Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O novo protocolo de comunicação de violência contra a mulher https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/02/04/o-novo-protocolo-de-comunicacao-de-violencia-contra-mulher/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2021/02/04/o-novo-protocolo-de-comunicacao-de-violencia-contra-mulher/#respond Thu, 04 Feb 2021 19:37:44 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2021/02/fotoviolênciamulher-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=1652 A compreensão da nova lei levanta questões importantes sobre os direitos à privacidade da mulher e ao sigilo médico

Marisa Sanematsu*

A notificação dos casos de violência contra a mulher atendidos em unidades de saúde públicas e privadas é obrigatória desde 2003, quando entrou em vigor a Lei nº 10.778, cujo principal objetivo foi criar uma base de dados estatísticos que permitisse dimensionar uma parcela do problema e subsidiar a criação e implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher.

A saúde sempre foi a principal “porta de entrada” para o atendimento da mulher em situação de violência, tanto por ser o primeiro lugar a que ela recorre após uma violência física como porque as/os profissionais que atuam nesses serviços podem muitas vezes identificar – mesmo que ela própria não indique – se a mulher sofreu ou vem sofrendo violência física, psicológica e/ou sexual.

Desde o advento da lei, profissionais que atuam nas unidades de saúde vêm sendo capacitados a identificar, encaminhar e registrar em formulário próprio os casos de violência doméstica atendidos nas unidades, que alimentam a base de dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) do Ministério da Saúde.

Contudo, desde março de 2020, entrou em vigor a Lei nº 13.931, que altera a Lei nº 10.778/2003 para determinar que “os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher (…) serão obrigatoriamente comunicados à autoridade policial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos”.

Preocupado com o impacto que a mudança poderia produzir sobre as mulheres e profissionais de saúde, em setembro de 2019, o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), da Defensoria Pública de São Paulo, já havia emitido Parecer Técnico recomendando a não aprovação do projeto que deu origem à lei, por considerar que a alteração “viola as garantias da intimidade, vida privada e do sigilo médico-paciente”.

Com a aprovação da Lei nº 13.931, em maio de 2020 o Nudem SP divulgou outro comunicado, em que declara que, após enviar recomendações ao Ministério da Saúde para a garantia dos direitos das mulheres e profissionais envolvidos, a pasta respondera, em abril, que a regulamentação que estava sendo construída iria incluir “recomendações de não envio do prontuário e ficha de notificação de violência às autoridades policiais, bem como da importância da autorização da mulher nas situações em que as informações de identificação pessoal precisarão ser repassadas às autoridades policiais para medidas de proteção emergenciais”.

Embora a lei tenha entrado em vigor em 10 de março de 2020, isto é, 90 dias após sua sanção, somente em janeiro de 2021 o Ministério da Saúde divulgou a Portaria nº 78, com as “diretrizes para a comunicação externa dos casos de violência contra a mulher às autoridades policiais, no âmbito da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003”.

O art. 14-D da Portaria nº 78 determina que “a comunicação dos casos de violência contra a mulher à autoridade policial deverá ser feita: I – de forma sintética e consolidada, não contendo dados que identifiquem a vítima e o profissional de saúde notificador; ou II – em caráter excepcional, com identificação da vítima de violência, em caso de risco à comunidade ou à vítima, a juízo da autoridade sanitária e com conhecimento prévio da vítima ou do seu responsável”.

Para quem atua no atendimento de saúde, a medida torna mais complexos os fluxos de atendimento e registro de informações. Além disso, cabe perguntar: esses profissionais estão capacitados a identificar uma situação que envolva risco real para a vítima? E a polícia, está preparada para tomar as “providências cabíveis” sobre as novas denúncias que receber ou estas serão apenas incluídas em uma base de dados inútil?

Além de compreender o que muda com a nova lei, não apenas para mulheres e profissionais de saúde, mas também para agentes da segurança pública, é preciso perguntar: a quem serve essa modificação? Quando se fala em “notificação compulsória” de um agravo de saúde, o objetivo é subsidiar com dados internos a vigilância epidemiológica e orientar ações para aperfeiçoar a identificação, a prevenção e o controle.

Mas, quando se determina a comunicação (externa) à polícia “para as providências cabíveis”, passam a fazer parte do debate, além dos direitos à privacidade da mulher e ao sigilo médico, outras questões complexas e ainda sem respostas, como a garantia de um correto encaminhamento do caso pela autoridade policial, que garanta não apenas a confidencialidade dos dados, mas também a segurança e a proteção da vítima e da/o profissional de saúde, que podem ser alvos de retaliações por parte do agressor.

Importa especialmente perguntar às mulheres se quando buscam assistência na saúde elas querem que seu problema se torne um caso de polícia. Não se trata de defender que os agressores não sejam responsabilizados, mas não se deve condicionar o acesso à saúde ao registro policial, mesmo que apenas em um banco de dados e não em um B.O. Mais uma vez, com o intuito de proteger as mulheres, mais violências serão praticadas.

Quando iremos parar de impor às mulheres aquilo que consideramos “o melhor para elas” e começaremos a ouvi-las e compreendê-las, para atendê-las de forma adequada em suas necessidades e desejos?

 

*Jornalista, mestre em comunicação pela Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo e diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão.

 

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Na edição desta semana, leia também “Os Desafios do Congresso Nacional na Segurança Pública” e “Um breve panorama dos crimes registrados em São Paulo em 2020”.

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Governança da segurança pública e eleições https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/07/19/governanca-da-seguranca-publica-e-eleicoes/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/07/19/governanca-da-seguranca-publica-e-eleicoes/#respond Thu, 19 Jul 2018 18:11:55 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/17118538-150x150.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=142 A pedido da CNI (Confederação Nacional das Indústrias), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública elaborou um amplo diagnóstico do setor e que, posteriormente, foi por ela aproveitado para a elaboração do Caderno com as Propostas da Indústria para as Eleições Presidenciais de 2018.

Neste Caderno, um dos pontos mais destacados é que, qualquer que seja o candidato ou candidata que seja eleito(a) em outubro deste ano, há uma série de ações de modernização da governança e da articulação de diferentes órgãos, instituições e Poderes da República que precisa da liderança da Presidência da República para ser concretizada. Chegou a hora de enfrentarmos nossos tabus e construirmos novos e mais sólidos alicerces para uma área que se tornou uma das principais preocupações da sociedade brasileira.

O Banco Mundial, o BID e várias agências multilaterais têm reforçado que novos modelos de governança são necessários para aumentar a eficiência da máquina pública. O FBSP também tem contribuído para traduzir a necessidade de governança em números e evidências que possam ser convertidos em legados de mudança e energias de transformação, sobretudo a partir da atuação do novo Ministério da Segurança Pública mas não só. Esta é uma tarefa que demanda uma ampla coalização a favor da vida. Nesse processo, o Ministério é uma iniciativa muito relevante e cujo papel é central para este projeto de mudança, porém não deve ser vista como única.

Mas o consenso em torno da urgência deste tema não para nestas entidades. O próprio Jornal Folha de S.Paulo produziu um Caderno Especial intitulado “E Agora, Brasil?”, com propostas para a área que, se analisadas, vão na mesma direção e reforçam o caráter estratégico da governança.

E, para ajudar na reflexão pública dos caminhos sugeridos, vale reproduzir alguns dados por nós compilados e algumas dessas propostas apresentadas. Elas podem fazer a diferença para uma segurança pública mais efetiva e que consiga não só reduzir as obscenas taxas de violência no Brasil, mas também garantir cidadania e diminuir os sentimentos de medo e de insegurança.

E, a partir deste consenso, muitas destas propostas já estão incorporadas por diversas agendas de trabalho e, em breve, ganharão da companhia de uma proposta detalhada para a segurança pública que está sendo construída pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelos Institutos Sou da Paz e Igarapé. Nesta proposta, a governança do sistema tem peso estratégico e é complementada por outras propostas para dilemas específicos da realidade de crime e violência do país.

O mais importante, contudo, é a sinalização de que segurança pública é e tem solução, desde que implementada nos marcos da eficiência e efetividade das políticas públicas e dos comandos constitucionais consubstanciados nas Cláusula Pétreas da Carta de 1988. Não há saída fora da agenda civilizatória e do Estado de Direito.

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Nos próximos dias iremos divulgar a 12ª. Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Púbica, que deve indicar uma piora, em 2017, do cenário de violência no país. Porém, enquanto os dados do último ano ainda estão sendo consistidos, constatamos que a situação da segurança pública no Brasil é, por qualquer que seja a régua, ruim e vem piorando nos últimos anos.

* Os dados disponíveis revelam que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes passou de 26,1 para 28,9 (aumento de 11%) entre 2005 e 2015 e a taxa de estupros por 100 mil habitantes passou de 17,5 para 24,0 (37%) entre 2009 e 2016. Em 2016, pelos dados do Atlas da Violência, superamos as 30 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes.

* Os crimes contra o patrimônio também refletem a deterioração. Entre 2007 e 2016, a taxa de roubo a instituições financeiras aumentou 47%, de 1,5 para 2,2 a cada 100 instituições. A taxa de roubos de carga por 100 mil habitantes passou de 10,1 para 13,2 entre 2007 e 2016, aumento de 31%.

* A piora na situação da segurança pública ocorre apesar do aumento da população prisional de 297 mil para 726 mil presos entre 2005 e 2016, o equivalente a uma variação na taxa de presos por 100 mil habitantes de 160,4 para 352,4 (120%) no período. Mesmo com recursos disponíveis, a burocracia envolvida na construção de novas vagas e unidades dramatiza o déficit carcerário e mostra que a política criminal e penitenciária precisa ser revisitada, caso queiramos vencer as organizações e facções criminosas que nascem e crescem entro das prisões.

* Dito de outra forma, a deterioração da área ocorre mesmo com o aumento de 27,5% nos investimentos realizados por União, estados e municípios em segurança pública, desconsiderados os efeitos da inflação. O Brasil gasta com segurança pública em torno de 1,4% do PIB, mais que os países da OCDE, que despendem cerca de 1% do PIB com essas atividades.

* Os custos da falta de segurança para o país representam, no mínimo, 6,1% do PIB ou 404 bilhões de reais por ano, quando contabilizadas as perdas de vida humana, os custos com seguros e segurança privada, as perdas com turismo e os gastos com o sistema de saúde, com o sistema prisional e com a segurança pública.

Em síntese, os problemas da segurança pública no Brasil não são poucos e as soluções de longo prazo não são simples. Apesar disso, é possível identificar um grave problema de governança entre os múltiplos órgãos que atuam no setor, nos diversos entes federativos, com baixo nível de coordenação e cooperação. Não se trata de questões gerenciais ou de sistemas de gestão, mas da definição mais clara de papéis, responsabilidade e metas. Pode parecer óbvio, mas sem articulação e coordenação, trabalha-se muito mas sem a certeza de impactos. E, desse modo, a sensação que fica é que os profissionais da área, sobretudo os policiais, são deixados à própria sorte.

Se olharmos o que ocorre no mundo, no entanto, a experiência internacional mostra que as práticas mais efetivas de política de segurança pública são baseadas na descentralização do poder de polícia e no protagonismo dos atores políticos locais. Isso não significa uma atuação independente e descoordenada das autoridades locais. E é nesse ponto que aparece a importância do papel do governo central, promovendo uma governança integrada das ações, bem como a construção de estruturas institucionais e informacionais adequadas e a capacitação de qualidade dos agentes de segurança. Não se trata de assumir tarefas que não são suas e/ou cair na tentação histórica de concentrar poder. Mas de servir de indutor de um novo pacto federativo e republicano.

Ou seja, o salto de qualidade na segurança pública brasileira apenas será possível quando o governo federal atuar como principal agente de indução e coordenação das políticas públicas em território nacional. E, para tanto, as propostas defendidas pela CNI, pelo FBSP e por outros atores conectam-se com o objetivo de dotar o governo federal de capacidades institucionais que deem conta destes grandes desafios. Não é preciso reiventar a roda ou sair fazendo malabarismos. É necessário arrumar a casa; arrumar o modo como o Estado responde ao crime e à violência. E, para isso, propomos inicialmente:

1. Colocar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) para funcionar na prática, coordenando o papel de cada ente federativo na segurança pública, o sistema de financiamento e a articulação entre diferentes esferas de governo, instâncias de Poder e órgãos de Estado. A grande inovação do SUSP é prever que o Sistema de Segurança seja guiado por Planos Decenais que deem previsibilidade de ações e, ainda, pela diretriz de que monitoramento e avaliação sistemáticas são ferramentas essenciais de gestão e governança.

2. Elaborar uma política nacional para redução de homicídios, com foco nos cerca de 120 municípios que concentram 50% do total de homicídios no país.

3. Fortalecer o Ministério da Segurança Pública, ampliando sua estrutura para abarcar atividades de melhoria da gestão das polícias e da perícia, melhoria da gestão penitenciária, articulação da defesa civil e coordenação e articulação de políticas de prevenção da violência.

4. Reestruturar o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), garantindo previsibilidade no aporte e na liberação de recursos, e exigindo-se de estados e municípios condicionalidades e contrapartidas para recebimento dos recursos, como divulgação de dados (política de transparência, não só a construção de sistemas operativos), prestação de contas, avaliação das políticas e elaboração de planos de segurança pública.

5. Criar um demonstrativo de gasto anual em segurança pública, unificado entre União, estados e municípios, com padronização dos critérios classificatórios das despesas em segurança pública.

6. Criar o Instituto Nacional de Estudos sobre Segurança Pública (INESP), com o objetivo de organizar e manter os dados de segurança pública, apoiar a avaliação de políticas de segurança, recomendar políticas de segurança com base em evidências e coordenar a avaliação da formação de profissionais de segurança. [importante dizer que o Instituto não visa apenas integrar bancos de dados, mas fomentar uma política de informação transparente e padronizada. Os investimentos em tecnologia são parte fundamental deste processo, mas é preciso estruturar ações de monitoramento a avaliação que independam de como cada dado seja produzido].

7. Criar a Escola Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (ENAESP), para aperfeiçoar a formação e profissionalização dos profissionais de segurança.

As propostas acima são um pequeno exemplo das tarefas de governança que se fazem necessárias. Até para que ações finalísticas, de combate ao crime organizado, entre outras, possam surtir o efeito desejado. Por certo são medidas que têm menor apelo eleitoral, mas elas têm a capacidade de transformar discursos políticos em impactos efetivos. Nos próximos dias teremos o início a Campanha Eleitoral e precisamos ficar atentos para que ideologias não ofusquem os reais obstáculos e entraves da área.

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No Brasil, mata-se muito e agora há quem queira matar o mensageiro. https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/06/17/no-brasil-mata-se-muito-e-agora-ha-quem-queira-matar-o-mensageiro/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/06/17/no-brasil-mata-se-muito-e-agora-ha-quem-queira-matar-o-mensageiro/#respond Sun, 17 Jun 2018 22:12:34 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/15312184-150x150.jpeg http://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=60 Na última sexta feira, dia 15, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Ipea divulgaram o volume final do Atlas da Violência – 2018, com dados para todos os municípios do país com mais de 100 mil habitantes. Os números desagregados deram ainda mais dramaticidade àquele divulgado na semana anterior, que dava conta de explicitar o tamanho da tragédia das 62.517 mortes violentas intencionais registradas em 2016 no país.

Já faz muito tempo que temos reiterado que somos uma sociedade cruel e violenta e nos acostumamos com cenas de barbárie e com políticas públicas ineficientes. A violência faz parte do cotidiano brasileiro. Ela nos anestesia. E quando, em um retrocesso típico de pensamentos arcaicos sobre transparência e responsabilidades públicas, a sociedade civil e órgãos de pesquisa trazem o problema para debate, são atacados na tática de se evitar discutir o que se está por trás dos números.

Aliás, sobre este fato, é sempre importante dizer que o Brasil passa a vergonha de não dispor, na segurança pública, de um sistema nacional oficial de estatísticas policiais. E não é por falta de dinheiro ou condições tecnológicas. É por falta de coordenação federativa e pela omissão de gestores públicos estaduais e federais.

É mais fácil tentar matar o mensageiro, como na Idade Média (O FBSP, por exemplo, tem enfrentado fortes resistências para produzir e publicar dados). Por sinal, se fôssemos um país civilizado na segurança pública, já teríamos feito uma ampla e transparente auditoria nos dados sobre registros policiais no país e não teríamos que, em plena segunda década do Século 21, discutir uma agenda do final do 19, começo do 20, nos EUA e na Europa.

Não passaríamos a vergonha de os nossos gestores confundirem os sistemas de dados da saúde e o da segurança e acharem que um dia, em um futuro distante, teremos apenas uma informação (isso não existe em nenhum lugar do mundo, pois cada sistema é feito para um propósito).

Se os secretários de segurança pública contratassem uma auditoria independente dos seus dados, talvez assim poderíamos abrir a caixa preta dos dados da Bahia e de São Paulo, que são as Unidades da Federação que apresentam as maiores taxas de subnotificações de registros da saúde e que, na segurança pública, alegam ter metodologias diferentes para criticarem comparações.

Nesta briga sobre como classificar e o que contar como violência, a sociedade é a maior vítima. Se um homicídio ou latrocínio; ou se legítima defesa ou não, corpos estão estirados no chão e o Estado precisa oferecer um mínimo de dignidade para que sejam enterrados (lembremos que até o corpo de Osama Bin Laden teve, por parte dos EUA, o tratamento que os muçulmanos dedicam aos seus mortos). Sem dados não há planejamento e sem planejamento há grande chance de carência ou de desperdício de recursos.

O grau de civilidade de um país e da estatura moral de sua sociedade pode ser medido pela forma e pelo destino que são dados aos corpos de seus mortos, independentes de quem eles sejam. Ao negarmos transparência e ficarmos no debate ideológico sobre as estatísticas de mortes violentas intencionais (por sinal nada mais ideológico do que acusar a estatística que contraria sua visão de mundo de ideológica), estamos dando provas de que vivemos a degradação moral e política em sua intensidade máxima.

E, sempre é bom lembrar, isso não é exclusividade da direita, do centro e/ou da esquerda. É a vida como ela é. Ou melhor, é a morte como covardia e como omissão. Mas tragicamente criticar os dados é sinônimo de não reconhecer a completa falência das políticas de prevenção e enfrentamento ao crime e à violência.

Se evidências bastassem, o Atlas da Violência 2018 reforçou que a violência letal é endêmica no país e, ao estar associada com cidades com maior número de jovens que não estudam e não trabalham, explicitou que a prisão é a praticamente a única política pública reservada aos nossos jovens pobres e negros e que algo precisa ser feito urgente.

Não há quase ações de prevenção secundária (com grupos vulneráveis) ou de prevenção terciária (com egressos dos sistemas socioeducativo ou prisional) e nada oferecemos como oportunidade de vida para milhões de jovens.

E, ao fazermos isso, estamos fornecendo mão de obra às organizações criminosas tanto ao prender muito em função de uma política de drogas estúpida, quanto pelo fato de que, ao não termos políticas de prevenção, a vida no crime torna-se o caminho natural pelos abandonados pelo Estado e pela sociedade.

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