Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A política está entrando nos quartéis https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/04/22/a-politica-esta-entrando-nos-quarteis/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2020/04/22/a-politica-esta-entrando-nos-quarteis/#respond Wed, 22 Apr 2020 21:31:26 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/15665864475d60364fdecb4_1566586447_3x2_rt.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1391 Texto de autoria de Arthur Trindade Maranhão Costa*

Desde 1985, na Nova República, a política esteve afastada dos quartéis. No entanto, este cenário tem mudado radicalmente e são cada vez mais frequentes manifestações políticas dentro das unidades militares. As vivandeiras estão de volta.

 

Certa vez o Marechal Humberto Castelo Branco disse que “vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar”. Castelo Branco se referia aos frequentes movimentos políticos que tentavam cooptar os militares e instrumentalizar o Exército. Como disse o antigo chefe militar, isso não era novidade, acontecia desde 1930. O fato é que as vivandeiras estão de volta, e elas não se resumem ao presidente Jair Bolsonaro, cuja coluna de Élio Gaspari de hoje (22) já analisou.

Se é verdade que o apoio de Bolsonaro aos manifestantes que foram às ruas neste domingo (19) pedir intervenções no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional não é por meio de discursos abertos e que, posteriormente, ele tenha declarado para os jornais que é favorável a democracia e respeita as instituições, a simples presença do presidente àquela manifestação tem significados muito mais profundos.

O simbolismo militar nos protestos é evidente. Muitos manifestantes usavam boinas e brevês das tropas Paraquedistas, além de insígnias e lemas militares. Para os familiarizados com o mundo da caserna, a conexão simbólica que Bolsonaro busca é nítida. Vale que lembrar que o ex-capitão se apropriou de um dos lemas da Brigada Paraquedista na sua campanha eleitoral: Brasil Acima de Tudo.

Protestar contra medidas adotas pelos governantes é um dos direitos políticos fundamentais numa democracia. Mesmo que estes protestos sejam contra as vacinas. Nesse caso, só podemos lamentar e nos perguntar como chegamos a este nível de negação da ciência.

Entretanto, a exemplo das semanas anteriores, os protestos de domingo têm um aspecto diferenciador. Além de pedirem o fechamento do Congresso e do STF, os protestos têm contado com o apoio do Presidente da República. Obviamente isto é perigoso. Presidentes não podem atentar contra às instituições fundamentais da democracia, mesmo que só em gestos e não diretamente em palavras.

O último presidente que subiu num palanque para apoiar manifestações políticas foi João Goulart. No dia 13 de março de 1964, Jango participou de um comício na Central do Brasil para pressionar o Congresso a aprovar as reformas de base. O comício não era contra as instituições. Naquele tempo, as vivandeiras estavam alvoraçadas.

Havia grupos de direita e de esquerda que pretendiam cooptar os militares e levar a política para dentro dos quartéis. Alguns buscavam uma cooptação por cima, tentando se aproximar dos comandantes militares. Outros tentavam cooptar por baixo, doutrinando as praças dentro dos quartéis. A ideia era dar uma formação política aos sargentos. A história nos mostrou que isso não acabou bem.

Além da participação do presidente, as manifestações de domingo tiveram outro componente explosivo: elas ocorram nas portas dos quartéis. Nada é mais simbólico do que Bolsonaro ter participado de um protesto no Setor Militar Urbano. Bolsonaro, literalmente, foi participar de uma manifestação na porta do Quartel General do Exército.

Desde 1985, na Nova República, a política esteve afastada dos quartéis. A vivandeiras embora existissem, não estavam alvoroçadas. No entanto, este cenário tem mudado radicalmente. Nos últimos anos, a política entrou nos quartéis. Hoje são cada vez mais frequentes manifestações políticas dentro das unidades militares.

O Exército parece que estar assistindo hoje o que as Polícias Militares têm vivenciado nas últimas décadas. As tentativas de instrumentalização política das polícias não são novidade. Lideranças políticas têm buscado promover greves e protestos de policiais militares para desestabilizar os governadores. O irônico é que ao invés de desmilitarizar as Polícias, como muitos insistem, podemos estar assistindo um processo inverso: a politização do Exército como já ocorre nas polícias militares.

Por certo, isto ainda está longe de ocorrer. Menos por vontade de Bolsonaro e seus aliados e mais pelos esforços dos comandantes militares. O que se assiste hoje é uma grande confusão entre os militares e o governo. Há os militares enquanto instituição. São os militares da ativa que buscam seguir com cumprimento das missões. Há também os militares enquanto governo: além dos generais que fazem parte do ministério, existem centenas de oficiais ocupando cargos na alta burocracia de Brasília. E há o presidente e as vivandeiras alvoroçadas.

O resultado das interações entre esses três grupos irá impactar diretamente o cenário político nacional. Bolsonaro vem tentando levar a política para dentro dos quartéis, numa espécie de cooptação por baixo. Por ora, este movimento não tem recebido apoio dos militares enquanto governo. Embora tenham sido convidados para participar das manifestações de domingo, os Generais Fernando Azevedo e Luiz Eduardo Ramos decidiram não comparecer. Mas vale lembrar, que em outra ocasião, o General Augusto Heleno subiu no carro de som e discursou para os manifestantes na Esplanada dos Ministérios em Brasília e já atacou diretamente o Congresso em evento público com outros ministros e o presidente.

Torço para que os comandantes militares consigam conter as tentativas de instrumentalização do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Não seria nada bom para as Forças Armadas, que levaram mais de 20 anos para reconquistar a confiança da população, e seria o caos para o país se isso acontecesse. O exemplo mais recente de cooptação politica dos militares é o regime bolivariano implantado pelo Tenente Coronel Hugo Chaves e atualmente liderado por Nicolas Maduro.

Professor da UNB e integrante do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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A vez da ‘mão amiga’ do Exército Brasileiro na segurança pública https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/10/13/a-vez-da-mao-amiga-do-exercito-brasileiro-na-seguranca-publica/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/10/13/a-vez-da-mao-amiga-do-exercito-brasileiro-na-seguranca-publica/#respond Sat, 13 Oct 2018 18:54:43 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/15191328575a8c20b9b3277_1519132857_3x2_rt-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=326 Com Arthur Trindade Maranhão Costa, membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Professor da UNB. Ex-Capitão do Exército Brasileiro e Ex-Secretário de Segurança Pública e da Paz Social do Distrito Federal.

Quando se fala no envolvimento das Forças Armadas na segurança pública, quase sempre, lembramos das custosas e pouco efetivas operações de ocupações de comunidades no Rio de Janeiro. Operações que estão em muito lastreadas na doutrina penal militarizada do inimigo, cujos objetivos é conquistar territórios e derrotar o inimigo, incapacitando-o seja pelo tratamento distinto no campo penal, pelo “abate” ou pela prisão.

O atual debate eleitoral, seja para a Presidência da República ou seja para Governadores de Estado, tem reforçado esta perspectiva e mostra-se profundamente ideologizado pelos representantes, por mais estranho que possa parecer ao leitor atualmente, da direita conservadora. Ao gritar “pega ladrão” escondemos aquilo que não queremos mostrar, por mais que a repressão qualificada da criminalidade é urgente e pouco debatida nos planos de governo de quase todos os candidatos no país.

Valorizar as polícias e as Forças Armadas virou sinônimo de autorizar enfrentamentos abertos, sem que pensemos na efetividade de ações que são tentadas faz décadas e que só agravam o quadro de pânico moral e social vivido pela população do país. O problema da área é muito mais de governança do que de leniência e frouxidão legal; a segurança pública ganharia muito mais se deslocasse seu olhar para o direito administrativo do que para o direito penal.

Ao mesmo tempo, não falamos sobre as condições de vida e trabalho dos milhares de policiais brasileiros e não nos preocupamos com a dupla vitimização a que são submetidas milhões de pessoas reféns da tirania do crime organizado, das milícias e dos confrontos e tiroteios com “forças de segurança”, que na reprodução de um mesmo padrão e emulando narrativas de combate de grupos terroristas no mundo já passaram todas as serem chamadas assim sem maiores distinções entre funções e competências institucionais.

Tudo foi colocado na mesma embalagem, sem que os problemas de governança e de modelo de organização do sistema de justiça criminal e de segurança pública sejam enfrentados. Prefere-se atribuir as mazelas da área à influência da teoria de Antonio Gramsci e não se avança na implementação de mudanças previstas na Constituição de 1988 e que, passados 30 anos, continuam sendo promessas do texto constitucional.

Normas, Leis e Regulamentos que hoje dão forma e sentido ao funcionamento das instituições de segurança pública brasileira são anteriores à Constituição e não foram produzidos pela esquerda, que por sinal sempre preferiu fugir deste tema ou fazer mais do mesmo. Os problemas da área não são problemas ideológicos. São omissões ou falhas de modelagem jurídica e institucional que até hoje o Congresso Nacional não quis solucionar.

E, sem que tivéssemos feito nenhuma consulta prévia ao Exército Brasileiro, queremos demonstrar com evidências que, se olharmos de forma menos ideologizada e mais profissional, iremos perceber que os dilemas da segurança pública podem ser mais bem endereçados para a conquista da paz e da cidadania se trabalharmos a partir do espírito do que está previsto na nossa Constituição Federal.

Ou seja, a eficiência democrática das instituições exige capacidade de mobilização e inovação e não nos permite confundir a agenda de partidos e candidatos, mesmo que tenham sido eles vinculados a qualquer uma das “forças de segurança”, com a missão das instituições de Estado, que são a garantia da estabilidade política e institucional do país. Elas não pertencem a nenhum espectro político ou a nenhum indivíduo ou grupo, mesmo que egresso delas próprias.

Feita esta introdução, este texto propõe uma inversão absoluta do engajamento que é dado ao Exército Brasileiro na segurança pública do país. Ao invés de pressionar a Força Terrestre com ações reconhecidamente tópicas e de baixo impacto temporal, nossa ideia é aproveitar uma faceta pouco valorizada da Força e que pode gerar ganhos de longo prazo na prevenção da violência e, até mesmo, no combate à corrupção.

Estamos falando da utilização dos Batalhões de Engenharia de Construção (BEC) na urbanização de territórios dominados pelo crime e pela violência.

E como fazer isso? De acordo com o Diagnóstico dos Homicídios no Brasil, do Ministério da Justiça, em 2015, apenas 111 municípios concentram 76,5% do total de homicídios. Este percentual não mudou muito desde 2015. Boa parte dessas mortes estão localizadas na região Nordeste e, via de regra, concentram-se em 2 ou 3 bairros de cada cidade. Ou seja, as mortes violentas são um fenômeno altamente concentrado territorialmente.

Se atuássemos prioritariamente em cerca de 300 bairros/distritos dos municípios com maior número de mortes violentas intencionais teríamos, no curtíssimo prazo, uma redução bastante significativa da violência e a inclusão de milhões de pessoas no Estado de Direito. Afinal, estes bairros abrigam a população de baixa renda e negra que reside na periferias dos grandes e médios municípios e que são as maiores vítimas da violência.

Esses bairros têm, em geral, uma fraca infraestrutura urbana: precárias ou inexistentes condições de pavimentação, saneamento básico, iluminação e equipamentos para esporte, lazer, cultura e educação. A vida dos jovens moradores destas localidades é marcada pela exclusão social e pela falta de perspectivas de renda e trabalho. A prisão é uma das poucas políticas universais reservadas a estes jovens e, bem sabemos, ao serem presos nas condições prisionais existentes, esses jovens viram mão de obra barata e descartável das organizações criminosas.

O emprego dos BEC significaria uma revolução por lidar, simultaneamente, com as causas e com as consequências do crime, do medo e da violência. A ideia de confronto aberto seria substituída pela ocupação permanente dos territórios dominados pelo crime com políticas públicas. O Exército poderia evitar, ainda, que quadrilhas ou milícias tomassem conta das unidades do “Minha Casa, Minha Vida” antes mesmo que elas sejam entregues à população. Quase o Plano Marshal brasileiro para a reconstrução da esfera pública nestas localidades e a garantia de cidadania.

Caso o leitor não saiba, os BEC são um dos grandes orgulhos do Exército Brasileiro, cujo lema é “Braço Forte, Mão Amiga”. Esta mão amiga vem ajudando o desenvolvimento nacional há mais de 100 anos. Durante os governos Lula e Dilma, os engenheiros militares foram empregados para obras de duplicação de rodovias, transposição do rio São Francisco e construção de aeroportos, dentro outras. Exército não serve apenas para matar o inimigo, como alguns salvadores da pátria gostam de anunciar.

Em função deste recente emprego, os Batalhões de Engenharia de Construção (BEC) estão muito bem equipados e treinados. Entretanto, sua capacidade está ociosa, dada a atual situação fiscal do país e as prioridades dos atuais dirigentes do país. Atualmente existem 12 BEC’s, sendo 5 na região Nordeste, 4 na Norte, 2 na Centro Oeste e 1 na Sul.

O emprego dos BEC’s é coordenado pelo Departamento de Engenharia e Construção do Exército. Ele é feito através de convênios como os governos municipais e estaduais, ou diretamente junto ao governo federal. Dependendo da obra, os militares do Exército podem contratar civis para auxiliar os trabalhos e podem atuar, em parceria com TCU ou Ministério Público, na fiscalização e prevenção da corrupção que infelizmente tem marcado o setor de infraestrutura do país desde tempos imemoriais.

Seu emprego não depende de intervenção federal, que tem impactos no funcionamento regular do Congresso Nacional, ou Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). E as obras poderão ser custeadas com os recursos já existentes no Ministério das Cidades. Não se trata aumentar os gastos, mas de dar foco e efetividade a eles.

Dito de outro modo, se valorizarmos o pensamento estratégico que marca da doutrina militar das Forças Armadas no mundo, mostra-se muito mais eficiente em termos de conquista dos objetivos de pacificação e incorporação cidadã de milhões de jovens à sociedade da “ordem” investirmos na desconstrução dos ambientes que possibilitam que territórios fiquem à mercê de quadrilhas, milícias e facções criminosas. Segurança Pública não pode ficar reféns de teses equivocadas, desprovidas de evidências e saturadas por um novo ciclo de doutrinação ideológica, mesmo que este seja de direita, que muitos confundem com o lado do “bem”.

O lado da Segurança Pública é a nossa Constituição e é nela que as instituições de Estado balizam suas condutas e missões.

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