Faces da Violência https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br O que está por trás dos números da segurança pública Tue, 23 Nov 2021 18:56:47 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O risco de juízes justiceiros na segurança pública https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/02/o-risco-de-juizes-justiceiros-na-seguranca-publica/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/04/02/o-risco-de-juizes-justiceiros-na-seguranca-publica/#respond Tue, 02 Apr 2019 12:47:42 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/20ago2012-atirador-de-elite-em-operacao-na-favela-da-rocinha-1539970135335_615x300-320x213.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=739 Texto de Ignácio Cano, professor da UERJ e membro do Laboratório de Análise da Violência – LAV

“Bandido bom é bandido morto” é o bordão que encarna no Brasil o apelo ao extermínio de criminosos. Num país atormentado pela violência, pesquisas mostram que entre um terço e a metade da população adere em alguma medida a esta ideia. O pressuposto dela é que a sociedade está dividida de forma dicotômica entre cidadãos de bem e bandidos, tal que a segurança dos primeiros exigiria a eliminação dos segundos.

Na verdade, trata-se não propriamente de uma proposta de endurecimento penal, como poderia ser a pena de morte, mas de um apelo a que cidadãos comuns e policiais possam matar supostos criminosos sem serem importunados pelos limites da lei. Daí a irritação com que os seus proponentes reagem aos argumentos dos defensores dos direitos humanos, estes sim baseados na lei. Invertendo a máxima brasileira de que a lei seria apenas para os inimigos, neste caso a lei parece reservada às relações entre os pares, enquanto aos inimigos é destinado o extermínio.

De fato, as nações que admitem a pena de morte a aplicam após julgamentos demorados que considerem todas as evidências para evitar injustiças que se tornariam irreversíveis. Já os partidários do ‘bandido bom é bandido morto’ costumam defender a morte sumária nos becos, sem apelação, cometida por policiais justiceiros ou indivíduos indignados. Em suma, estamos perante uma proposta profundamente anticivilizatória e antijurídica, que empurra a sociedade a um estágio pré-hobbessiano em que cada um se defende por si e os próprios agentes do Estado agem sem controle. É antijurídica não apenas no sentido de descumpridora da lei vigente, mas no sentido mais amplo de ser contrária à própria ideia do direito e do controle jurisdicional. Se levada ao extremo, ela tornaria o Poder Judiciário tão desnecessário quanto nos filmes de faroeste, nos quais a lei é aplicada pelos xerifes na ponta do revólver.

O auge desta visão está vinculado à proliferação dos populismos de extrema direita no mundo inteiro. Estes populismos indignados propõem uma rebelião contra as velhas elites políticas, econômicas e intelectuais, bem como contra os limites que a lei impõe aos governos. A própria ciência é também colocada em questão e aumentam aqueles que rejeitam as vacinas ou negam o aquecimento global. Mas se no resto do mundo não são os médicos quem se posicionam contra as vacinas nem os biólogos os que questionam o aquecimento global, no Brasil a ofensiva contra o direito está protagonizada por juízes ou ex-juízes.

No Rio de Janeiro, o ex-juiz Witzel, governador do estado, manifesta obsessão por ‘abater’ criminosos com fuzil sem importar se eles representam ou não uma ameaça iminente. Num país que não admite a pena de morte, um agente público só pode matar em legítima defesa contra uma ameaça grave e imediata. Qualquer outra opção constitui crime de homicídio e, se levada à prática, deveria colocar o governador no banco dos réus como mandante. O termo ‘abate’ não é casual pois visualiza a morte de pessoas como se fossem frangos ou bois e facilita a aceitação da política de extermínio por parte de um projeto político que se pretende cristão. Imediatamente após a operação policial no Fallet que causou 15 mortos, o governador afirmou que a intervenção foi legítima, antes mesmo de que começassem as investigações, prejulgando-as e enfraquecendo o controle jurisdicional que ele mesmo, há pouco, representava.

No Congresso, integrantes do grupo político presidencial pretendem aprovar a ‘lei do abate’, que indiretamente confirma que a proposta do governador do Rio é ilegal, pois caso contrário ela seria desnecessária. Outros defenderam que as mortes cometidas por policiais simplesmente não deveriam ser investigadas, o que deve ter provocado euforia entre milicianos e outros agentes corruptos. Por sua vez, o ministro da Justiça, o ex-juiz Moro, contemplou as mortes cometidas por policiais no seu pacote anticrime, para acomodar a agenda presidencial. Moro, candidato a passar à história pela aplicação seletiva e desmedida da lei com objetivos políticos, corre agora o risco de figurar nos livros como incentivador das execuções sumárias.

O pacote pretende acrescentar dois incisos ao artigo 25 do Código Penal, determinando a existência de legítima defesa quando o agente público intervém para “prevenir injusta e iminente agressão” ou para proteger reféns. Na verdade, isso já está implícito no caput do artigo e, na prática, nenhum policial é hoje condenado nessas situações. O pacote propõe também acrescentar um artigo ao CPP, o 309-A, para que o agente policial não seja preso em flagrante nos casos em que tiver cometido o crime em estado de necessidade, legítima defesa ou estrito cumprimento do dever. De novo, isso é o que já acontece, pois policiais são presos em flagrante apenas quando há evidências de ilegalidade.

Essas modificações seriam então inócuas do ponto de vista jurídico, mas muito relevantes do ponto de vista político, pois mandam um sinal aos policiais no sentido de que eles podem, e devem, matar mais. A lei perde assim a sua função reguladora das condutas em prol de uma função retórica a serviço de um projeto político. De fato, se o ministro leu as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos, deve saber que o problema do Brasil não é que os policiais sejam injustamente acusados de homicídio, mas exatamente o contrário: a dificuldade que o país tem para investigar e punir os abusos policiais quando acontecem.

Além disso, o pacote visa acrescentar um parágrafo ao artigo 23 do Código Penal, que regula os excessos culposos ou dolosos, para que o juiz possa “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Este acréscimo, além de alentar os excessos, gera notável insegurança jurídica, pois um juiz conservador poderá anular a pena, outro poderia aplicá-la pela metade, enquanto um juiz garantista a aplicaria por completo. Assim, cada juiz poderia agir da forma que bem entender, da mesma forma que o policial na rua, enfraquecendo a noção de igualdade perante a lei.

Esperemos que Deus, que dizem que está acima de todos, nos livre dos juízes justiceiros.

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Populismo e segurança pública https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/18/populismo-e-seguranca-publica/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/18/populismo-e-seguranca-publica/#respond Fri, 18 Jan 2019 19:43:20 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/15202073035a9c85c71bfd0_1520207303_3x2_xl-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=577 Por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Fernanda Bestetti de Vasconcellos

Durante a campanha eleitoral, o tema da segurança pública esteve no centro da preocupação dos eleitores e o Presidente eleito, embora sem participar dos debates, apresentou um conjunto de propostas caracterizadas como populistas e punitivistas, como a revisão do estatuto do desarmamento, a redução da maioridade penal e a excludente de ilicitude para mortes praticadas por policiais.

Fato é que boa parte da descrença generalizada dos brasileiros no sistema político e nas instituições se deve à pouca capacidade dos governos democráticos oferecerem respostas efetivas para o problema da criminalidade urbana violenta, que ao longo das últimas décadas alcançou proporções cada vez mais alarmantes.

Foi durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso que uma agenda começou a ser assumida pelo governo federal. Naquele momento já havia sido identificada uma deterioração das condições carcerárias e a dificuldade para reestruturar as polícias de forma a garantir uma atuação mais eficaz sobre a criminalidade em crescimento, bem como um controle mais efetivo sobre as atividades desenvolvidas pelas instituições policiais, assegurando direitos e garantias constitucionalmente estabelecidos.

Nos governos de Luis Inácio Lula da Silva, diversas foram as tentativas para ampliar a participação federal no setor. A experiência mais avançada, o PRONASCI, já no segundo mandato, produziu resultados importantes, em parcerias com estados e municípios, sendo os mais destacados os alcançados em Pernambuco pelo Pacto Pela Vida.

No entanto, avanços maiores, que pudessem de fato alterar o quadro de aumento do medo e da insegurança, acabaram esbarrando em problemas como a esquizofrenia programática do PT, que nunca assumiu de fato o tema da segurança pública como parte essencial de uma agenda democrática, e acabou tensionado por demandas legítimas (porém punitivistas) de movimentos sociais, pelo peso dos interesses corporativos no setor e/ou pelas vicissitudes do próprio presidencialismo de coalizão, que subordinaram as medidas estruturantes aos acertos entre lideranças no Congresso,, que pouco a pouco foram minando as perspectivas de uma reforma estrutural.

Quando Dilma Rousseff assumiu seu primeiro mandato, descontinuou o PRONASCI, redimensionando o papel da SENASP. A presença dos militares na gestão da segurança pública foi consideravelmente ampliada, ao mesmo tempo em que problemas da criminalidade nos grandes centros urbanos foram novamente relegados aos governos estaduais, salvo a exceção de Alagoas, contemplado, pelos recordes de violência alcançados, pelo Programa Brasil Mais Seguro.

Incapaz de perceber a importância do tema da segurança pública para a consolidação da transição democrática, a experiência da esquerda no governo pouco acumulou na construção de uma perspectiva eficaz de contenção da violência, controle efetivo sobre as policiais, transparência na gestão e incorporação do debate acadêmico e das evidências científicas na elaboração, implementação e monitoramento das políticas públicas na área.

Ainda que grupos de pesquisa tenham sido contemplados com editais federais para a realização de pesquisas sobre diversos temas ligados à segurança pública (ação que, em teoria, aproximaria governo e academia), o fato é que muito pouco do que foi produzido acabou aproveitado, servindo muito mais como forma de neutralizar a crítica e incorporar novos atores ao campo, mas sem uma mudança efetiva nos mecanismos de gestão e governança.

Assim que assume a presidência, Jair Bolsonaro começa por desconstituir uma das poucas medidas adequadas adotadas pelo governo Temer: a criação de um Ministério Extraordinário da Segurança Pública. Dando a Sérgio Moro o papel de superministro, o presidente eleito coloca sobre ele a responsabilidade de efetivar o discurso e as promessas de campanha.

Se fizer isso, no entanto, adotando as medidas prometidas, a perspectiva é de caos em curto prazo, e se continuarmos dispondo de indicadores de violência e criminalidade minimamente confiáveis, os números poderão comprometer a credibilidade do governo em uma área que é uma das bases de sua narrativa de renovação política.

Isso fica evidente no debate sobre o decreto para a liberalização do acesso a armas de fogo, em que a promessa de rever o Estatuto do Desarmamento é concretizada por meio de uma medida que ficou muito aquém do esperado por seus eleitores, mas que ainda assim tem potencial para tornar ainda mais difícil a gestão da segurança pública pelos órgãos competentes, pois dá o aval do governo federal a uma verdadeira corrida armamentista, de consequências previsíveis sobre as taxas de homicídio no país.

O ministro Moro promete a modernização do processo penal, e para tanto, além de sustentar os mecanismos processuais implantados nos últimos anos (diga-se, durante os governos do PT), voltados para o combate da chamada criminalidade organizada e aos crimes de colarinho branco, como o instituto da delação premiada e a antecipação da execução da pena antes do trânsito em julgado em definitivo, propõe incorporar ao sistema brasileiro o instituto da “plea bargaining”.

Trazido do modelo processual penal americano, caracterizado como de Common Law, a transação entre o acusado e o Estado já foi introduzida no Brasil via Juizados Especiais Criminais, e se por um lado deu celeridade ao procedimento para os crimes de menor potencial ofensivo, por outro até hoje se discute sua validade do ponto de vista dos direitos e garantias do acusado, assim como da efetiva resolução do conflito em questão. De todo modo, a importação do instituto exigiria repensar toda a estrutura institucional relacionada como processo penal, como o papel das polícias militares na coleta de provas, o maior protagonismo do Ministério Público na coordenação das investigações e na negociação com o acusado.

Quanto às necessárias políticas de prevenção ao crime, a integração entre os entes federados, a qualificação e aprimoramento das forças policiais, a incorporação de evidências científicas na gestão da segurança, a revisão da política de guerra as drogas e seus resultados pífios e contraproducentes, o redimensionamento do sistema carcerário, para minar o controle das facções criminais, uma política efetiva de enfrentamento à violência contra a mulher, assim como contra grupos sociais historicamente vulneráveis à violência, como a população indígena, LGBT, sem tetos e sem terras, e militantes pelos Direitos Humanos, até agora nada se ouviu de concreto por parte do novo governo. Ao contrário, as perspectivas são muito pouco animadoras. Caso o novo governo se limite de fato a tentar colocar em prática o discurso de campanha, a lua-de-mel com seus eleitores tende a durar muito pouco, como um sonho de uma noite de verão, e se transformar rapidamente em mais um pesadelo.

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo. Sociólogo, professor titular da Escola de Direito da PUCRS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública;

Fernanda Bestetti de Vasconcellos. Socióloga, professora adjunta do Departamento de Sociologia da UFRGS, e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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Violência, anti-intelectualismo e ética na esfera pública https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/08/violencia-anti-intelectualismo-e-etica-na-esfera-publica/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/08/violencia-anti-intelectualismo-e-etica-na-esfera-publica/#respond Tue, 08 Jan 2019 17:13:51 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/15463919665c2c119e26655_1546391966_3x2_rt-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=550 Com Sérgio Adorno. Professor Titular do Departamento de Sociologia da USP. Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência.

Ao acompanharmos as recentes declarações dos novos governantes, amplamente veiculadas pela mídia, somos levados a crer que o ano começa sob a égide de flagrante anti-intelectualismo. Trata-se de um comportamento político que revela desconfianças em argumentos racionais, despreza evidências empíricas, coloca sob suspeição quaisquer afirmações de natureza científica capazes de questionar fé e crenças.

Toda uma série de outros corolários associam-se a tal comportamento político, como sejam a recusa a aceitar a pluralidade das formas de organização social da vida, consagradas em nossa Constituição bem como a construção social dos “inimigos da pátria”, considerados assim todos os que manifestam visões de mundo distintas daqueles que hoje ocupam as posições de comando e decisão política no país.

Como toda visão de mundo e comportamento político que advogam a unidade e a homogeneidade, contra a diferença e a diversidade, as contradições vão se sucedendo e se tornando explícitas. Tome-se, por exemplo, o caso da segurança pública e da defesa pessoal. Os motivos apresentados para sustentar a pertinência da posse e uso de armas remetem à defesa inconteste dos direitos individuais.

No entanto, não há qualquer contestação séria e consistente dos argumentos científicos, disseminados em copiosos estudos, que demonstram relação de causalidade entre acesso individual às armas de fogo e a maior prevalência de homicídios. Portanto, para garantir a ordem pública, una, indivisível, homogênea, propõe-se justamente a predominância dos interesses individuais em segurança pessoal contra a segurança pública de maior número.

As reações à crise na segurança pública do Ceará são um outro exemplo, na medida em que a cobrança histórica de envolvimento do governo federal na área passa a ser vista, por vários segmentos conservadores, como uma conspiração contra o atual governo – os vários textos do Faces da Violência em 2018 já indicavam esta questão, muito antes das eleições. A dimensão histórica parece ser deixada de lado e só valer os argumentos do imediato.

E as contradições não param. Na fala dos governantes, o nacionalismo deve prevalecer sobre o “globalismo”. Como sugerem, “o Brasil acima de tudo”. Mas não parece estranho que, em nome da defesa desse nacionalismo, pretenda-se justamente apoiar a instalação de uma base militar americana em território nacional? Tal decisão sinaliza em sentido contrário, isto é o país não estaria em condições de assegurar seu território e de manter a soberania nacional. Por certo, tal pressuposto está em confronto com as tradições das Forças Armadas no Brasil e desconectado com as reais ameaças existentes. Diante da repercussão, em aparente gesto de bom senso e racionalidade política, o governo parece estar abandonando esse propósito.

Mais do que isso, se olharmos os dados disponíveis, a maior e mais imediata ameaça não é externa. Trata-se da normalização da violência letal, que mesmo apresentando uma queda significativa nos primeiros nove meses de 2018, em relação a igual período de 2017, ainda nos faz ser um dos países em que mais se mata no mundo.

Bradando contra ideologias e declarando guerra a todos que não se subjugam à sua visão de mundo, o governo Bolsonaro é reflexo de um problema bem mais profundo que afeta o Ocidente: a conturbada relação entre ética, moral e violência na esfera pública.

Ética e moral representam dois universos interligados, porém distintos. A ética diz respeito às normas que devem orientar a conduta de uns em relação aos outros, no sentido de respeitar as diferenças e os direitos adquiridos, promover a solidariedade e cooperação, evitar desfechos violentos nos conflitos interpessoais, reconhecer a justiça.

Já a moral está relacionada ao universo de valores que tornam certos hábitos reconhecidos como legítimos e imperativos. Abrange os comportamentos julgados desejáveis e esperados de uns em relação aos outros.

No âmbito da ética, deve-se considerar tantos os códigos quanto o modo como eles são aplicados segundo interpretações subjetivas dos atores. As políticas públicas, em essência, dependem de uma ética pública baseada no respeito às leis, ao jogo democrático e ao diferente. É nela que as polícias devem basear suas condutas e protocolos de ação.

No caso da moral, trata-se de ajustar princípios gerais de conduta (não matar, não humilhar terceiros, etc.) aos costumes e hábitos vigentes em uma sociedade em momento determinado de sua história. Se a moral pode ser pensada tanto em termos de particularismos (dos clãs, dos grupos sociais, de grupos religiosos) com a emergência do mundo moderno, ela se afirma mais em mais em termos universais. Não sem razão, a centralidade dos direitos humanos na agenda política dos organismos internacionais.

Bem, o problema que queremos ressaltar é como pensar todas essas questões relativamente à violência. Parece-nos que, do ponto de vista ético, não é difícil encontrar justificativas para condenar o uso indiscriminado da violência. No entanto, do ponto de vista da moralidade privada e pública, os problemas aparecem. E, diante deles, a ponte entre os dois universos fica turva e a violência, não raro e para alguns segmentos da sociedade brasileira, passa a ser defendida moralmente como legítima mesmo sob contexto democrático.

Basta ver as promessas no campo da segurança defendidas pelo atual Presidente da República. Seu símbolo – a mão em formato de arma de fogo – parece traduzir sentimentos, ao que parece com grande repercussão social, de que o uso da violência para garantir ordem e autoridade é moralmente desejável e válido.

E isso ocorre em um ambiente em que mudanças sociais alteraram as relações entre classes sociais, entre gêneros, entre gerações, entre raças e etnias. Nele, a ordem social surge como esgarçada e o pânico moral ganha contornos ao redor das múltiplas configurações e demandas identitárias e de reconhecimento de direitos.

Diante das incertezas, trinca-se o imaginário social do Brasil como uma sociedade única, uniforme, integrada, internamente solidária. E, para resgatá-lo, só haveria duas alternativas contra esse mundo em fragmentação e sob permanente guerra cultural: a) a difusão de um pensamento conservador, até mesmo reacionário, do tipo do defendido por Olavo de Carvalho, que remete seus argumentos ao universo moral, como se este fosse a fonte mesma da verdade; b) e/ou a valorização do senso comum, este espaço carente de mediações entre o pensar e a ação; este espaço no qual prevalece a fake news em detrimento da informação e da evidência.

Evidências científicas e uma ética pública baseada no direito e nas leis são deslegitimadas como fonte de autoridade: tudo é tosco, instantâneo, colado no osso das coisas, sem pele ou veias de circulação. Nesse movimento, como diria acertadamente Hanna Arendt, o poder definha e, em seu lugar, emerge a violência, não apenas como desejo de ordem, mas também como substituição do poder; emerge a postura de guerra contra os pecadores e os inimigos da moral.

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A esquerda não é o maior inimigo do governo Bolsonaro https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/03/a-esquerda-nao-e-o-maior-inimigo-do-governo-bolsonaro/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/01/03/a-esquerda-nao-e-o-maior-inimigo-do-governo-bolsonaro/#respond Fri, 04 Jan 2019 01:42:00 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/Troche-2-150x150.png https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=544 Hoje (3), Fernando Canzian, repórter da Folha, defendeu em coluna que Bolsonaro reúne todas as condições para ser duplamente cruel com as esquerdas. Segundo o texto do colunista, o maior desafio do governo do capitão reformado do Exército será o de encontrar recursos para tapar o rombo de R$ 300 bilhões nas contas públicas. Caso isso ocorra, o ciclo de crescimento da economia tende a ser longo e fortalecer o projeto de poder do atual ocupante da Presidência da República, alijando as esquerdas por muitos anos do poder.

Até aí, a análise é perfeita. Mas, na sequência, Canzian argumenta que o caminho mais rápido para a redução do déficit passa pela redução da máquina pública e que, se esta redução for efetivamente realizada, ela afetaria a base de sustentação sindical da esquerda, reforçando o seu isolamento e o seu enfraquecimento.

Olhando pela economia, o texto de Fernando Canzian é provocativo e coloca na mesa, de fato, os riscos corridos pela esquerda brasileira (não muito diferentes do que ocorre nos EUA e na Europa). Também coloca um cenário de oportunidades para o novo governo que, se aproveitadas, reverterão o quadro de crise sistêmica em nosso modelo de organização econômica.

Todavia, se olharmos na perspectiva de quem tem exercido o papel de fiadores da ordem e da narrativa bolsonarista, veremos que a redução do déficit público enfrentará estamentos de poder, para utilizar um conceito clássico da Sociologia, na administração pública que em nada são simpáticos à esquerda e que acumulam enorme capacidade de pressão e reação político-institucional.

Estou falando dos militares federais, dos policiais, dos juízes e dos integrantes do Ministério Público. Na verdade, o duplo risco para a esquerda identificado pelo colunista também se apresenta, na mesma intensidade, ao governo Bolsonaro. No caso, o maior desafio de Jair Bolsonaro será equilibrar interesses econômicos e corporativos antagônicos sem desequilibrar a sua base de sustentação política e, com isso, retroalimentar o cenário de falta de confiança dos agentes econômicos.

Em um exemplo nítido, as maiores resistências à reforma da previdência, em última instância, virão destas carreiras públicas, que nunca foram base sindical das esquerdas, e cujos benefícios têm um impacto nas contas públicas muito maior do que qualquer outro segmento. A discussão sobre o aumento dos salários e a proibição/recriação do auxílio moradia de juízes segue na mesma direção. A leitura do colunista desconsidera, portanto, que a máquina pública não é homogênea e é perpassada por inúmeras disputas e culturas organizacionais.

Dito de outra forma, o desmonte da máquina, para ter legitimidade social, exigirá, entre outras frentes, um debate transparente sobre eficiência e custo do sistema de justiça e segurança e de manutenção da ordem que talvez o governo Bolsonaro, por suas alianças e opções ideológicas, não queira e/ou não consiga levar adiante.

Ao contrário, se analisarmos as primeiras medidas do novo governo, veremos que a sua estratégia de ação desenhada passa pela aposta dobrada na captura de tais instituições para a guerra cultural que o clã Bolsonaro, Ônix Lorenzoni, Damares Alves, Vélez-Rodrigues e Ernesto Araújo instituíram visando a desconstrução da agenda da quarta onda de direitos fundamentais (onda que deságua no reconhecimento de identidades e no pluralismo democrático), esta sim muito cara aos movimentos sociais e principal eixo de atuação da esquerda até agora (o foco sindical perdeu força faz algum tempo e não é mais a base de sustentação principal da esquerda, a meu ver).

Bolsonaro está fazendo um esforço enorme para anunciar ou se apropriar de medidas que julga de restabelecimento da ordem e da moral sem se dar conta que, no modo pragmático petista de governar, muitas delas ou foram criadas nas gestões petistas ou são consequência da tentativa lulista de compor o tempo todo (assistência jurídica para policiais envolvidos em ocorrências com resultado morte, medida já vigente no Maranhão e na Bahia, redutos da esquerda; sistema prisional lotado em função da lei de drogas aprovada em 2006 durante a gestão Lula e que pode ser vista como uma das responsáveis pelo aprisionamento crescente no país de jovens e pelo fortalecimento das facções criminais; regulamento das Operações de GLO – Garantia da Lei e da Ordem, que mobilizam as Forças Armadas para funções de segurança pública; aprovação da lei que tipifica o terrorismo, entre várias outras medidas que muitos imaginam necessárias de setem postas em prática pelo novo governo mas já em vigor).

O fato é que seu governo está se escudando na agenda moral e ideológica para se blindar dos profundos dilemas econômicos que o país vive; está usando o discurso de ordem para manter o controle da narrativa, evitando que os riscos postos se avolumem. E, para isso, ele precisa do apoio das instituições acima mencionadas. Aliás, narrativa que tem encontrado eco em muitos políticos oriundos das fileiras de tais instituições.

Em suma, eu concordo que as esquerdas vivem um enorme vácuo de liderança e que seus projetos políticos precisam passar por profundas transformações caso queiram reconquistar corações e mentes da população. Os dilemas por elas vividos são intrínsecos a elas próprias e fruto de opções equivocadas quando acreditavam que eram as porta-vozes dos pobres e oprimidos. A ênfase no reconhecimento de direitos, na voz e nas identidades é corretíssima mas precisa vir acompanhada por um projeto de inclusão político amplo o suficiente para ser admirado e desejado pelos milhões de brasileiros e brasileiras órfãos das políticas públicas e reféns do medo e da violência.

A direita soube explorar o medo e venceu. Porém, o que o Fernando Canzian não coloca é que as contradições ideológicas e econômicas do governo de Jair Bolsonaro estão em uma etapa de precário equilíbrio (não à toa simbolizadas nas figuras “indemissíveis” de Sérgio Moro e Paulo Guedes), e que o maior inimigo de sua gestão, no curto prazo, é ele próprio. Identificar os problemas da esquerda é central, mas não podemos minimizar os dilemas do novo governo.

No curto prazo, a esquerda não é o maior inimigo ideológico e econômico do governo Bolsonaro. Sua agenda moral é que pode colocar as oportunidades econômicas em risco real e imediato, por mais que seja ela que, paradoxalmente, o fortaleça e o blinde em um primeiro momento. Que as instituições do sistema de justiça e segurança saibam manter a autonomia e o pensamento estratégico que as têm marcado nos últimos anos.

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O silêncio dos eleitos sobre os direitos humanos dos policiais https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/12/18/o-silencio-dos-eleitos-sobre-os-direitos-humanos-dos-policiais/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/12/18/o-silencio-dos-eleitos-sobre-os-direitos-humanos-dos-policiais/#respond Tue, 18 Dec 2018 11:29:56 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/Policiais-mortos-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=511 Com Elisandro Lotin de Souza. Sargento da PMSC. Presidente da Anaspra – Associação Nacional de Praças

Segurança pública tem sido objeto de grandes e calorosas discussões nos mais variados espaços públicos e privados. O tema foi decisivo no debate eleitoral e contribuiu para vitórias políticas algumas acachapantes. Terminada as eleições, assimilados os discursos retóricos e envolventes, declarados os vencedores(as), passa-se agora para as montagens de governos e as estratégias que buscam implementar aquilo que foi “vendido” como sendo a solução mágica para o problema público da violência que impõe angústias e gera privações para os cidadãos e, gera custos sociais, financeiros e humanos irreversíveis e, com isso, impede o desenvolvimento da nação e dos Estados.

Neste sentido divulgam-se todos os dias conversas e reuniões entre eleitos, nomeados e gestores da área e, não obstante a realidade de apoio dado aos vencedores por parte dos profissionais das bases das polícias estaduais, em nenhum momento, pelo menos até agora, falou-se sobre a situação destes milhares de mulheres e homens que sim, estão doentes e precisam de ajuda.

Por todo o Brasil irrompem todos os dias notícias de policiais, bombeiros e guardas municipais que, ignorados em seus direitos humanos mais básicos (salário digno ou em dia, saúde, moradia, condições de trabalho dignas, jornada de trabalho justa, equipamentos de proteção individual adequados, etc.), e no limite, tiram sua vida ou são obrigados a se afastarem para tratamentos de ordem psicológica, mas, sobre isso, nada, nenhuma palavra ou gesto que denote a busca por mudar esta realidade que só é conhecida por quem vive o dilema.

Daniel Cerqueira, em texto recente aqui no Faces da Violência, mostrou que os policiais brasileiros morrem 3 vezes mais por suicídio e 19 mais por assassinatos do que os policiais dos EUA; e matam 7 vezes mais. Há algo de muito errado na nossa pátria amada, Brasil.

Alias, é preciso dizer: o Estado brasileiro, não obstante legislação que determine o contrário, dificulta, esconde e camufla as informações acerca da saúde e das condições de trabalho destes profissionais, o que configura um infração a lei e uma irresponsabilidade. Conseguir dados sobre esta dimensão da atividade policial é das tarefas mais urgentes porém complexas. Em todo o país, não há sistemas de informação e/ou interesse em lidar com transparência com o problema.

Os policiais brasileiros são silenciados em suas dores e em seus direitos.

O fato é que o homem e a mulher da segurança pública nunca foram objeto de uma ampla e realista discussão sobre condições de trabalho e continuam a não ser pois não estão no radar ou na agenda dos eleitos. E, neste sentido, ao ignorar esta realidade, quaisquer projetos, principalmente os que indicam o “mais do mesmo”, não surtirão efeito algum no sentido de controlar o medo e a violência.

Isso, para além de ser um fato, é também um desrespeito e um perigo pois, ao deixar o ser humano policial, bombeiro e guarda municipal jogados à própria sorte, o Estado ignora aquilo que é mais básico em termos de governança pública da segurança: humanização das relações internas, reconhecimento de direitos e garantias básicas e valorização dos profissionais da área, principalmente os do “baixo clero” que, amordaçados em seus gritos que são por códigos disciplinares draconianos, sequer podem expor suas realidades sem correr riscos de punições as mais diversas.

Democratizar e humanizar a segurança pública passa obrigatoriamente por revelar que não existe policial, guarda ou bombeiro herói; passa por respeitar os homens e mulheres trabalhadores da segurança pública que foram e são ignorados pelo Estado brasileiro e isso se faz com o reconhecimento das vulnerabilidades humanas e sociais destes profissionais e com o consequente cumprimento de leis internacionais e nacionais, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição da República Federativa do Brasil, que completou 70 anos na última semana.

Pensar a segurança pública do presente/futuro é reconhecer que esta questão não diz respeito apenas às polícias (gestores) e que não há oposições entre um direito social básico (segurança publica) da população, Direitos Humanos e direitos dos profissionais da área. Colocar o debate nestes termos é incentivar antagonismos que se originaram a partir de incompreensões conceituais destes temas por parte de grande parte da sociedade (incluindo os próprios profissionais da área), quase sempre aquela que também é vítima da omissão e do desrespeito do Estado no que diz respeito aos seus direitos humanos e sociais mais básicos.

De modo surpreendente, o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), em vigor desde julho deste ano, prevê a incorporação de um subsistema chamado Sistema Integrado de Educação e Valorização Profissional e a Política Nacional de Segurança Pública, recém aprovada e que tem caráter vinculante e exige que as Unidades da Federação se adaptem, em dois anos, às regras do SUSP, também prevê um eixo específico para a valorização dos profissionais da área, com 15 objetivos/meta.

No entanto, é interessante notar que nenhum governante eleito e/ou as autoridades por ele escolhida para chefiar a segurança pública priorizou esta dimensão. O que há, até o momento, é retórica político-eleitoral e pouco compromisso efetivo com a vida dos policiais brasileiros.

No mês em que se comemora 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos parte significativa da população brasileira ainda luta para que estes mínimos direitos de todos os humanos sejam integralizados, e, entre estes subcidadãos, estão os milhares de policiais, bombeiros e guardas municipais que, na linha de frente, observam, por conta da construção jurídica e ideológica que os rege, seus direitos humanos sendo ignorados e surrupiados, o que os coloca também na condição de vítimas marginalizadas sob o domínio de “autoridades” que não se cansam de se envergonhar e envergonhar todos os trabalhadores do Brasil, e pior, permanecendo impunes e ditando as regras (deles, por óbvio).

Os profissionais de segurança pública, principalmente os da base, ano após ano convivem com as demonstrações de violência do Estado e da sociedade, sendo exigidos destes, serenidade, respeito à lei e a ordem. São vítimas de assédio e de condições desumanadas de tratamento e trabalho e, mesmo assim, são rigorosamente disciplinados. Quanta presunção e quanta pretensão destes que comandam os destinos da nação a custa do sangue, do suor, da humilhação e da miséria de todos nós.

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A democracia sob eventual governo de Jair Bolsonaro https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/10/24/a-democracia-sob-eventual-governo-de-jair-bolsonaro/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/10/24/a-democracia-sob-eventual-governo-de-jair-bolsonaro/#respond Wed, 24 Oct 2018 13:29:37 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/15391387465bbd64ba12066_1539138746_3x2_xs-150x150.jpg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=368 Com Mario Schapiro, professor da FGV Direito SP

O pânico moral e a violência transformaram-se em fortes cabos eleitorais do candidato Jair Bolsonaro, em 2018.

Porém, diante dos dados apresentados pelas pesquisas de intenção de voto, o ofício de analista político já foi deslocado para o futuro. A questão mais suscitada é sobre o que seria um eventual governo de Jair Bolsonaro. Os mais cautelosos apontam para variações de uma democracia iliberal, com restrições de direitos e a fragilização dos freios e contrapesos – um endurecimento autoritário por dentro da institucionalidade formalmente democrática.

A biografia do candidato e os discursos de sua campanha justificam a avaliação e corroboram apostas de um destino similar ao de outros países, como a Turquia, Hungria e as Filipinas, onde as liberdades públicas e os direitos humanos sucumbiram ante o autoritarismo do regime político.

Há, no entanto, um registro que merece ser feito sobre os danos já sofridos pela democracia brasileira no curso desta corrida eleitoral. É por estes rasgos que o iliberalismo do candidato líder nas pesquisas tende a vicejar, mais cedo do que se espera. Neste balanço, os rasgos mais profundos são a desorganização da esfera pública e a disseminação do pânico e da violência privada.

A democracia, para funcionar como um regime que organiza o poder e oferece oportunidades de participação política, requer protocolos. O debate público requer alteridade e racionalidade. Alteridade significa reconhecer o outro, o dissidente, como igualmente legitimo, como sujeito de direitos, com cujas ideias se deve dialogar e discutir.

E é isso que Jair Bolsonaro está afrontando ao propor prender, perseguir a banir a imprensa livre ou quem pensa diferente.

A racionalidade representa os parâmetros que devem organizar esse debate. Não vale tudo na disputa política. A contraposição de ideias comporta interpretações diferentes sobre um mesmo fato, mas exige fidelidade aos fatos. A eleição na democracia demanda, portanto, debate e linguagem adequada.

Em 2018, no entanto, não tivemos nem um e nem outro. Os debates foram substituídos pela câmaras de eco do subterrâneo das redes sociais. Ali, sem a mediação institucional da imprensa, sem a cobrança de fontes e a consistência das informações, a linguagem da democracia foi atropelada pela comunicação de guerra. O adversário foi estigmatizado como inimigo e como inimigo deve não apenas ser derrotado, mas abatido.

Para isso vale tudo. Começa-se por negar a legitimidade do postulante contrário, em uma espécie de argumento “contra hominem”: se eles quem falam, não está correto. Deriva disso, a eliminação de qualquer possibilidade de discussão.

As fontes, os dados, os argumentos, as evidências não valem, porquanto estão contaminadas pela sua origem. As consequências são óbvias. Sem um escrutínio público consistente, o eleito adquire um mandato com menos constrangimentos do que seria prudente esperar. Quem terá legitimidade para dizer sobre seus equívocos no governo? Mais grave: o que serão equívocos, se não há contrapontos, mas posições inimigas, nas quais não se deve confiar?

Foi-se além. A desorganização da esfera pública ultrapassou seus limites e alcançou a vida privada, aqui como violência física. Já são inúmeros os casos de agressão e até de homicídio, ocorridos entre os turnos eleitorais. Os casos deixam claro que a linguagem de guerra de fato comunica a sua mensagem.

Se a democracia é uma opção de conflito procedimentalizado, em que as disputas entre os diferentes deve ocorrer dentro das regras, parece evidente que a Turquia de amanhã já é o Brasil de hoje. Como costuma acontecer nas viradas autoritárias, existe cumplicidade entre o público e o privado.

O caso dos policiais de Goiás que, durante treinamento, cantavam palavras em defesa da candidatura do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) é o exemplo didático deste compadrio. Este e outros casos estão acomodados na omissão/conivência das autoridades, das instituições e na senha da linguagem de guerra.

Em seu discurso de posse na presidência do STF, o Ministro Dias Tofolli lembrou da trilha sonora da democratização, o que para alguns soou mais como aviso do que como memória da abertura.

Citou o verso de Renato Russo, “o futuro não é mais como era antigamente”. Dias depois, deixou claro parte de sua inspiração, quando se voltou ao passado para chamar o golpe de 64, de movimento. O elo entre um passado a ser reescrito e um futuro com apostas iliberais é este presente, em que parte das referências foram perdidas sem que a agenda de direitos civis, sociais e humanos tenha sido plenamente implementada no Brasil.

A democracia essa sim já não é mais como era antigamente. E, em muito, porque a violência nunca foi interditada, moral e politicamente, no Brasil, seja ela oriunda das relações privadas (violência contra mulheres, crianças, assédios), do crime organizado e/ou do Estado (uso excessivo da força letal pelas polícias ou caos prisional, entre outras manifestações).

A violência permanece e o pânico continua à espreita. Se nada fizermos para contê-los, o Brasil pode caminhar aceleradamente para a sua “noite dos cristais“. Que saibamos evitá-la!

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O ideal de Justiça e os julgamentos morais da soldado PM Juliane Santos e de Fernanda Camargo https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/09/06/o-ideal-de-justica-e-os-julgamentos-morais-da-soldado-pm-juliane-santos-e-de-fernanda-camargo/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/09/06/o-ideal-de-justica-e-os-julgamentos-morais-da-soldado-pm-juliane-santos-e-de-fernanda-camargo/#respond Thu, 06 Sep 2018 15:05:56 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/Moral-150x150.jpeg https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=250 Com Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Juliane dos Santos, 27 anos, foi morta no dia 2 de agosto de 2018. Juliane era Soldado da Polícia Militar e estava em um bar em Paraisópolis em seu horário de folga quando teve seu celular furtado. Identificou-se como agente da lei na esperança de que recuperasse o bem perdido. Foi brutalmente assassinada por ser policial.

Juliane era também conhecida como “garota sorriso”. Sempre alegre e bem-humorada, Juliane não era apenas uma jovem soldado, mas alguém que sempre sonhou em ser policial e atuar na defesa da lei. Seu corpo ficou desaparecido por cinco dias, o que impediu inclusive que a família pudesse se despedir de forma adequada. O caixão teve que ser lacrado.

Mas a tragédia para a família de Juliane não termina aí. Como se não bastasse seu assassinato, os julgamentos morais passaram a permear o noticiário sobre sua morte. Juliane era lésbica, negra e de família humilde, mas a imprensa achou por bem destacar que, antes de morrer, ela se divertia e namorava uma “ruiva” em um bar. Qualquer pessoa minimamente atenta ao tema da segurança sabe que Juliane se expôs ao identificar-se como Policial Militar em um território dominado pelo PCC, mas sua orientação sexual e a cerveja precisavam constar das análises de seu assassinato.

O julgamento moral que a família de Juliane teve que assistir atônita é vivido hoje por Fernanda Camargo, 40 anos, viúva do mecânico Eduardo Alvos dos Santos. Eduardo, 42 anos, faleceu em 16 de janeiro de 2017 após uma ocorrência de violência doméstica. Fernanda chamara a Polícia Militar porque o marido tornava-se agressivo quando bebia e ela queria tirar seus pertences de casa. Quando a guarnição da PM chegou à residência, Eduardo bateu boca com um dos soldados, e, nitidamente embriagado, caiu segurando-se na farda do policial, que acabou rasgando. O trâmite usual de uma ocorrência como essa era adotar procedimentos de uso progressivo da força, imobiliza-lo e leva-lo para a delegacia para ser autuado. Mas Eduardo foi agredido antes de ser colocado na viatura e, três horas depois, Eduardo morreu dentro da delegacia de Itapevi. O laudo do IML identifica como causa de sua morte uma hemorragia interna traumática, provocada por agente contundente.

Como se este caso não fosse suficientemente trágico, ontem, dia 05 de setembro, a absolvição do soldado responsável pelas agressões adiciona mais uma pitada sádica a este enredo. Em sua decisão, o juiz militar José Alvaro Machado Marques não reconhece o nexo entre os dois fatos e destaca diversas vezes que Eduardo tinha passagens pela polícia e histórico de comportamento violento, como se isso fosse justificativa para ser espancado pelos policiais. Prossegue à sua argumentação, em um processo no qual todas as testemunhas são policiais, afirmando que relatos indicam que Eduardo tinha apenas um “discreto” ferimento no olho e que deve ter morrido de cirrose hepática.

Mas a cereja do bolo de sua conclusão é o parágrafo em que fala sobre a viúva, Fernanda, e os motivos pelo qual continuava a acusar o policial. Sugere o juiz que a viúva pode ser motivada pelo “interesse em buscar indenizações…”. Afinal, o natural não seria esperar que a viúva quer justiça, e sim que ela quer lucrar com o assassinato do marido.

Para não dizer que o eminente juiz foi completamente injusto, ele também afirma em sua decisão que Fernanda pode estar influenciada por “um sentimento de culpa por seus desentendimentos com o marido…”. Bingo! Imagine só, senhor juiz, o que significa para uma mulher vítima de violência doméstica, com uma filha de 17 anos, ver o homem com quem estava casada há quase duas décadas ser espancado por um policial na garagem de casa após uma ligação dela; ver o marido morrer dentro de uma delegacia de polícia em seu colo e ainda ter que lidar com os julgamentos morais do Estado, especulando sobre os motivos de sua busca por justiça.

Quando valores coletivos consagrados nas cláusulas pétreas da nossa Constituição são reduzidos a concepções morais privadas, como podemos compreender que a Justiça adote como símbolo a imagem de Têmis, divindade grega que busca estar acima das paixões humanas para permitir que a verdade não seja apenas a lei do mais forte? Triste momento vivido pelo país…

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Nazareth Cerqueira e o desafio da reforma da segurança pública no Brasil – Parte 1 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/07/15/nazareth-cerqueira-e-o-desafio-da-reforma-da-seguranca-publica-no-brasil-parte-1/ https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/07/15/nazareth-cerqueira-e-o-desafio-da-reforma-da-seguranca-publica-no-brasil-parte-1/#respond Sun, 15 Jul 2018 15:13:25 +0000 https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/1722767-150x150.jpeg http://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/?p=124 Na semana em que o SUSP, Sistema Único de Segurança Pública, entrou em vigor, várias foram as iniciativas anunciadas para modernizar a área: novos sistemas tecnológicos para integração de banco de dados policiais; pedido de informações do MPF sobre a implementação do SUSP e a inclusão de mecanismos de fortalecimento dos sistemas de controle de armas e explosivos; bem como disputas pelas verbas das loterias entre as pastas da segurança, cultura e esporte.

Todas são temas importantes e que mostram uma sociedade em movimento. Elas estão dentro das regras do jogo democrático e das disputas por prioridades governamentais. O que mais chamou atenção, contudo, foi que, em paralelo à agenda de modernização das políticas públicas, vários retrocessos têm sido defendidos abertamente por representantes do atraso e, pior, estão ganhando ouvidos qualificados, independente desse modelo fazer vítimas de todos os lados.

Um destes retrocessos é o reforço, à direita sobretudo mas também à esquerda, do clima policiais x sociedade civil, como se fossem dois lados opostos e antagônicos. Isso para não falar do quão difícil está falar de transparência e prestação de contas pelas instituições de segurança pública e justiça criminal.

Mas, se olharmos em perspectiva, veremos que esse antagonismo responde à lógica política e não é um fato consolidado. Muitos policiais batalharam para substituir desconfianças mútuas e estranhamentos em uma agenda moderna e cidadã de reformas institucionais ao longo dos últimos 30 anos.

E, neste sentido, recupero capítulo do Livro “Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças”, publicado pela Alameda Editorial. O texto foi escrito por Elizabeth Leeds sobre a trajetória do Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, cujo trabalho encontra paralelos com o de Robert Peel, que reformou a polícia inglesa no século XIX.

Cerqueira foi comandante da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro de 1983 a 1987 e de 1991 a 1994. Foi um dos primeiros comandantes das polícias militares brasileiras oriundos da própria polícia, e não das Forças Armadas. O Coronel Nazareth Cerqueira foi assassinado em 1999, em circunstâncias até hoje pouco esclarecidas.

Nesta e nas próximas postagens, vou reproduzir trechos do capítulo de Elizabeth Leeds, pois, no texto, muitas das questões que hoje parecem novidade ou inevitáveis, já estavam postas nos anos 1980 e 1990. De forma engajada e polêmica, Elizabeth Leeds nos provoca a uma reflexão sobre a força de discursos que louvam a violência como política pública e mostram que as resistências ao Estado de Direito são muito maiores do que os que acreditaram na redemocratização poderiam imaginar.

Serve de alerta para pensarmos como construir pontes de diálogo efetivas e para refletirmos os desafios cidadania em um país assolado pelo medo e pela violência – e, até as eleições, de polarizações extremadas.

Agentes de mudança em instituições resistentes: Nazareth Cerqueira e o desafio da reforma da segurança pública no Brasil – Parte 1

Elizabeth Leeds

Desde 1985, o avanço da democratização e o crescimento de uma sociedade civil robusta e organizada equiparam o Brasil com ferramentas que lhe permitiu fazer pressão em prol de uma agenda de justiça social. No entanto, o setor que menos progrediu nesse período foi justamente o da justiça criminal e, mais especificamente, o da polícia. A Constituição Democrática de 1988 mudou, pelo menos no papel, praticamente todo o governo, mas deixou intactas, do ponto de vista formal, as instituições policiais.

Com exceção da mudança nominal e simbólica do papel da polícia, não mais a garantidora da “segurança nacional” e sim da “segurança pública” – o que significou que evoluiu da função de proteger o Estado à de proteção de cada um dos cidadãos –, o novo ordenamento constitucional não alterou as instituições policiais, que mantiveram o modelo implantado em 1964, no início do regime militar. Além disso, a Constituição de 1988 impôs restrições às oportunidades formais de envolvimento da sociedade civil na reforma da segurança pública.

Ao longo da década de 1980 e início dos anos 1990, o avanço da democratização e o fortalecimento de uma sociedade civil organizada deram ao Brasil mecanismos para exercer pressão em prol de uma agenda de justiça social. Porém, tanto as organizações da sociedade civil quanto os acadêmicos relutavam, de modo geral, a envolver-se em questões de segurança pública e reforma policial, pois ambos os grupos haviam sido alvo do regime militar e vítima da repressão policial.

Ao longo desse período as organizações de direitos humanos assumiram o papel mais do que necessário de denunciar casos de violação de direitos humanos por parte da polícia. Mas a questão da mudança institucional, de maior amplitude e complexidade, e que exigia justamente interação com os elementos progressistas da polícia, foi um processo bem mais complicado. Até bem recentemente, a colaboração com os policiais progressistas, influenciando a mudança institucional, era tida como uma verdadeira traição aos princípios e prioridades daqueles que lutavam pelos direitos humanos.

De fato, a nova geração de organizações de direitos humanos, disposta a formar parcerias com a polícia e batalhar pela mudança, foi considerada “vendida”, demasiado próxima do governo, rotulada de “chapa branca”. Ou seja: as resistências eram de duas naturezas: em primeiro lugar, havia uma estrutura militarizada com rígida ideologia e práticas refratárias ao pensamento estratégico de prevenção do crime e da violência e, segundo, havia a dificuldade em envolver os atores da sociedade civil e os acadêmicos em parcerias com a polícia. E foram esses os dois focos de atuação do coronel Cerqueira nos seus dois mandatos e mesmo nos anos seguintes.

Foi nos primeiros anos da redemocratização, em 1983, que o governador Leonel Brizola, recém-eleito, nomeou pela primeira vez o coronel Cerqueira comandante da PM do Rio de Janeiro. As polícias militar e civil refletem, de modo geral, a longa história e cultura específicas de seus Estados, uma variável com implicações consideráveis quando se trata de estimular a mudança institucional.

Apesar de seus dois séculos de existência, a polícia que Cerqueira passou a comandar era fruto da mudança do papel político do Rio de Janeiro no cenário nacional e era, na verdade, um amálgama de quatro forças policiais diferentes: a Polícia Militar do Distrito Federal, da época em que o Rio era a capital do país, até 1960; a Polícia Militar do Estado da Guanabara, criada em 1960, quando a administração federal mudou-se para Brasília; a Polícia Militar do antigo estado do Rio de Janeiro; e a Polícia Militar do atual estado do Rio de Janeiro, após a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975.

A unificação das forças estaduais de ambos significou um realinhamento total, organizacional, da burocracia e da administração. Mais complicada ainda foi a fusão de duas culturas, com história, mentalidade, tradição e papéis diversos. Na qualidade de polícia da antiga capital do país, o Distrito Federal, a PM da Guanabara herdara o legado histórico do “gendarme”, que Portugal havia copiado da França e trazido ao Brasil em 1809. Era tida como uma força policial de elite, próxima à sede do governo nacional, com melhores salários e formação. Já a Polícia Militar do antigo Estado do Rio de Janeiro era considerada mais provinciana, com menores salários e pior treinamento. O impacto foi significativo em termos de rixas profissionais e dificuldades de ajuste entre as diversas culturas institucionais.

No que tange a questões de promoções, por exemplo, muitos dos que, em condições normais, poderiam contar com uma ascensão certeira após trabalharem o número de anos exigidos, descobriram que não havia vagas suficientes na nova organização. Em 1983, Cerqueira enfrentava os conflitos internos decorrentes desse amálgama institucional, que teve lugar em 1975. Esse conflito e essa diferença de mentalidade e identidade existem ainda hoje.

A escolha de Cerqueira para o posto de comandante foi atípica, do ponto de vista tradicional. Negro, de uma família humilde do bairro de Olaria, no subúrbio industrial capital fluminense, ele graduou-se na Escola de Formação de Oficiais como o primeiro da turma. No entanto, sofreu discriminação racial ao longo de sua carreira. Em entrevista realizada em 1988, no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em comemoração ao centésimo aniversário da abolição da escravatura, Cerqueira falou dos insultos e menosprezo que sofreu, desde a escola primária, proferidos pelos próprios professores, até a educação superior, na Academia de Polícia, incluindo os oficiais superiores.

Apesar da percepção generalizada de que a PM era um canal de mobilidade social para os negros, havia um racismo velado sempre que algum negro entrava na competição, junto com os brancos, por um cargo de alto escalão. Na verdade, o fato de um negro conquistar o cargo de comandante era considerado acintoso pela maioria dos membros brancos da corporação. Mesmo depois de assumir o cargo, Cerqueira teve de enfrentar casos de insubordinação com insinuações racistas.

Quando foi escolhido por Brizola, opositor contumaz do regime militar e autodenominado socialista, a elite branca, a mídia e os militares reagiram com surpresa e mesmo desprezo, enquanto os membros do então nascente movimento negro brasileiro, bem como os residentes das favelas cariocas, majoritariamente negros e pardos, alvo frequente da violência crônica policial, receberam-no com alegria.

Embora Cerqueira nunca tenha se identificado publicamente com o movimento negro, sua experiência como jovem e, posteriormente, como profissional negro influenciou sua filosofia e práticas de modo significativo. Sempre um intelectual, com graduação em filosofia e psicologia, acreditava na luta contra o racismo pela via teórica, combatendo os conceitos que gerassem atitudes racistas. Em lugar do confronto direto, dizia:

[…] defendo outro tipo de luta, que é o do enfrentamento das concepções teóricas que estariam por trás das crenças que impulsionam o sistema de justiça criminal para punir os negros, os mais pobres e todas as categorias marginalizadas.

O coronel Celso Guimarães, que trabalhava próximo a Cerqueira, colocando em prática aquilo que este concebia intelectualmente, lembrou-se de um incidente de 1982 que teve impacto visceral na sua determinação em mudar práticas policiais racistas. Em uma blitz na Favela da Cachoeirinha a polícia colocou residentes negros em uma fila, com cordas em volta do pescoço, evocando a época da escravidão. Cerqueira imaginou o impacto dessas imagens na cabeça das crianças que vissem seus pais naquela situação e jurou que nunca mais permitiria que a cena se repetisse.

Nos seus dois mandatos, o coronel chamou atenção para a questão do racismo, encomendando estudos sobre a violência contra a comunidade negra e realizando seminários para divulgar os seus resultados, entre os quais o Encontro com a Comunidade Negra. Reformulou políticas de modo a eliminar o conceito do “inimigo interno” dirigido, de modo geral, aos residentes das favelas. Essas novas visões foram incorporadas à formação tanto de oficiais quanto dos policiais menos graduados, os praças. No seu segundo mandato, organizou seminários sobre a cultura negra para discutir a influência do funk e a expressão cultural promovida por esse movimento no ambiente das favelas.

[na próxima postagem, a parte do texto de Elizabeth Leeds que fala de resistências e policiamento comunitário]

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