder estas perguntas, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, fez um pesquisa piloto até agora inédita em um presídio no Ceará, em 2017, que teve como objetivo realizar uma exploração do campo, visando caracterizar o perfil criminal. Mesmo com todas as limitações metodológicas, que não permitem uma generalização completa, os resultados nos mostram algumas pontos que chamam atenção e que servem para o debate atual. Eles servem para estimular que o Congresso encomende estudos ao TCU e/ou institutos independentes antes de votar as medidas.

Enquanto nos EUA, as carreiras no crime tinham, em média, 9,29 anos entre o primeiro crime e a última prisão, no Brasil este número cai para 8,01. Significa dizer que, no nosso caso, os delinquentes estão sendo presos antes, talvez como resultado das prisões provisórias que atingem quase 35% no país e superam os 50% em várias Unidades da Federação – as altas taxas de mortes violentas intencionais e a média de esclarecimentos de crimes seriam outras explicações.

Já nos EUA, cada criminoso havia cometido 49,64 crimes sérios violentos em sua carreira na delinquência (jovem e adulta). No Brasil, a pesquisa piloto indica que seriam 15,59 os crimes sérios cometidos ao longo dos 8,01 anos de carreira. Ou seja, em média, os criminosos reincidentes brasileiros cometeriam o equivalente a 31% dos crimes cometidos pelos seus pares dos EUA.

Na medida em que o pacote do ministro Sergio Moro prevê, exatamente, replicar o endurecimento penal da legislação dos EUA, vale olhar para a experiência norte-americana e o número de presos nos dois países e usá-los para uma primeira aproximação sobre os impactos econômicos envolvidos.

Por este raciocínio, temos que primeiro olhar o tamanho das duas populações prisionais. Nos EUA, são cerca de 2,3 milhões. No Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça, temos cerca de 760 mil presos. Dito de outra forma, temos, em números absolutos, cerca de 1/3 da população prisional dos Estados Unidos.

Assim, caso adotássemos o mesmo princípio da legislação Three Strikes and You’re Out e considerando que aqui os reincidentes criminais são presos antes, é possível supor que no médio prazo atingiríamos e, mesmo, superaríamos os patamares de presos dos EUA.

Essa é uma decisão que o Congresso terá que tomar. Mas, ao mesmo tempo, é válido considerar que o Brasil gasta cerca de R$ 2,4 mil mensais com cada preso. Se a ideia é seguir os EUA, o país teria de gastar R$ 3,7 bilhões de reais a mais todos os meses para manter uma população prisional similar à norte-americana já que a proposta é adotar uma legislação similar.

Como resultado, ao final de cada ano, se a legislação proposta gerar um número de presos equivalente ao dos EUA, o Brasil terá que gastar R$ 44,4 bilhões de reais a mais apenas para manter sua população prisional – nesse valor não são considerados os investimentos na construção das novas unidades que seriam necessárias para acomodar tal aumento da população penitenciária nacional.

E, como o pacote não fala nada de governança do sistema prisional ou de alternativas penais, bem como não toca na legislação que permite que muitos fiquem presos por crimes que poderiam ser sancionados com outras punições (drogas, etc), não é possível deduzir recursos que seriam economizados com medidas de modernização da gestão penitenciária e/ou da priorização da prisão de criminosos violentos.

Seja como for, temos esse dinheiro, ainda mais em um cenário de constrangimento fiscal? Queremos gasta-lo desta forma? Teremos que tirar dinheiro das polícias, da saúde ou da educação? Independentemente das respostas a essas questões, já que o modelo que está servindo de exemplo é o dos EUA, seria fundamental repetirmos o cuidado que eles tomaram ao encomendar estudos de impacto e custos antes de aprovar a leis.

Por certo que as estimativas aqui são aproximadas e precisariam ser validadas por estudos tecnicamente robustos. Porém, meu objetivo foi o de mostrar a importância de não pensarmos políticas públicas de forma estanque e sob o prisma ideológico. Aproveitando que o Ministro Sergio Moro publicou em sua conta no Twitter que a “transparência é a nossa regra, sigilo é exceção”, vale aprofundar a análise dos impactos e construirmos, juntos, um país mais seguro e cidadão.

Atualização 07/04/2019:

Após a publicação do texto original, recebi a informação de que, se compararmos com a proposta de reforma da previdência enviada ao Congresso pelo Ministro Paulo Guedes, o gasto estimado com base na população prisional dos EUA feito acima representa quase 42% da economia que seria gerada em 10 anos com a aprovação da reforma da previdência. Segundo previsão do Ministério da Economia, a estimativa de economia de recursos após 10 anos de aprovação da Reforma seria de R$ 1,072 trilhão. Se, em 10 anos, o gasto com prisões atingir R$ 444,4 bilhões, 41,45% da economia gerada com as novas regras aposentadorias seria utilizada na manutenção do sistema prisional.

E, para concluir, se o impacto da legislação seguir o padrão de crescimento carcerário dos EUA, cujas leis inspiram o projeto do Governo, ainda teríamos que encontrar recursos para construir 1.026 novas unidades prisionais, com 1.500 vagas cada uma, sem contar o déficit de vagas atual. Se o custo aproximado de cada prisão é de R$ 36 milhões, teríamos que encontrar ao menos outros R$ 36,9 bilhões para a construção dessas unidades. No total, o Brasil precisaria investir R$ 481,3 bilhões no seu sistema carcerário em 10 anos caso as projeções aqui contidas sejam confirmadas (não temos dados desagregados para estimar com exatidão o prazo em que e se chegaríamos nesta quantia, mas diante da crise fiscal, é improvável que tenhamos esses recursos e o quadro de superpopulação carcerária tende a se agravar).

PS: Prova de que estudos de impacto são regra em países mais desenvolvidos, o Parlamento Inglês encomenda projeções da população prisional para anos futuros. Esse modelo poderia ser utilizado aqui no Brasil.

]]>
0
Projetos de reforma da previdência e combate ao crime ignoram carreiras policiais https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/03/30/projetos-de-reforma-da-previdencia-e-combate-ao-crime-ignoram-carreiras-policiais/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/03/30/projetos-de-reforma-da-previdencia-e-combate-ao-crime-ignoram-carreiras-policiais/#respond Sat, 30 Mar 2019 16:34:39 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/Moro-e-Guedes-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=723 As propostas de reforma da Previdência e do sistema de proteção social dos militares, bem como o pacote do Ministro Sergio Moro, ignoram que a implementação das medidas sugeridas irá reforçar uma série de distorções nas carreiras policiais do país. Ao invés de garantir direitos e condições dignas de trabalho de uma categoria que acreditou no projeto político do Presidente Jair Bolsonaro, elas vão, se aprovadas do jeito que estão, reforçar os antagonismos que já em muito dificultam a gestão e a governança de um sistema caótico e sedento por efetivas transformações.

Para começar, vale visualizar o quadro comparativo elaborado pela Ordem dos Policiais do Brasil – OPB, entidade que reúne vários desses profissionais em torno de agendas de interesse das diferentes carreiras que integram as polícias brasileiras.

Sem entrar no mérito de qual das alternativas é mais justa para com os policiais e para a situação fiscal do país, o quadro mostra que, ao contrário dos militares, os policiais civis, federais e rodoviários federais perderão a integralidade e paridade e a pensão integral e vitalícia. Isso significa que as pensões a serem recebidas pelos familiares de policiais mortos em serviço serão sempre uma fração do salário do policial e, na maior parte, temporária. A depender do caso, cônjuge pode receber pensão com redução de até 80% do salário do policial e durante apenas 4 meses. Já militares mortos durante a folga ou em serviço terão direito que seus familiares recebam pensão integral e vitalícia.

Ainda segundo a OPB, policiais não possuem regras de transição na idade mínima, além de terem alíquotas que podem chegar a 22% do salário. Como exemplo, um policial com 50 anos de idade, que à época da promulgação da reforma ainda teria, de acordo com as regras atuais, um mês para se aposentar, terá que trabalhar 5 anos a mais, até atingir a nova idade mínima, diante da ausência da regra de transição. No outro extremo, militares com 50 anos de idade e que, à época da promulgação, faltaria um mês para se aposentar com as regras atuais terá que trabalhar 5 dias a mais.

Não bastassem essas distorções, o Governo Federal não dá a devida prioridade para a reversão do processo de sucateamento da Polícia Federal (não distinto do que ocorre nas Polícias Civis estaduais). Consulta ao Portal da Transparência, indica que a Polícia Federal conta, em 2019, com um efetivo fixado de 14.686 pessoas, sendo 13.161 cargos efetivos. Segundo a Associação Nacional de Delegados Federais, somente 10.875 desses cargos estão ocupados, projetando um déficit de 3.811 vagas. Além disso, há hoje 1.115 policiais aprovados em concursos aguardando convocação, número insuficiente para substituir os 1.257 federais que já podem se aposentar a qualquer momento.

Sem pensarmos em novos fluxos de processamento de casos/crimes, que permitam a priorização formal e legal para investigação de crimes violentos e/ou graves, não há como superarmos os gargalos da área. Nos projetos, nada foi falado sobre nova governança, em que tecnologia, informação, transparência, participação, financiamento, controle e valorização profissional sejam vetores de mudanças. Focou-se apenas nos aspectos penais, como se eles fossem a única coisa que importa.

Ademais, nota-se que não há coordenação entre os projetos de reforma da previdência e o pacote do ministro Sergio Moro. São dois universos que surgem como separados, mas que, para serem convertidos em políticas públicas mais eficientes e efetivas, precisariam dialogar.

Se assim fosse feito, veríamos que os ajustes processuais do pacote de medidas legislativas do Ministério da Justiça e Segurança Pública poderiam ser mais focalizados e voltados à governança do sistema, otimizando e valorizando os recursos humanos existentes. Afinal, ainda segundo o Portal da Transparência, 32,1% da execução financeira da Polícia Federal, em 2019, é com previdência social, mostrando os limites de políticas exclusivamente pautadas em pessoal.

De igual modo, em várias policiais, temos uma quantidade enorme de carreiras (a polícia Civil de São Paulo, por exemplo, tem 14 carreiras). Se o Governo Bolsonaro foi sensível à demanda das FFAA e propôs uma reestruturação da carreira militar, por que não é possível propor o mesmo para os policiais, que parecem que só são lembrados na hora das eleições e dos discursos fáceis e ideológicos de guerra?

Temos espaço para carreira única em cada corporação? Ou temos espaço para ao menos unificar as carreiras de agentes, investigadores e escrivães de polícia, por exemplo? Medidas administrativas precisam ser postas em prática em associação às questões penais e processuais penais.

O Congresso daria uma enorme contribuição se, aproveitando o momento de consenso em torno da urgência das medidas para a previdência e para a segurança pública, unisse todas estas frentes em uma proposta aglutinativa de reforma do modelo de segurança pública e justiça criminal do Brasil. Não podemos mais ficar fazendo remendos pontuais ou prometendo remédios milagrosos.

]]>
0
Quanto vale uma vida? https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/06/12/quanto-vale-uma-vida/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/06/12/quanto-vale-uma-vida/#respond Tue, 12 Jun 2018 22:34:58 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/15206482825aa3405a6da33_1520648282_3x2_xs-150x150.jpg http://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=49 A Lei que cria o Sistema Único de Segurança Pública – SUSP e a Medida Provisória que destina recursos das loterias para a área foram assinadas ontem, 11/06. E outra MP, a que cria o Ministério da Segurança Pública, está pronta para ser votada pelo Congresso.

Porém, um conjunto de reações de segmentos afetados pelas medidas começa a tomar forma, com ênfase na crítica de esportistas e associações à redistribuição de dinheiro que antes era, em tese (pois sujeito ao contingenciamento para efeitos de controle do déficit fiscal), para a área do Esportes.

Já os servidores do Ipea, na mesma direção, estão se mobilizando para retirar da MP que cria o Ministério a emenda que inclui a criação do INESP (Instituto Nacional de Segurança Pública), pois este estaria sendo proposto por desmembramento do Ipea (utilização de cargos vagos, sobretudo). Mas, segundo os servidores do Ipea, a redação da emenda é ampla demais e coloca em risco a instituição, que desde o final da década de 1960 produz estudos de alto impacto para o país.

Quase não há margem de ação e, qualquer que seja a solução, vale destacar que estas reações são legítimas e que merecem todo o nosso respeito. Todavia, no cenário de modernização da segurança pública novos recursos e estruturas são imprescindíveis e, de alguma forma, teremos que priorizar recursos para a segurança. Não para o atual modelo, ineficaz, caro e injusto. Mas para um projeto de mudança pautado por governança democrática, evidências do que dá ou não certo e indicadores robustos e transparentes.

Quanto vale reduzirmos a violência letal no Brasil? Teremos coragem política de priorizar a redução da violência e optar, mesmo que com pesar por eventuais ajustes em outras áreas (sem comprometer centros de excelência, como o Ipea, por exemplo), por uma nova e mais efetiva política de segurança pública?

***

Sobre esse dilema, reproduzo abaixo análise que fiz para o Caderno Cotidiano, da Folha de S.Paulo, sobre o estudo que estima os custos econômicos da criminalidade, que a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República divulgou

Em um ambiente de forte constrangimento fiscal, o relatório sobre os custos econômicos da criminalidade no Brasil, elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e publicado com exclusividade pela Folha, traz à tona o fato de que qualquer nação que se pretenda desenvolvida precisa ter claro que equilíbrio fiscal e políticas públicas baseadas em evidências são pautas que superam preferências político-partidárias e/ou espectros ideológicos.

Afinal, não se constrói uma nação com populismos inconsequentes, sejam eles de direita, de centro ou de esquerda. A efetividade das políticas públicas e a qualidade do gasto devem ser mantras de qualquer gestor público.

Entretanto, é sempre saudável destacar que as opções para garantir tais mantras são, em uma democracia, políticas. Não podemos cair na tentação tecnocrata de vincular prioridades político-institucionais com julgamentos pré-concebidos do que é um bom ou um mau projeto; do que é a priori um bom ou mau gasto.

Políticas e programas exitosos em um país não necessariamente funcionarão na mesma intensidade em outro e, por isso, estatísticas públicas e sistemas de monitoramento e avaliação transparentes são tão importantes. Sem informações de qualidade e estudos de custo/benefício de cada intervenção, cada um terá um dado para chamar de seu.

E é neste ponto que o estudo patina. Ele faz uma metanálise detalhada de variáveis consideradas relevantes para a estimação do impacto do crime na economia. Porém, ao querer justificar a decisão política de limitação de gastos com segurança pública no levantamento exaustivo dos “custos”, o relatório desconsidera impactos sociais e particularidades que mereceriam ter sido realçadas.

Por exemplo, segurança privada é vista como um gasto ruim, já que associado a baixa eficiência das políticas públicas. Todavia, se pensarmos em um modelo de governança da área menos estatista, a segurança privada é um setor econômico que gera milhares de empregos e é indutor de novas tecnologias. Seu problema não seria o custo, mas o seu modelo de regulação.

Além disso, em termos econômicos, temos que lembrar que a modernização de um sistema de segurança disfuncional e desarticulado como o nosso exigirá investimentos muito superiores ao patamar de equilíbrio de longo prazo, já que medidas urgentes de redesenho do arranjo federativo e republicano da segurança pública terão que ser desenhadas em paralelo ao sistema atualmente em funcionamento.

Em suma, não há mágica a ser feita. É louvável pensar na qualidade do gasto, mas investir racionalmente na redução da violência e na garantia da cidadania não pode ser visto como um mero “custo”; é condição prévia para o Brasil poder ser chamado de um país mediamente desenvolvido. A grande questão política a ser respondida é, portanto, qual o modelo de segurança pública que queremos construir?

]]>
0